"De vez em quando, o meu pai contava episódios alusivos ao professor dele na
"primária", um sádico chamado Miranda que passava metade das aulas a impor aos
alunos uma disciplina militar e a metade restante a espancá-los sob divertidos
pretextos. Num dos episódios mais memoráveis, o meu pai e o meu avô encontraram
o emérito pedagogo na rua. Perante a criança aterrada, os adultos trocaram
conversa e cortesias. À despedi- da, o meu avô instruiu o professor: "Já sabe:
dê-lhe! Dê-lhe com força!" Trinta ou quarenta anos depois, mas só trinta ou
quarenta anos depois, o meu pai ria-se da completa redundância do conselho.
Hoje, semelhante brutalidade é vista como um anacronismo ou mesmo uma lenda:
nem os professores batem nos alunos nem os familiares destes incentivam aqueles
a fazê-lo. No ensino contemporâneo, compete aos alunos bater nos professores,
directamente ou por intermédio de familiares. É por isso que a notícia do
docente de matemática assistido no hospital de Vila Nova de Gaia mal chega a ser
notícia.
A história é simples. De manhã, o professor dispensou, e consta que empurrou,
uma menina da sala por esta insistir em ouvir música no telemóvel. À hora do
almoço, três ou quatro parentes da menina interpretaram à letra os recorrentes
apelos à participação dos progenitores no quotidiano das crianças e deixaram o
homem de 63 anos inconsciente mediante argumentos racionais, ameaças de morte,
socos e pontapés. O Ministério da Educação condenou "veementemente este tipo de
comportamentos". Estranhamente, ninguém perguntou a opinião ao ministro da
Administração Interna, o qual tutela as polícias, as quais deviam tutelar a
escola tolerante e moderna que erguemos sobre as ruínas da velha intolerância.
Haverá meio-termo? Espero que sim. Em não havendo, sobra uma certeza: o meu
pai foi criado no medo e acabou por levar uma vida, perdoem a expressão,
honrada. Seria interessante acompanhar o futuro da menina de Gaia criada na
impunidade. Acompanhar à distância, claro".
Alberto Gonçalves
DN
1 comentário:
a menina de Gaia uma ignorante no futuro ;as regras são essenciais no crescimento de qualquer criança.
diz-me com quem andas,dir-te-ei quem és.
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