domingo, novembro 18, 2007

Fantasiando

"Fantasiar - se é que o verbo existe - é divertido e não constitui crime. Por exemplo, a minha mãe, professora reformada do ensino básico, fantasia com a ministra da Educação. Calma. É um delírio simples, em que Maria de Lurdes Rodrigues acaba vítma de rapto e invariavelmente abadonada num dos grandes desertos do planeta. Em plena fantasia surge apena um pequeno temor: que a ministra, sem jamais perder aquela expressão de que uma Era Glacial está iminente, encontre um óasis. Ou ainda outro, quiçá mais improvável, de que o frio emanado por Maria de Lurdes acabe por congelar o Sahara.
Creio que não se podem levar a mal os professores porterem este tipo de sentimentos para com a titular da pasta. Não há nada que um professor mais estime do que um bom aluno. O prazer de ajudar alguém a crescer. Deve ser parecido com o que Camacho sente quando o Freddy Adu salva o Benfas.
E a verdade é que parecem estar a ser criadas cada vez mais condições para levar os bons alunos à extinção. Baixando as exigências, baixam os resultados. Usando mais uma analogia futebolística, é como se o treinador dissesse aos jogadores: não precisam de vir treinar. Apareçam só no domingo, para o jogo, ou então não - e tragam-me um atestado médico na segunda.
Desconfio que a insensibilidade revelada pela ministra está se calhar relacionada com a ausência de um professor emblemático no seu passado. Sim, brinquemos aos psicanalistas. Deite-se no divã, ó faz favor, sôtora. Temos uma hora. Conte-me tudo. Foi o papá ou a mamã? Quer experimentar hipnose regressiva? Costuma acordar a meio da noite com suores frios e uma manif da FENPROF na sala-de-estar?
O meu professor foi António de apelido Bulcão, uma reminiscência da palavra flamenga para "vulcão". Um açoreano ao quadrado, portanto. Advogado de formação, foi meu professor de Economia quando tinha 14 anos. Não aprendi nada sobre contas, a Bolsa ou as leis do mercado, mas nunca me esqueci das duas primeiras palavras que escreveu no quadro: "Jubiabá" e "Steinbeck".
Bulcão ensinou - ou melhor, incitou - uma pequena geração de adolescentes a ler, a escrever, a saber poesia de cor, a fazer teatro, a aprender música. Falta-me a última mas ainda não perdi a esperança. O professor Bulcão repetia-nos sempre que tinha demorado nove anos a concluir Direito mas não se arrependia de nenhum chumbo. Porque nesses anos "perdidos" tinha lido, escrito, seduzido, viajado, cantado, trabalhado noutras áreas e noutros sítios. Tudo aquilo que, sempre com apartes bem-humorados, nos inspirava igualmente a fazer. Perder um ano escolar não é necessariamente mau, péssimo é perder um ano das nossas vidas. Carpe Diem.
É por isso que este vosso escriba, acha que só tem 16 anos. Nasceu em 91, nas aulas em que a Economia servia só de pretexto quando começou a ler Jorge Amado e John Steinbeck, a escrever poemas para amarrotar; a subir a palcos escolares para cantar versos de Natália Correia musicados pelo professor ou a viver paixões assolapadas mais por raparigas e menos pelo Benfica.
Noestado actual da Educação em Portugal, temo que os alunos deixem de ter os seus professores emblemáticos. Uns porque nem sentem necessidade ou obrigação de ir às aulas e os resistentes porque, quando se sentam nas cadeiras, só vêem um professor desanimado à sua frente e um quadro sem quaisquer palavras misteriosas inscritas a giz.
Levante-se do divã, senhora ministra, o nosso tempo acabou...mas escute: e a sua vida, já começou?"

Luís Filipe Borges
"Sol"

1 comentário:

Anónimo disse...

Sim, a Vida deveria ser Vivida, mas, infelizmente, à esmagadora maioria das pessoas só é permitido que vão sobrevivendo... E a ministra foi muito bem escolhida, enquanto exemplo paradigmático, pelos que tentam impedir que os outros tenham direito a Viver!!!
Devemos ter sempre presente que quem comanda o destino da turba sabe da importância do papel da Escola na domesticação...