sábado, novembro 15, 2008

Os sindicatos, entre governo e professores

"1. Primeiro, o descontentamento veio de muitos militantes.

Depois ouviu-se a voz de Manuel Alegre.

Agora, a incomodidade socialista face ao protesto dos professores estendeu-se também a António Costa, o antigo n.º 2 do Governo.

Pelo meio, até o Presidente da República, sempre parco nas palavras que lança geometricamente, veio reconhecer o "direito constitucional à manifestação".

Quer tudo isto dizer que o primeiro-ministro, por muita solidariedade que demonstre à sua colaboradora para a área da Educação e das escolas, tem um problema delicado entre mãos chamado Maria de Lurdes Rodrigues.

Com um ano eleitoral à porta, e uma maioria absoluta que as sondagens demonstram ser possível, José Sócrates não pode deixar de estar a avaliar todos os cenários. Todos.

2 . O problema não é só a segunda manifestação dos professores ter contado de novo com mais de cem mil pessoas, mobilização que não parece estar hoje ao alcance de nenhuma central sindical, apesar das condições propícias geradas pela crise.

O verdadeiro problema reside na possibilidade do iminente colapso do polémico sistema de avaliação em resultado de uma desobediência generalizada nas escolas, o que hoje também é reclamado pela Fenprof e o seu ambicioso líder, Mário Nogueira, que tem reforçado o seu peso no PCP e está na primeira linha de sucessão a Carvalho da Silva, na CGTP.

A este propósito deve dizer-se que os sindicatos têm sabido, com habilidade, não perder a orientação deste movimento, que obviamente vai muito para além de qualquer partido e é transversal às diversas correntes políticas. Essa é, aliás, a base da sua força. E é incompreensível, também por isso, a falta de tacto político revelado pela ministra.

3 . A qualidade do ensino e a paz nas escolas deveriam obrigar as partes a sentarem-se à mesa, mas aqui reside um dos dramas deste processo.

Quem, na verdade, representa este movimento? Quem pode ser parceiro fiável do Governo na resolução da crise?

Como se viu depois da manifestação de Março, os sindicatos assinaram com o Governo um acordo que não estão a cumprir porque as reivindicações dos professores os ultrapassaram. Esta é uma luta original igualmente por esse facto: talvez pela primeira vez em Portugal, são os sindicatos quem corre a enquadrar um movimento espontâneo dos trabalhadores de um determinado sector.

Este facto, no entanto, levanta o tal problema de representatividade. Se o acordo não resolveu a questão de fundo e a avaliação continua a merecer o repúdio maioritário dos professores, quem são as partes e como se encontram? Que têm os sindicatos, desta vez, para oferecer a ambos os lados na vista de uma solução - e quererão mesmo encontrá-la?

4 . Maria de Lurdes Rodrigues, por muito que desagrade a alguns professores reconhecê-lo, tem produzido trabalho à frente do ministério. É pena que se tenha deixado barricar, sem necessidade, neste preciso modelo de avaliação, cujo repúdio faz a união dos professores.

Depois de ter liderado o reconhecimento do essencial - que quem ensina deve ter um sistema que classifique, distinga e guie a progressão na carreira -, deverá igualmente entender que está a pedir mais do que aquilo que os professores podem dar nesta fase.

Chegados a este ponto, a estratégia dos pequenos passos, seguros e simples, tem de ser a marca condutora da introdução da avaliação. Haverá tempo para refinar o processo, depois de os professores se sentirem confortáveis e perceberem o que tem a ganhar com ele.

Todos os agentes deste conflito, sem excepção, precisam de assumir as respectivas responsabilidades e reconhecer o essencial: é necessário promover a qualidade do ensino e tirar os ovos das mãos dos alunos e devolver a paz às escolas.

A ministra daria um bom exemplo se descesse ao terreno e voltasse a negociar".

João Marcelino
Director do DN

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