quinta-feira, março 06, 2008

Carta de agradecimento

"Logo depois de ter lido aqueles documentos sobre a avaliação dos professores, pensei como lhe deveria agradecer, Srª Ministra. Afinal, aquelas horas passadas diariamente junto do meu filho a verificar se os cadernos e as fichas estavam bem organizados, a preparar a mochila e as matérias a estudar para o dia seguinte, a folhear a caderneta escolar, a analisar e a assinar os trabalhos e os testes realizados nas muitas disciplinas, a curar a inflamação de uma garganta dorida pela voz de comando “Vai estudar!” ou pela frase insistentemente repetida, de 2ª a 6ª feira:”DESPACHA-TE! AINDA CHEGAS ATRASADO!” ou o incómodo e o tempo perdido para o levar diariamente à Escola, percorrendo, mais cedo do que seria necessário, um caminho contrário àquele que me conduziria ao meu emprego, tinham finalmente, os seus dias contados. Doravante, essa responsabilidade passaria para a Escola e, individualmente, para cada um dos seus professores. Finalmente, poderei ir ao cinema, dar dois dedos de conversa no Café do Sr. Artur, trocar umas receitinhas com a minha vizinha (está entrevadinha, coitadinha!) ou acomodar-me deliciosamente no sofá da sala a ver a minha telenovela brasileira preferida.
O rapaz ainda me alertou para os efeitos das faltas o conduzirem à realização de uma prova de recuperação. Fiz contas e encolhi os ombros - poupo gasóleo e muitos minutos de caminho, de tráfego e de ajuntamentos. Afinal, ele até é esperto e, se calhar, na internet, encontra alguns trabalhos ou testes já feitos… Sempre pode fazer “copy – paste”… Efectivamente, as provas de recuperação parecem-me a melhor solução para acabar com a minha asfixia matinal e vespertina. Ontem, a minha vizinha da frente, que tem dois ganapos na escola do meu, disse-me que, se ele continuar a faltar, o vêm buscar a casa, e que, no próximo ano lectivo, os professores vão tomar conta deles depois das aulas.
Oiro sobre azul. Obrigada, Srª Ministra. A Senhora é que percebe desta coisa de ser mãe! A Senhora desculpe a minha ousadia, mas será que também não seria possível fazer uma lei para os miúdos poderem ficar a dormir na escola? Bastava mandar retirar as mesas e cadeiras das salas de aula e substituí-las por beliches, à noite. De manhã, era só desmontar e voltar a arrumar. Têm bar, cantina e até duche. Com jeito, eles ainda aprendiam alguma coisinha sobre tarefas domésticas, porque, em casa, não os podemos obrigar a fazer nada ou somos acusados de exploradores do trabalho infantil com a ameaça dos putos ainda poderem apresentar queixa junto das autoridades policiais.
Ao Sábado, Srª Ministra, podiam ocupá-los com actividades desportivas ou de grupo, teatro, catequese, escuteiros, defesa pessoal…
O ideal mesmo era que os pudéssemos ir buscar ao Domingo, só para não se esquecerem dos rostos familiares.
O meu medo, Srª Ministra é aquela ideia que a minha vizinha Sandrinha, aquela dos três ganapos, comentava hoje comigo. Dizia-me que a Senhora Ministra quer criar o ensino doméstico. Eu acho que ela deve ter ouvido mal ou então confundiu o jornal da SIC com aquele programa da troca de casais do canal 24. Eu acho que isso não vinga em Portugal, porque não temos a extensão de uma América do Norte ou de uma Austrália e, por outro lado, tinha que comprar e equipar os VEI (veículos de educação itinerante), o que iria agravar mais o deficit das contas públicas e o insucesso dos nossos miúdos. Foi isso eu disse à Sandrinha. Acho que ela deve estar enganada. Logo agora, que podemos respirar de alívio porque não temos que nos preocupar com a escola dos garotos, essa ideia vinha destruir tudo, porque os obrigava a ficar em casa para receberem os VEI e aos pais ainda iria ser exigido algum acompanhamento.
A Senhora faça é aquilo que decidiu e não oiça o que os inimigos dos pais e das mães lhe tentam dizer (já agora, lembre-se da minha sugestãozita!). Assim, os professores, com medo da sua própria avaliação, passam a dar boas notas e a passar todos os miúdos e, desta forma, o nosso país varre o lixo para debaixo do tapete, porque é muito feio e incomodativo mostrarmos, lá fora, que somos menos capacitados que os nossos “hermanos” europeus".

Uma mãe e encarregada de educação agradecida

1 comentário:

Alice N. disse...

Excelente texto! Uma caricatura que, infelizmente, se aproxima muito do real...

Se há pais muito empenhados e preocupados, parece-me crescente o número dos que, por diversas razões (muitas vezes alheias à sua vontade), não acompanham minimamente a vida escolar dos seus filhos.

É preciso termos consciência do papel de cada um no sucesso escolar dos alunos. Todos falam da responsabilidade dos professores (ela é real e importante), mas não oiço ninguém falar dos deveres dos alunos, dos pais e da sociedade em geral para criar condições propiciadoras de um desenvolvimento harmonioso dos nossos jovens.

Sei que a vida dos pais não é fácil. Sou professora e também sou mãe de uma rapaz que frequenta o oitavo ano. Faço uma ginástica incrível para acompanhar o melhor que posso o meu filho, mas cada vez me sobra menos tempo.

Há pais asfixiados pelos seus deveres profissionais, rotinas diárias ou outros problemas, mas também os há que se demitem escandalosamente das suas responsabiliades. É mais fácil depositá-las nos ombros da Escola e culpar os professores quando algo corre mal!

Que sociedade é esta que explora e consome de tal forma as pessoas que não permite aos pais serem efectivamente PAIS? Que sociedade é esta que apregoa o mérito e imprime um sistema facilitista? Que sociedade é esta que exige à Escola substituir-se às famílias?

Na Educação, todos precisamos de todos. Aos pais não podemos exigir que sejam professores, mas também não devemos pedir aos professores que sejam pais (quantas vezes isso não acontece, porém...)
Há uma verdade universal e indiscutível: pai e mãe só há um. Eles são insubstituíveis. Ninguém desempenha melhor o papel de Pai ou Mãe do que os próprios pais, por isso, nunca, nunca poderão demitir-se dessa responsabilidade (e dádiva).

Todos precisamos de todos. Pais, Alunos e Professores devem estar unidos, assumindo cada um as suas responsabiliades, num clima de cooperação.

Maria