"O ministro da Educação referiu a revisão da
estrutura curricular que concebeu como um primeiro passo de alterações mais
profundas, que ainda irão ser estudadas. Quando fixou horas de leccionação antes
de estabelecer metas e programas, errou. Agiu como um curioso. Mas a este erro
técnico, grave, acrescenta-se um erro político de base, bem maior: Passos Coelho
teve um discurso e um programa para a Educação até pouco tempo antes das
eleições. Era um todo coerente, servido por uma política que acomodava as
imposições financeiras da troika, a breve prazo, sem sacrificar uma via de
desenvolvimento estratégico, a médio e longo. Estava alicerçado em estudos
sólidos e fundamentados, financeiros e pedagógicos, e tinha uma visão política
de profunda mudança estrutural. Mentindo aos professores e mentindo ao país,
Passos Coelho abandonou esse programa e assumiu a Educação como mero adereço do
xadrez contabilístico em que se move. A montante das intervenções casuísticas
que têm sido feitas, os verdadeiros problemas jazem na paz dos anestesiados.
Vejamos um exemplo. Sabemos que, até agora, cerca de metade dos alunos que
terminam o 9º ano se “perdem” pelo caminho e não concluem o 12º. Mas este ano
vão chegar ao ensino secundário os primeiros a quem se aplica a escolaridade
obrigatória de 12 anos. Significa isso que duplicará o número daqueles que se
vão “arrastar”, algures, entre o 10º, 11º e 12º anos. Será um desastre nacional
manter coercivamente no sistema quem não quer estudar mais. Mas decretado o erro
pela Assembleia da República, a resposta de qualquer Governo responsável só
podia ser uma: reformar profundamente a estrutura curricular do secundário e,
sobretudo, criar um ensino profissional eficaz e moderno, em estreita
articulação com as empresas. Como o problema é grande, Nuno Crato puxou pela
cabeça e ficou-se pelo “fazer mais com menos”. Por seu lado, Passos Coelho
decidiu representar uma comédia de disfarces, aconselhando os professores a
emigrarem e dizendo ao país que diminuiu o número de alunos nas escolas. Só que
os dados estatísticos são tão úteis quanto perigosos. É frequente vê-los
invocados por ignorantes ou por manipuladores, que induzem em erro a opinião
pública. Urge pois parar este jogo de ilusões e desmentir os farsantes. O número
de alunos não diminuiu e a tendência é para que aumente. Vejamos alguns dados
objectivos, que sustentam a afirmação, para além do que acima referi.
1. O número é pouco expressivo e pontual. Mas
Paulo Jorge Nogueira e Ana Lisette Santos Oliveira, trabalhando dados do
Instituto Nacional de Estatística, revelaram que, em 2010, registaram-se em
Portugal mais 1931 nascimentos que no ano anterior (“Natalidade, Mortalidade
Infantil, Fetal e Perinatal. 2006/2010”. Direcção-Geral de Saúde, Dezembro de
2011)
2. Independentemente da validade dos métodos
usados e da qualidade dos resultados obtidos, é patente e expressiva nas
estatísticas educacionais a diminuição da taxa de abandono e saída precoce dos
estudantes do ensino básico. Sendo certo que a orientação desejável é que se
prossiga nesse esforço, é de admitir que o ganho de alunos para o sistema supere
a “natalidade negativa” (terminologia inadequada usada por Passos Coelho,
certamente para se referir ao saldo entre os que morrem e os que nascem, mesmo
assim escamoteando que, pelo menos até 2009, esse saldo foi anulado pelos
movimentos migratórios em direcção a Portugal).
3. É preciso muito cuidado quando se fala do
rácio professor – aluno. Estou cansado de ver a transposição pura e simples do
conceito contabilístico (que estabelece relações entre dois valores através do
coeficiente simples entre eles) para o campo da Educação, onde as coisas não são
assim lineares. Quantos professores estão ao serviço das estruturas
administrativas do próprio ministério, quantos executam tarefas que antes
pertenciam aos serviços das secretarias das escolas, quantos integram equipas de
apoio a alunos com necessidades educativas especiais, aos planos tecnológicos,
às bibliotecas escolares e a toda uma panóplia de missões a que não corresponde
qualquer ponderação quando o rácio é determinado? Quem escreve, cita e compara
dados com ligeireza, ignorando ou omitindo o contexto em que são colhidos e
desconhecendo por que não são comparáveis (como foi feito, por exemplo, por José
Manuel Fernandes, neste jornal, em 23.12.11), não ajuda a informar com rigor. Um
exemplo, para ilustrar do que falo: 200 mil alunos do ensino básico foram, no
ano transacto, sujeitos a planos de recuperação, sem que a circunstância tenha
provocado qualquer correcção na determinação do rácio.
4. As oficialíssimas últimas estatísticas do
Gabinete de Estatística e Planeamento da Educação (GEPE), referidas aos anos –
lectivos entre 2005/06 e 2008/09, mostram o que Passos Coelho desconhece:
chegaram ao sistema 303.526 novos alunos. Apesar da demografia menos favorável,
que motivou uma diminuição das matrículas no 1º ciclo do ensino básico,
verificou-se um substancial acréscimo dos alunos do secundário. Nos últimos anos
não houve, portanto, diminuição, antes aumento dos alunos. E nos próximos?
Dependerá das políticas seguidas. Se respeitarem o alargamento da escolaridade
como previsto, se quiserem combater o insucesso como necessário e se se
consolidar o empobrecimento galopante da classe média e consequente abandono dos
colégios, o número de alunos do sistema de ensino público aumentará.
Por razões diferentes, Passos Coelho e Nuno
Crato podem estar certos que estão errados".
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