"Um país que de há muito está "chumbado" em múltiplos aspectos, incluindo os
atinentes à sua própria sobrevivência, se quiser mesmo sair desse catastrófico
estado de coisas, não poderá deixar de aumentar a sua exigência em matéria de
aproveita- mento escolar. Isto é, não pode deixar de encarar os exames e o rigor
que lhes seja conexo como factores cada vez mais sérios do sistema e como
condições indispensáveis da construção de um futuro decente.
O "eduquês" de serviço ao longo de décadas e de vários espaços ideológicos
deu cabo da escola em Portugal. E agregaram-se-lhe a concepção da criança como
bom selvagem que devia ser deixada tanto quanto possível nesse estado natural de
brutidão, a impreparação de muitos professores, as teorias pedagógicas abstrusas
e coladas com cuspo na cabeça de muitos outros, as catadupas de faltas ao
serviço com atestado médico, as conspirações corporativas, o laxismo das
famílias, a evaporação de um sentido mínimo dos valores e das responsabilidades,
e tudo o mais que degenerou no presente estado de coisas. Se, em geral, o
crédito bancário era fácil, o consumismo desenfreado, a permissividade total, e
ninguém perdia tempo a pensar no dia seguinte, porque é que a escola havia de se
comportar diferentemente e de abandonar a lei do menor esforço?
O eufemismo dominante chama agora "retenções" àquilo a que antigamente se
chamava "reprovações" e, na gíria escolar, dava pelo nome de "chumbos". E, o que
é pior, começa a isolar-se a questão das "retenções" do contexto em que elas
ocorrem e a produzir argumentos viciados e viciosos contra uma maior exigência
escolar.
A Portugal, diz-se, afivelando umas visagens consternadas pelos relatórios da
OCDE, cabe a quarta maior percentagem de retenções nos países da organização. E
talvez por isso a OCDE, num dos seus já habituais acessos de idiotia
politicamente orientada, recomenda a eliminação gradual dessas perversidades,
segundo o Público de 15.04.2012. Não sei se alguém ainda se lembra da visita de
uma tal Déborah a Portugal, em tempos de governação socialista: não representava
a OCDE, mas por cá a manipulação oficial inculcava o contrário, e então tudo ou
quase tudo correspondia ao que a OCDE recomendava... Agora, das mesmas paragens
cor-de-rosa sopra a brisa patética de que a introdução de exames corresponde a
"uma visão pobre da educação".
Não percebo porque é que algumas almas tão acerbamente críticas não ficam
identicamente agoniadas por verificarem que Portugal está num dos últimos
lugares na escala de qualificações sérias e eficazes, no mesmo universo
considerado. Se estivesse num dos primeiros, seria realmente estranho que
houvesse tantas reprovações. Encontrando-se num dos últimos, seria normal que o
número de chumbos crescesse na razão inversa da percentagem das situações
positivas
Vê-se a mesma gente preocupada com o custo dos chumbos no orçamento das
escolas e a repercussão desse problema no orçamento do país. É certamente uma
questão que merece análise e procura de soluções, mas estas não passam por se
acabar com aqueles. Passam por um enquadramento mais exigente dos repetentes e
pelo aumento exponencial das aprovações fundamentadas.
O argumento, que parece ser o da OCDE, contra a diminuição dos chumbos a fim
de se entrar numa poupança significativa é inconsequente. Para quem pensa assim,
o futuro do país torna-se irrelevante. Poupar pela via da ignorância acumulada e
de uma inércia favorecida pelo sistema é certamente a forma mais estúpida e mais
cara de fazer economias.
O problema português, e não apenas na escola em qualquer dos seus níveis de
ensino, tem muito que ver com o dilema exigência ou não exigência. O Governo
sustenta, e muito bem, que o exame é parte integrante da educação, permite
concentrar e avaliar a aprendizagem, estabelecer metas e saber se elas são
atingidas, bem como identificar as fragilidades que possam ocorrer.
Na verdade, uma coisa é o custo dos chumbos no orçamento das escolas e outra
o peso das aprovações e das qualificações no futuro do país. Só é aceitável que
os chumbos diminuam por o aproveitamento escolar ser cada vez mais efectivo e
significativo. E para se chegar a esse objectivo é imperativo que haja mais
exames e que estes sejam feitos a sério".
Vasco Graça Moura
DN
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