"Natural de Adaúfe (Braga), Nélson tinha quinze anos e era humilhado por colegas de escola. Na sexta-feira passada, forçaram-no a ficar em cuecas no pátio. Foi a gota de água. Sábado à noite, Nélson suicidou-se com a velha receita, corda, nó, laço. Infelizmente, Nélson é só o último episódio de uma vaga de violência escolar. Exemplos? Há dias, na Amadora, um miúdo morreu numa rixa de faquistas. No ano passado, na minha velha C+S da Póvoa, dois garotos violaram uma miúda de 12 anos. Pelo Expresso, fiquei a saber que a minha C+S é agora a Escola Carlos Paredes. No rescaldo deste caso, falei com ex-professoras. Garantiram-me que o ambiente piorou, Henrique, isto está muito pior do que no teu tempo. Na altura, tentei desconstruir essa ideia . As minhas professoras, dizia eu , estavam a recriar um passado mágico que nunca existiu, o meu tempo também foi violento, só não tínhamos um nome chique para dar à coisa, não era bullying, era mesmo maldade.
Eu estava errado. A situação piorou, e vou tentar explicar porquê. Além de potenciar a boa e velha maldade da criançada (bater no mais fraco), a internet criou um novo estilo de violência psicológica. Oiço frequentemente histórias de garotas forçadas a mudar de escola e até de cidade, porque aparecem em vídeos ou fotos íntimas que circulam entre a rapaziada. Isto é novo. No meu tempo, as cenas de pancadaria e o porno imberbe ficavam entre quatro paredes. What happens in Vegas stays in Vegas. Hoje em dia, a internet não permite esta contenção analógica. Uma miúda pode mudar de cidade, mas aquele vídeo vai estar à sua espera na nova cidade. E um garoto como o Nélson também pode mudar de cidade, mas os vídeos onde ele aparece a ser humilhado também vão estar à sua espera.
A tecnologia porém não é a única culpada. Aliás, a grande culpada é a minha geração de professores e pais. Afogados no mito da bondade virginal da criança, nós criámos um clima de impunidade em casa e na escola. Até importámos um termo, bullying, para evitarmos o confronto com a palavra certa, crueldade. Sim, as crianças podem ser muito cruéis. Na escola do Nélson, a EB 2/3 de Palmeira, os responsáveis disseram logo que a causa do suicídio não podia ser a violência escolar, ora essa. Mas Nélson era ou não era humilhado por alguns colegas? Tinha ele o hábito de andar em pelota por desporto? Quando um miúdo é humilhado no pátio, os professores têm o dever moral de intervir. Sucede que os professores desistiram desta tarefa, olham para o lado. A stôra de hoje acha que é uma mera técnica que está ali para ensinar uma matéria específica e não para educar moralmente as crianças. No meu tempo, as velhas stôras puxavam as orelhas aos estroinas. Em 2013, um puxão de orelhas é um acto intolerável. Ora, o problema começa precisamente aqui, e os culpados nem sequer são os professores. A nova ética da stôra é um reflexo da sociedade. Se tivesse puxado as orelhas aos miúdos que deixaram Nélson em pelota, um professor da EB 2/3 de Palmeira teria à sua espera um batalhão de pais indignados; a notícia do jornal não seria "jovem ficou em cuecas no recreio antes do suicídio" mas sim "pais espancam professor à saída da escola".
Henrique Raposo
Expresso Online