"Face ao estado novo a que isto chegou, acho que devemos todos agradecer reverencialmente à Senhora Secretária de Estado o permitir-nos dizer mal do governo dentro de casa. Considero, no entanto, que se deveria precisar melhor a coisa. Cá por coisas. Assim, deveria ficar bem regulamentado (por portaria ou coisa do género) aquilo que se poderia dizer do governo, em cada casa, e como. Isto porque o meu vizinho fez ontem uma festa com umas 20 pessoas (sem contar a sogra, que se babava ressonando no sofá, e algumas crianças e adolescentes) e, de varanda para varanda, eu ouvi 24 vozes de adulto, todas diferentes, a dizer alto e a bom som: "cambada de ditadorezinhos que nos governa" (o que indicia, Senhora Secretária de Estado, que poderá lá ter estado, também, o Fernando Pereira. Mande investigar).
Ora se se me afigura legítimo que cada um diga mal deste governo em sua casa, já não me parece próprio da democracia e da liberdade socialista actuais que as pessoas possam andar a dizer mal do governo em casa de uns e de outros, ou de casa em casa. Alguns dos convidados do meu vizinho nem eram desta freguesia nem sequer do concelho! Cada um que vá dizer mal do governo para a sua freguesia!
O que seria da liberdade socialista se as pessoas pudessem andar de freguesia em freguesia, de concelho em concelho, de distrito em distrito a dizer mal do governo? - seria seguramente um corrupio inacreditável de migrações, o caos nas estradas, a alegria das transportadoras. Naaaa, isto não pode ser permitido. Nunca por um governo socialista.
As pessoas podem dizer mal do governo, sim senhor, estamos num país livre, mas só se for dentro das suas próprias casas, devidamente registadas em seu nome na CRP respectiva, apresentando (caso as autoridades ou qualquer vizinho bufo batam à porta a exigir) a dita certidão e a de nascimento actualizadas, bem como a permissão para falar mal do governo, emitida pelo Presidente da Junta de Freguesia, com selo branco, e actualizada anualmente. Originais.
Os convidados não poderiam falar mal do governo nas casas a que fossem, com excepção dos que vivessem no mesmo condomínio ou num raio de 100 metros, mas desde que estivessem munidos de toda a documentação atrás referida. Isto é o que eu julgo que deve ser feito. Já inquilinos não poderiam falar mal do governo porque, em bom rigor, nunca estão nas suas casas. Os proprietários de diversas casas teriam de indicar, anualmente, aquela em que pretenderiam dizer mal do governo. E não poderiam alterar a declaração a não ser no ano seguinte. Assim evitar-se-ia que dissessem mal do governo nas suas casas de fim-de-semana ou nas de férias. Em férias, naturalmente, a maioria da população ficaria impedida de falar mal do governo, o que tornaria o AllGarve uma imensa área onde não se comentaria o génio do Ministro Pinho. Não esquecer determinar-se para os prevaricadores a instauração de processos de contra-ordenação (criminais não seria pior mas o governo de V. Exa. gosta de carregar nas coimas).
Pertinente também tratar da questão das zonas comuns. Deverá poder falar-se mal do governo nas zonas comuns? Pergunto porque o último convidado do meu vizinho a sair, ainda no corredor, perto da minha entrada, vociferou contra todas as progenitoras de todos os membros do governo, desde lá de cima até aos chefes de gabinete e assessores de imprensa. "Principalmente esses", berrava ele com a lucidez do bom vinho. Isto enquanto a pobre da mulher o mandava calar ou falar baixinho; "não estamos na DREN, a dride já acabou", clamava o homem um pouco confuso, "não sou o Charrua". Ora eu não estou para ouvir estas indignidades sobre o nosso digníssimo governo ou sobre as direcções regionais do que quer que seja. Devia estabelecer-se que nas zonas comuns não se poderia dizer mal do governo. Já agora, proibir também nos arrumos, arrecadações e mesmo nos lugares de garagem, ainda que pertencentes às respectivas fracções, para a criadagem não ficar a falar mal do governo quando vai lá baixo buscar batatas ou cebolas. Aproveite-se para alargar a proibição aos sótãos (nunca esqueçamos os ensinamentos da História) e durante os jogos de cartas, designadamente, sueca.
