terça-feira, julho 11, 2006

Da escola ao desemprego

"Há 30 ou 40 anos, a questão que se levantava a quem tinha acabado o liceu era "como é que eu vou conseguir entrar na universidade?". A pergunta que hoje se põe a quem termina o secundário é "o que é que eu vou fazer quando sair da universidade?".
Que a alteração é substantiva já todos se deram conta. Talvez valha a pena pensar é nas causas da mudança. E o que mudou? Tudo! Há 30 ou 40 anos, a oferta era pouca e, como tal, a selecção dos candidatos, muito rigorosa. Apenas uma minoria conseguia os seus objectivos - entrada na universidade - e o mais grave é que os critérios de selecção nem sempre eram os de mérito, do empenho e da competência; também se ponderavam critérios como o estrato social, a confissão política ou religiosa e sempre o critério financeiro. Hoje a oferta é muito superior à procura, logo a selecção deu lugar à angariação. Apregoam-se cursos como quem vende castanhas, publicitam-se universidades, politécnicos e institutos superiores ao melhor estilo de uma qualquer imobiliária. O critério de admissão que hoje se pratica em muitas instituições (sobretudo no ensino superior privado e cooperativo), é único: "critério financeiro". Por hoje, mais fácil do que entrar numa qualquer universidade, só me lembro de como se entrava para a tropa no tempo da Guerra Colonial: serviam todos!
Daqui decorre que se acusa o regime, de há 30 ou 40 anos, de ser elitista e injusto. Estou de acordo! Mas...e agora? Será que deixou de ser elitista, burguês, injusto e até antidemocrático? Penso que não! Mas que tem perdido qualidade e com isso credibilidade, disso não tenho dúvidas. lembram-se daqueles quatro anos em que os professores nos obrigaram a saber a tabuada, a não dar erros de ortográficos, a saber na ponta da língua todas as dinastias (incluindo os cognomes dos soberanos) e a conseguir redigir sobre um tema proposto? Não se fazia então (com crianças de 9 /10 anos)um exame da 4ª classe, um exame de admissão ao liceu e outro exame de admissão à escola técnica? Tudo no espaço de um mês? E alguém morreu por causa desses excessos hediondos? Penso que não.
Mas afinal o que é que se obtinha com todo esse esforço? Muita coisa, respondo eu. Sentido de responsabilidade e noção do dever; disciplina e perseverança; cultura geral e capacidade de raciocínio. Salvo raras e não muito honrosas excepções, passavam os bons, continuavam os estudos os melhores e mais aplicados, entravam na universidade os mais aptos. Em conclusão, hoje o que temos? Os adolescentes, sem bases académicas minimamente aceitáveis, fogem da Matemática, evitam o Português, recusam a Geografia e renegam a História. Não pensam desde logo num curso como uma ferramenta de futuro, mas sim como um reurso cómodo para prolongarem uma adolescência errante. Em muitos casos, a universidade e o ensino superior funcionam tão só como um paliativo que retarda a chegada ao desemprego, tantas e tantas vezes antecâmera do submundo.
Culpa desta geração que já muitos apelidaram de "rasca"? Sim, mas não só! Creio eu que mais do que uma geração "rasca" esta é uma geração "à rasca" e aí parte da responsabilidade é nossa. As sucessivas políticas de fuga para a frente e de facilitismo que os Governos nos têm impingido em nome de uma qualquer pseudo democratização do ensino degeneraram no descalabro que hoje claramente todos reconhecemos e poucos admitem.
E se é verdade que há 30 ou 40 anos o simples facto de ter um "canudo" era só por si um factor de diferenciação, que regra geral conduzia a uma vida estável, tal facto tem uma explicação: o mercado reconhecia nesses indivíduos aptidões e competências seguras, pelo que os absorvia sem grande dificuldade. Hoje, fruto dos interesses estatísticos que uma construção europeia alicerçada em enormes discrepâncias e assimetrias (culturais, sociais e económicas) ditam, assistimos a uma massificação não qualificada do ensino superior. e ao mercado não se mente já que ele se apercebe destes factos. E é aqui que esbarramoscom o problema que parece paradoxal: Portugal tem das maisbaixas taxas de licenciados da Europa (já nem falamos de graus académicos superiores) e ainda assim cresce assustadoramente o desemprego nas camadas dos jovens licenciados.
O que poderá então justificar este facto? Erros e mais erros, cometidos de forma aviltante por quem nunca teve a coragem de assumir que os problemas do ensino são de natureza conjuntural e estrutural profundas e que não se compadecem com reformas sectoriais, concebidas para apresentar resultados dentro de um qualquer ciclo político. O ensino, é antes de mais, um processo contínuo, alicerçado numa aprendizagem constante que nos deve acompanhar ao longo de uma vida. Alterar as regras a meio do jogo não ajuda, só confunde e prejudica.
Assuma-se com pragmatismo que será necessária uma geração para garantir uma mudança de qualidade, integrada e sustentada de todo o sistema de ensino em Portugal. Discuta-se o tema, chegue-se a uma conclusão (consensual ou simplesmente maioritária) e depois implementem-se as reformas necessárias. Criem-se as condições de base e depois sim, depois discuta-se a implementação de um qualquer tratado de Bolonha. mas só quando estivermos aptos. Não vale a pena continuarmos a enganar por mais tempo e a hipotecar ingloriamente o futuro de mais gerações."


Carlos Roda

Professor Universitário

1 comentário:

Anónimo disse...

Where did you find it? Interesting read » » »