"Que temos, dois meses depois? Pensões e salários violentamente tributados, dividendos e transferências para os offshores isentadas. Dez por cento do PIB nas mãos dos 25 mais ricos, cujo património aumentou 17,8 por cento. Impostos e mais impostos, que juraram não subir e de que se serviram para correr com o outro. Aumentos brutais do que é básico, da saúde aos transportes, passando pela electricidade e gás. Venda em saldo do BPN, sem direito sequer a saber os critérios da escolha da proposta mais barata, depois de todos nós termos subsidiado com 2.400 milhões de euros, pelo menos, vigaristas, donos e falsos depositantes. Afã para vender a água que beberemos no futuro. Quinhentas nomeações para a máquina do Estado, cuja obesidade reprovavam. Abolição da gravata. Espionagem barata com muito, mesmo muito, por esclarecer. Descoberta de um caixote de facturas não contabilizadas no esconso de um instituto em vias de fusão. Início da recuperação do TGV, antes esconjurado. Promessa de bandeirinhas nacionais em tudo o que se exporte. Um presidente que se entretém no Facebook, cobardia colectiva e mais uma peregrinação reverencial à Europa, que o primeiro-ministro inicia hoje. A tesouraria do Estado necessitou da troika. Mas o país dispensava o repetido discurso de gratidão subserviente de Pedro Passos Coelho. Aquilo a que ele chama ajuda é um negócio atípico. Atípico pelos juros invulgarmente altíssimos e atípico por o prestamista se imiscuir violentamente na vida do devedor, a ponto de ter tornado o Governo de um país com mais de 800 anos de história, outrora independente, num grémio administrativo de aplicação do acordo com a troika.
A marca mais impressiva de um Governo que fala de mudança sem a saber operar está na Educação. Quem gere hoje o ensino só se distingue do Governo anterior no estilo. Na essência da política não diverge. O desejo de implodir o ministério sucumbiu à evidente falta de ideias reformistas e à ditadura das circunstâncias e da inércia de sempre. Dois meses volvidos, a oportunidade perdida é irreversível.
Sobre a avaliação do desempenho dos professores, está tudo dito, seja no plano técnico, seja no político. Os resultados de 4 anos de teimosia são evidentes e resumem-se à destruição da coesão docente e do espírito cooperativo, que marca a essência de uma Escola. Passos Coelho chamou-lhe monstruosa e kafkiana e jurou que a suspenderia de imediato, se fosse Governo. Mas, afinal, a liturgia voltou. Os resultados serão desastrosos. Certo teria sido suspender o processo, como prometido, e condicioná-lo ao que de seguida abordo. Não o ter feito foi uma oportunidade perdida.
A Educação não é uma actividade mercantil. Mas a tarefa de lhe medir os resultados começou a ser contaminada pelo mercantilismo a que econometristas de sucesso e organizações internacionais preponderantes a passaram a submeter, a partir da década de 80. Uns foram na onda, outros não. Uns reflectiram, outros engoliram. Nós tragámos sofregamente. Era altura de arrepiar caminho. Um Governo preparado teria tomado três medidas imediatas: alterar o modelo de gestão das escolas, responsabilizando todos, pela via eleitoral, pelas escolhas feitas; assumir que a avaliação do desempenho dos professores é parte da avaliação do desempenho das escolas, dela indissociável, e que estes processos não são compagináveis com modelos universais, outrossim instrumentos de gestão de cada escola; reformar drasticamente a Inspecção-Geral da Educação, reorganizando-a por áreas científicas e alocando equipas de inspecção a grupos fixos de escolas. Não ter feito isto, imediatamente, foi uma tremenda oportunidade perdida.
Um Governo preparado, com estudo produzido durante seis anos de oposição, saberia como limpar o lixo administrativo e legislativo, que transformou os professores em escravizados burocratas de serviço. Nada ter acontecido neste campo, nestes dois meses, foi outra oportunidade perdida.
Um Governo competente teria anunciado imediatamente um concurso nacional de professores, para ser lançado no próximo ano, visando a correcção possível das injustiças gritantes dos últimos tempos, e teria apresentado já uma revisão do estatuto da carreira docente, que devolvesse aos professores a autonomia, a dignidade profissional e a independência científica e intelectual perdidas. Não o ter feito foi uma grande oportunidade perdida.
Um Governo seguro e com contas feitas já teria proposto a extinção da Parque Escolar, Empresa Pública, já teria decretado a suspensão de todo e qualquer tipo de novas iniciativas do Programa Novas Oportunidades e já teria tornado público o plano de corte na Educação dos 370 milhões de euros previstos no acordo com a troika. Não o ter feito foi uma grave oportunidade perdida.
Um Governo com alternativas teria já divulgado um exigente estatuto do Aluno, um coerente plano de outorga de verdadeira autonomia às escolas, incluindo a gestão de um currículo local, e teria, naturalmente, suspendido o inadequado processo de junção forçada de escolas. Não o ter feito foi uma irrecuperável oportunidade perdida.
Um Governo corajoso, tanto mais que tem o ensino não superior e o superior sob tutela do mesmo ministro, teria já anunciado uma intervenção séria e exigente no processo de formação inicial dos professores. Não o ter feito foi, ainda, uma oportunidade perdida.
O que citei é apenas parte do que seria necessário fazer. Não salvaria o Governo. Mas já o condena pela oportunidade perdida".
Público
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