1. Depois de rios de tinta corridos sobre a Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades e de tudo dito sobre a ignomínia que representa, noticiou a comunicação social que a UGT havia proposto ao Governo negociações e que, na sequência dessa iniciativa, o MEC decidira dela dispensar os professores contratados com mais de cinco anos de serviço. Porém, o Aviso n.º 14.962-A/2013, publicado a 5 de Dezembro, veio dizer que não havia ninguém automaticamente dispensado. Apenas os professores naquelas condições, que informassem o MEC de que não pretendiam realizar a prova, o seriam. Mais vexame, mais burocracia, mais trapalhada. Sim, trapalhada. Porque um aviso não constitui sede legal suficiente para operacionalizar esta decisão arbitrária. Por outro lado, sobraram de imediato perguntas, que só o ministro trapalhão não alcançou: sem fundamento legal, como “informariam” o MEC aqueles que o viessem a fazer? Se outros, com menos anos de serviço, resolvessem igualmente “informar”, com que fundamento legal lhes responderia Crato? Remetê-los-ia para um qualquer recorte de jornal? Para o entendimento com a UGT? Com base em que normativo teriam os eventuais dispensados a garantia de poderem concorrer a lugares de docência, futuramente? E como seriam contados os cinco anos de serviço? Valeria, por exemplo, o eventual desempenho nos ensinos superior ou particular?
Escrevo este artigo na véspera da realização da prova e na véspera da greve decretada por alguns sindicatos, para impedir que ela venha a consumar-se. No dia em que este artigo for dado à estampa, os professores, particularmente os do quadro, terão nas suas mãos uma oportunidade de derrotar o ministro e uma oportunidade de dizer ao país que não há professores de primeira e professores de segunda, mas, tão-só, professores. Terão a oportunidade de dizer não a uma vergonhosa monstruosidade para segregar ilegalmente do exercício da actividade docente cidadãos legalmente habilitados, porque detentores de uma licença e de um título profissionais, obtidos e regulados pelo regime jurídico da habilitação profissional para a docência na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário (DL n.º 43/2007) e sindicados pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (DL n.º 369/2007). Se o não fizerem, a culpa será nossa e só nossa. Nossa, como classe. Porque a questão abalroa a dignidade e a seriedade de uma profissão.
2. Como repetidas vezes aqui tenho escrito, sou reservado quanto ao significado das conclusões do PISA. Mas no quadro de relativização e de prudência com que o leio, não cabe a desonestidade intelectual que Nuno Crato manifestou quando, depois de uma semana de ensurdecedor silêncio, falou finalmente dos resultados de Portugal. De forma enviesada e escandalosamente contrastante com os tempos em que tinha o PISA como o indicador máximo da qualidade do sistema de ensino, Nuno Crato desvalorizou o que antes endeusava. Porque os nossos resultados derrotam a credibilidade de tudo o que tem dito. Porque os resultados de outros, que servem de modelo à sua política de desastre e de reconfiguração das responsabilidades do Estado, caíram na proporção inversa do nosso progresso. Com efeito, a Suécia, abundantemente referida como exemplo por via da propalada “livre escolha” e do cheque-ensino, foi ultrapassada por Portugal nas três áreas de referência (matemática, leitura e ciências). Sem que possamos atribuir a uma só causa o desaire sueco, a verdade é que, depois da reforma que Crato está a copiar, a Suécia caiu 20 posições na leitura, 14 na matemática e 17 nas ciências.
3. Penso que apenas duas vezes estive, pessoalmente, com Nuno Crato. Uma porque fomos co-apresentadores de um livro de Gabriel Mithá Ribeiro. Outra porque me convidou para uma sessão que organizou com o seu ídolo Eric Hanushek, no Tagus Park. Pouco se lhe conhece sobre ideias publicadas em matéria de Educação. No livro que lhe deu fama, citou-me. Mas foi precisamente esse livro que me mostrou a ignorância atrevida de Crato. Porque expõe a tendência precoce do autor para falar do que não conhece e ceder facilmente a preconceitos ideológicos, manhosamente apresentados como certezas. E daí para cá, tenho-me ocupado a procurar uma razão para a incoerência, para a tergiversação, para o retrocesso. A prova, o PISA e Almada Negreiros explicam: manhosice. Manhosice sem réstia de sofisticação. Porque quanto mais degradar a imagem social dos professores e mais os dividir, mais fácil será transferir milhões do público para o privado. Se não o entendermos, a culpa será nossa e só nossa.
Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)
Sem comentários:
Enviar um comentário