"Vivemos um tempo em que a estabilidade da economia só é possível à custa da instabilidade dos trabalhadores, em que a sustentabilidade das políticas sociais exige a vulnerabilidade crescente dos cidadãos em caso de acidente, doença ou desemprego. Esta discrepância entre as necessidades do “sistema” e a vida das pessoas nunca foi tão disfarçada por conceitos que ora desprezam o que os cidadãos sempre prezaram ou ora prezam o que a grande maioria dos cidadãos não tem condições de prezar. Entre os primeiros, cito emprego estável, pensão segura e assistência médica gratuita. De repente, o que era antes prezado é agora demonizado: a estabilidade no emprego torna-se rigidez das relações laborais; as pensões transformam-se na metáfora da falência do Estado; o serviço nacional de saúde deixa de ser um benefício justo para ser um custo insuportável. Entre os conceitos agora prezados, menciono o da autonomia individual. Este conceito, promovido em abstracto para poder surtir os efeitos desejados pelo “sistema”, esconde, de facto, dois contextos muito distintos: os cidadãos para quem a autonomia individual é um fardo insuportável, que os deixa totalmente vulneráveis perante a adversidade do desemprego ou da doença, e que, em casos extremos, lhes dá opção de escolher entre os contentores de lixo do bairro rico ou pedir esmola nas portas do metro.
No domínio das relações laborais está a emergir uma variante de conceito de autonomia. Chama-se flexigurança. Trata-se de aplicar entre nós um modelo que tem sido adoptado com êxito num dos países com maior protecção social da Europa, a Dinamarca. Em teoria, trata-se de conferir mais flexibilidade às relações laborais sem pôr em causa a segurança do emprego e do rendimento dos trabalhadores. Na prática, vai aumentar a precarização dos contratos de trabalho num dos países na Europa onde, na prática, é já mais fácil despedir. Não vai haver segurança de rendimento, porque, enquanto o Estado providência da Dinamarca é um dos mais fortes da Europa, o nosso é o mais fraco; porque o subsídio de desemprego é baixo e termina antes que o novo emprego surja; porque o carácter semiperiférico da nossa economia e o pouco investimento em ciência e tecnologia vai levar a que as mudanças de emprego sejam, em geral, para piores, não para melhores, empregos; porque a percentagem dos trabalhadores portugueses que, apesar de trabalharem, estão abaixo do nível de pobreza, é já a mais alta da Europa; porque o factor de maior vulnerabilidade na vida dos trabalhadores, a doença, está a aumentar através da política de destruição do Serviço Nacional de Saúde levada a cabo pelo ministro da Saúde; porque os empresários portugueses sabem que dos acordos de concertação social só são “obrigados” a cumprir as cláusulas que lhes são favoráveis, deixando incumpridas todas as restantes como a cumplicidade do Estado. Enfim, com a flexigurança que, de facto, é uma flexinsegurança, os trabalhadores portugueses estarão, em teoria, muito próximos dos trabalhadores dinamarqueses, e, na prática, muito próximo dos trabalhadores indianos".
No domínio das relações laborais está a emergir uma variante de conceito de autonomia. Chama-se flexigurança. Trata-se de aplicar entre nós um modelo que tem sido adoptado com êxito num dos países com maior protecção social da Europa, a Dinamarca. Em teoria, trata-se de conferir mais flexibilidade às relações laborais sem pôr em causa a segurança do emprego e do rendimento dos trabalhadores. Na prática, vai aumentar a precarização dos contratos de trabalho num dos países na Europa onde, na prática, é já mais fácil despedir. Não vai haver segurança de rendimento, porque, enquanto o Estado providência da Dinamarca é um dos mais fortes da Europa, o nosso é o mais fraco; porque o subsídio de desemprego é baixo e termina antes que o novo emprego surja; porque o carácter semiperiférico da nossa economia e o pouco investimento em ciência e tecnologia vai levar a que as mudanças de emprego sejam, em geral, para piores, não para melhores, empregos; porque a percentagem dos trabalhadores portugueses que, apesar de trabalharem, estão abaixo do nível de pobreza, é já a mais alta da Europa; porque o factor de maior vulnerabilidade na vida dos trabalhadores, a doença, está a aumentar através da política de destruição do Serviço Nacional de Saúde levada a cabo pelo ministro da Saúde; porque os empresários portugueses sabem que dos acordos de concertação social só são “obrigados” a cumprir as cláusulas que lhes são favoráveis, deixando incumpridas todas as restantes como a cumplicidade do Estado. Enfim, com a flexigurança que, de facto, é uma flexinsegurança, os trabalhadores portugueses estarão, em teoria, muito próximos dos trabalhadores dinamarqueses, e, na prática, muito próximo dos trabalhadores indianos".
Boaventura de Sousa Santos
Revista "Visão"
1 comentário:
E como a insegurança acarreta instabilidade e a possível perda da paz social, as empresas dão de frosques e estamos a perder IDE, o que significa aumento do desemprego. E com o aumento do desemprego há um crescendo de insegurança...
Estamos bem tramados com estas araras que, à custa de nos atirarem para a boca das feras, apenas vão fazendo por se irem governando.
Só já cá falta o Nero!?...
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