Entrevista ao "Expresso" de um professor aposentado que, há semanas atrás, em carta enviada ao Presidente da República, denunciava a fraude que constituem os cursos do CEF (cursos de Educação e Formação).
"Qual o motivo que o levou a recorrer ao Presidente?
Recorri ao Presidente da República por ser quem nos representa e quem deve saber tudo o que se passa no país. E é preciso que o país saiba que tipo de filhos estão as famílias portuguesas a criar e que os professores estão cansados, desanimados, desautorizados e com vontade de arranjar outra ocupação. Os professores estão transformados em amanuenses, obrigados a preencher papelada e mais papelada, e dentro da sala de aula a sua “luta” não é ensinar mas manter os alunos quietos, calados e se possível atentos. O PR tem o direito, o dever e a obrigação de perguntar ao Governo que sucesso é esse tão apregoado no ensino. Escrevi-lhe, também, em nome dos que não podem falar, porque é preciso que se saiba que as escolas estão preocupadas não com a transmissão de conhecimentos mas em “levar” os alunos até ao mês de Junho, de modo a poderem ter um diploma. Transformaram-se em “carimbadoras” de certificados, servindo-se das assinaturas dos professores para dar cobertura legal a esta mentira e a este engano que são os Cursos de Educação e Formação (CEF). Parece estar toda a gente muito feliz e contente a ver passar o cortejo onde o rei vai rotunda e adiposamente nu.
Porque só agora escreveu?
Tive, no ano passado, e pela primeira vez, turmas dos Cursos de Educação e Formação (CEF). Foi um grande choque ver a indiferença com que estes frequentadores da escola encaravam a sua actividade de estudantes (não lhes fica bem o nome de “alunos”, porque um aluno tem um compromisso com a escola e o objectivo de aprender). Estes frequentadores da escola aparecem nas aulas sem trazer uma esferográfica ou uma folha de papel. Trazem o boné, o telemóvel, os “headphones” e uma vontade incrível de não aprender nem deixar aprender.
Admite que a situação que viveu possa ser um problema localizado a esse ano ou a esse grupo de alunos?
Dos perto de 500 “mails”, chamadas telefónicas e mensagens de telemóvel que recebi, fiquei com a informação de que esta informação é geral. O comentário mais comum é de admiração por eu ter descrito exactamente o que se passa nas suas turmas. Muitos dizem-me que pensavam que isto só acontecia com eles e agradecem-me por tê-los ajudado a verificar que, afinal, não estão loucos. Eu mesmo senti, numa aula, que devia ter desembarcado num outro planeta, ao ver os alunos numa grande algazarra, como se a sala de aula fosse uma extensão do recreio. Apenas uma professora me diz que os cursos de jardinagem funcionam bem numa escola de Loures.
Na sua opinião, qual o nível de conhecimentos com que os alunos saem dos CEF?
Não sei qual o nível de aprendizagem noutras componentes, mas em Física e Química mostram um desconhecimento atroz de assuntos básicos. Não sabem que um livro corresponde a um decímetro cúbico, não sabem converter centímetros em metros e vice-versa. Pensam que se passa de minutos para horas andando com a vírgula para a esquerda. Se lhes der a velocidade de um móvel não sabem calcular a distância percorrida ao fim de um certo período de tempo. E o mal não é o desconhecimento, pois a minha função era eliminá-lo. O mal residia no facto de esses conhecimentos não serem assimilados por maior que fosse o meu esforço. Como se consegue ensinar alguém que está sempre a enviar mensagens de telemóvel? Mas o espírito dos CEF é este: se o aluno não aprende “a+b”, basta que aprenda apenas “a”. Se não aprende “a”, basta que aprenda metade de “a”, e se não aprender “metade de a”, basta que aprenda a milésima parte. É por isto que um diploma destes cursos é um atestado de ignorância e incompetência. E quando um empregador perguntar: “Quem foram os professores que disseram que tu sabias, quem foi que te deixou passar?” estará em causa o prestígio de toda uma classe e todos deveremos sentir vergonha.
O seu pedido de passagem à reforma está relacionado com esta experiência nos CEF?
A minha aposentação resultou da reunião das condições de tempo de serviço e de idade necessárias para o efeito. Mas há muitos professores que se querem reformar antecipadamente por que não aguentaram mais.
Estava à espera do impacto que teve a sua carta?
Sinceramente, não!. Escreveram-no contando histórias de arrepiar: desde o professor que aos 52 anos se vê obrigado a ir pela primeira vez ao psiquiatra, sabendo perfeitamente que o seu mal é a escola, até à professora que tentou suicidar-se não sabe se terá forças para tornar a entrar numa sala de aula. Lembro-me, também, de uma senhora me ter dito que tão ou mais grave do que as alterações do clima são as alterações de comportamento e a perda de valores por parte de uma geração que não está preparada para o futuro".
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