"Para Passos Coelho, a Educação é uma
inevitabilidade, que não uma necessidade. Ao mesmo tempo que a OCDE nos arruma
na cauda dos países com maiores desigualdades sociais, lembrando-nos que só o
investimento precoce nas pessoas promove o desenvolvimento das sociedades,
Passos Coelho encarregou Crato de recuperar o horizonte de Salazar e de a
reduzir a uma lógica melhorada do aprender a ler, escrever e contar. Sob a visão
estreita de ambos, estamos hoje com a mais baixa taxa de esforço do país em 37
anos de democracia. É significativo o facto de, em seis páginas e meia de
entrevista recentemente concedida a este jornal, Passos Coelho (e, diga-se
também, a entrevistadora) terem remetido a Educação para a expressão das suas
sensibilidades: o zero absoluto.
Com o passar do tempo e o confronto com as
medidas tomadas, clarifica-se o conteúdo ideológico de Passos Coelho e a sua
intenção política de desarticular o Estado e entregar à plutocracia o que resta.
Os exemplos abundam e são diários. Uns, financeiramente irrelevantes, esmagam
moralmente. É o caso do ministro da Economia, que veio voluntariamente para
Lisboa mas obteve um subsídio de renda de casa. É legal, mas é imoral. Porque
ele próprio censurou e acabou com a possibilidade dos velhos viajarem em
comboios vazios, pagando apenas metade do bilhete. Porque os funcionários
públicos deslocados para trabalharem no país e os mais de 300 mil emigrantes
forçados, recentes, não o têm. Porque para viver bem melhor que os mais de 700
mil desempregados, cujo sofrimento deveria combater com medidas que não toma,
não precisa desse subsídio. Porque colegas do Governo, confrontados com a ética
mínima, renunciaram a ele. É o caso do ministro, ainda por cima da
solidariedade, que foi tomar posse de vespa mas exerce de Audi, de 84 mil euros.
E que tem a pouca vergonha de dizer que nada podia fazer, porque o respectivo
contrato vinha de trás, bloqueado. São os casos das prebendas crescentes, que
recompensam fidelidades servis. Outros, financeiramente gigantes, como o que se
segue, passam de fininho por uma opinião pública pouco esclarecida.
Cerca de seis mil milhões de euros serão
transferidos dos fundos de pensões da banca para o Estado. Da forma como Passos
Coelho referiu publicamente a operação direi, com generosidade, para não lhe
chamar mentiroso, com propriedade, que os portugueses foram enganados. Com
aquele jeito de bom escuteiro, Passos Coelho afirmou que uma parte dos activos
transferidos será usada para pagar as reformas dos bancários, no curto prazo,
outra utilizada para capitalizar reservas que as garantam, no futuro, e a
terceira, que denominou de excedente, de dois mil milhões de euros, saldará
dívidas públicas. Se Passos Coelho falasse verdade, o Estado teria feito um
excelente negócio. Mas não falou. Vejamos então a história, despida de
manipulação. Não é possível determinar, com rigor, em quanto importa a
responsabilidade em análise. Para lá chegar, usam-se modelos de previsão,
assentes em pressupostos. Os modelos são falíveis e a história recente das
parcerias entre o Estado e os privados mostra como os pressupostos, por norma
aceites, são leoninos contra o Estado. Voltou a ser o caso presente. Com a
informação disponível, quatro mil milhões de euros (os seis transferidos menos
os dois que Passos retira para pagar dividas) são claramente insuficientes para
dar sustentabilidade futura à operação. Com efeito, a avaliação actuarial feita
terá aceitado a tábua de mortalidade e a taxa de desconto mais desfavoráveis aos
interesses do Estado (a avaliação actuarial visa determinar riscos e
expectativas, na área dos seguros de vida e fundos de pensões; a tábua de
mortalidade permite prever o número de anos em que a pensão será paga; a taxa de
desconto relaciona o valor dos fundos a transferir, no momento em que são
calculados, com o valor estimado das responsabilidades futuras, sendo certo que
quanto mais elevada for a taxa aceite, mais baixo será o valor dos activos a
transferir). Assim, este negócio foi, como tem sido a regra, excelente para a
banca e ruinoso para o Estado. Os encargos de que os bancos se libertaram
significariam responsabilidades futuras muito mais volumosas que os 6 mil
milhões que agora cederam (é só seguir estudos internacionais disponíveis e os
indicadores adoptados por outros países, que fica reduzida a pó a credibilidade
da palavra de Passos Coelho). Gastar já um terço desse pecúlio insuficiente,
como se fosse uma receita excedente, além de tremenda irresponsabilidade,
patenteia a desonestidade política de quem sempre censurou os comportamentos
idênticos do Governo anterior. No futuro, pagarão os contribuintes, por via de
mais espoliação despudorada, ou os bancários, por via da diminuição das suas
reformas. E quando, lá para Fevereiro de 2012, os milhões forem pagos aos
credores do Estado, estes correrão a entregá-los aos seus próprios credores,
isto é, à banca. Ficará então fechado o ciclo da plutocracia dominante.
Passos Coelho ainda não entendeu que a sua
estrita visão contabilística poderá proteger o país do aguaceiro do presente,
mas vai deixá-lo bem mais vulnerável à tempestade do futuro. Nem a escola onde
estudou nem a curta experiência de gestão que teve lhe ensinaram que há uma
diferença entre o importante e o urgente. Centrou-se no imediato. Abriu-se à
plutocracia. É um utilitarista irracional. E não só nos empurra para a penúria,
como afirma que esse é o nosso futuro. Se o regime não estivesse podre e a
sociedade abúlica, o seu provir seria curto".
Santana Castilho
Público
Sem comentários:
Enviar um comentário