"1. Comemora-se hoje o 25 de Abril. Foi há 38 anos. “O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Já não se crê na honestidade dos homens públicos. O povo está na miséria. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso. O tédio invadiu as almas. A ruína económica cresce. O comércio definha. A indústria enfraquece. O salário diminui. O Estado tem que ser considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo”. Estas frases corridas pertencem a Eça de Queirós e foram citadas por Paulo Neves da Silva, em livro editado pela Casa das Letras. A quem revê nelas o país em que hoje vive, pergunto: e não fazemos nada?
2. A evolução dos indicadores é oficial: desemprego em dramático crescimento, PIB em queda alarmante e execução orçamental do primeiro trimestre do ano muito longe do equilíbrio prometido. Dizem os farsolas do regime que não há tempo para resultarem as políticas de extermínio dos funcionários públicos, classe média e reformados. Asseveram que é preciso esperar. Aceita-se, naturalmente, que a falta de recursos traga os custos para a primeira linha das análises e que a eficiência preocupe a governação. Mas no binómio “recursos mobilizados- resultados obtidos”, gastar menos, obtendo piores resultados, mesmo que melhore a eficiência, é inaceitável. Cortar despesas de modo cego, mantendo intocáveis os grandes sugadores do país, é inaceitável. Em Washington, Vítor Gaspar teve o topete de declarar que as medidas de austeridade não afectaram os mais vulneráveis. E a propósito dos subsídios confiscados, o decoro mínimo não impediu Paula Teixeira da Cruz de desmentir o primeiro-ministro, que já tinha desmentido Vítor Gaspar. Como se a confiança no Estado aguentasse todas as diatribes. “Não podemos viver acima das nossas possibilidades” é uma frase batida dos farsolas do regime. A dívida pública e a dívida privada têm que ser pagas, recordam-nos. Aos funcionários públicos espoliados e aos que nunca viveram acima das suas possibilidades, pergunto: e não fazemos nada?
3. Na quarta-feira passada ouvi Nuno Crato na TVI 24. Afirmou que não há razões pedagógicas para dizer que 30 alunos por turma seja mau. Perante o esboço de contraditório do entrevistador, perguntou-lhe quantos alunos tinham as turmas no tempo dele. Esta conversa não é de ministro. É de farsola, que não distingue pedagogia de demagogia. No meu Alentejo e no meu tempo, não raro se encontravam à porta de uma ou outra casa, em dias de sol, dejectos humanos a secar. Eram de um doente com icterícia, que os tomaria posteriormente, secos, diluídos e devidamente coados. Pela ministerial lógica justificativa, bem pode Sua Excelência anotar a receita para os futuros netos. Garanto-lhe, glosando Américo Tomás, pensador do mesmo jeito, que os que não morriam salvavam-se! A dimensão das turmas tem óbvia implicação no aproveitamento e na disciplina. William Gerald Golding, Nobel da literatura em 1983, foi, durante 3 décadas, professor. Interrogado uma vez por um jornalista sobre o método que usava para ensinar, respondeu que com 10 alunos na sala de aula qualquer método servia, mas com 30 nenhum resultava. A resposta de Golding retorna à minha mente cada vez que surge um econometrista moderno a tentar convencer-me de que o tamanho das turmas não tem a ver com o sucesso das aprendizagens. Não nos iludamos com a profusão de estudos sobre a relevância das variáveis que condicionam as aprendizagens e, particularmente, com as correlações especulativas estabelecidas entre elas. Imaginemos que os resultados obtidos num sistema de ensino onde as turmas têm, em média, 35 alunos, são melhores que os obtidos por turmas de 20, de outro sistema. Alguma vez permite essa constatação concluir que o tamanho da turma não importa? Que aconteceria aos resultados do primeiro sistema se as turmas passassem de 35 para 20 alunos, no pressuposto de que tudo o mais não se alterava?
Poderíamos e deveríamos discutir se temos recursos financeiros para manter a actual dimensão máxima das turmas. E poderíamos concluir que não. Poderíamos e deveríamos discutir o peso e a hierarquia, em termos de resultados, das diferentes variáveis que condicionam as aprendizagens. E poderíamos concluir que, antes da dimensão das turmas, outras se impõem pelo seu impacto e relevância. Mas não afrontemos com pseudo razões pedagógicas a experiência comprovada da sala de aula, que torna evidente que a probabilidade de sucesso aumenta se cada professor tiver menos alunos com quem repartir esforços e atenção. Aos professores adormecidos pergunto: e não fazemos nada?"
Santana Castilho
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