Evidentemente, junto às caixas registadoras das mercearias deveria igualmente ser proibido falar mal do governo. É por essas e outras que as pessoas se enervam e se enganam nos trocos, com prejuízos gravíssimos na economia nacional. Discretamente, dever-se-ia colocar um artiguinho no regulamento que atendesse a esta necessidade.
Não esquecer nunca as crianças. Isto é inconcebível! Em casa dos meus vizinhos estavam umas dez crianças entre os 8 e os 16 anos, todas ali a ouvir que eram governadas ora por uns ditadorezinhos, ora por uns ditadorezecos, ora por uns palermóides sem senso, onde é que isto vai parar? Em que lar nojento os filhos dos membros deste governo os irão meter? Acho que devia ser proibido falar mal deste governo, ainda que nas próprias casas, à frente de crianças. Só depois dos 18 anos. Talvez 21, não lhe parece melhor? Até lá elas não devem saber que este governo lhes anda a torrar o futuro, carregando-as de dívidas.
À frente dos velhos também não se devia poder dizer mal do governo. Os velhos já dizem, eles próprios, mal de tudo; se vão estar sempre a ouvir dizer mal do governo a vida deles transforma-se num inferno e queima o governo: vão começar a reclamar mais pelas pensões. Ora isto não pode ser que a malta precisa da massa para brincar com os comboios e os aviões. Onde se viu gastar com velhos quando há por aí tantos aeroportos novos para fazer, montanhas para deitar abaixo e a necessidade premente de reduzir em dez minutos a viagem ferroviária Lisboa/Porto? Eu sei que a sogra do vizinho não ouve nada, mas uma admoestaçãozinha pela manifestação (sim, Senhora Secretária de Estado, aquilo parecia uma manifestação à séria) que o meu vizinho promoveu era coisa que se justificava seguramente. Talvez umas chibatadas na praça, aos domingos de manhã.
Enfim, estas são apenas algumas ideias para a redacção do diploma. Eu oferecia-me para o redigir, mas V. Exa. tem seguramente no governo pessoas com muito maior capacidade e imaginação para o fazer. Força! Mãos à obra!".
Vasco Lobo Xavier
2 comentários:
Isto de falarem mal deste governo é apenas uma questão de má língua e de inveja. Os portugueses estão a revelar-se pobres (MUITO) e mal agradecidos. Agora, que têm um governo à altura, um governo que está a fazer reformas profundas, um governo que está a fazer desenvolver o país, a uma escala nunca vista, é que desatam a falar mal?
Tanta má língua perturba a REVOLUÇÃO iniciada por este governo! O desemprego diminui a olhos vistos, a segurança (sobretudo, no trabalho) está a aumentar, o PIB está a crescer acima da média europeia, a repartição da riqueza é mais equitativa (a maioria da população ganha muito mais), as pessoas têm melhor assistência médica e mais barata, a educação está direccionada para a excelência para haver mão-de-obra altamente QUALIFICADA, etc. e tal... Irra, mas qual é a necessidade de se falar mal deste governo?
Ainda bem que é um governo consciente do seu valor, constituído por verdadeiros democratas e que, por isso, faz ouvidos moucos!...
Eça de Queirós diz num dos seus textos que a risada é a melhor maneira para abater uma instituição. Ele sabia o que dizia, porque conheceu Portugal e os portugueses melhor que ninguém.
Ora, perante o estado a que tudo isto chegou e porque acredito nas palavras de Eça, a risota inspirada pelo ridículo há-de dar algum resultado. Já não vale a pena o lamento. Não. O ridículo chegou a tal ponto que só nos resta rir.
O pior que pode acontecer a qualquer ser humano é tornar-se ridículo.
Riam-se até mais não.
Enviar um comentário