sexta-feira, agosto 06, 2010

Soldadinhos do chumbo

"Os portugueses não são um povo de almocreves, desligados do mundo, limitados ao horizonte do seu casebre, horta e burro. Viajam, estudam, realizam-se, influenciam decisões externas. Não precisam de, em matérias educativas, ter um ministério iluminado, a indicar-lhes o caminho, invocando exemplos alheios, Sobretudo quando esse caminho é, por muita maquilhaegm que se aplique, o velho rumo para o abismo.
Nos vários colóquios internacionais sobre insucesso escolar, costumo ver listadas "10 razões" para o mesmo. Vão desde falta de competências na aprendizagem básica da língua e da aritmética a problemas familiares e sociais (incluindo, nalguns países, a fome real dos alunos), ausência de motivação, fobia do ensino ou consumo de substâncias perigosas.
Das experiências americanas às asiáticas, das alemãs às australianas, nunca vi propor, como solução, a diminuição do rigor, ou a eliminação das fronteiras entre o bom e o mau, o suficiente e o inaceitável.
Por outras palavras, nunca vi que o "chumbo" fosse diagnosticado como a causa dos males. Ele é, obviamente, uma consequência: a tradução da inadequação do aluno ao processo de aprendizagem, e a sua falta de aptidão numa matéria determinada.
Todos sentimos, ao longo da vida, que estávamos mais próximos, ou mais distantes, do controlo dos saberes. É precisamente essa noção de carência, ou suficiência, que nos obriga ou nos persuade a mudar, a melhorar, a ultrapassar as limitações.
Um Estado decente deve ter a educação de qualidade, de todos os seus membros, como prioridade. Um país iletrado produz políticos iletrados, e repetirá a iliteracia à náusea, chegando a chamar-lhe cultura.
Um Estado decente precisa de encontrar meios - humanos e materiais- para auxiliar alunos com problemas de saúde, de sociedade, de família, por forma a colocá-los no mesmo patamar de partida de todos os outros.
Um Estado decente não recua perante a necessidade de revisões, estudo acompanhado, avaliações informais, treino adaptado e ensino especial.
Um Estado decente - falo como pai, como filho, como antigo aluno, como antigo docente, como pessoa interessada na aprendizagem contínua - não tem medo das estatísticas. E não pode tombar no mecanismo infantil (ou "totalitário") de pensar que, mudando as palavras e eliminando os obstáculos burocráticos, adquire o "progresso".
O "chumbo" é um facto da vida, com que conviveram gerações de pessoas de sucesso. A distinção, a classificação, o prémio da excelênca, as notas, as avaliações deviam também continuar a ser fractos da vida.
O que não impede que se melhorem os métodos, se revejam os conteúdos, se modernizem as escolas, se qualifiquem os processos. Não queremos um ensino mais fácil. Devemos desejar um ensino onde o difícil pareça fácil, devido à preparaçaõ do que se abalança à grande aventura descoberta, que é também a odisseia do crescimento.
A alternativa é a desumanidade. Sem objectivos nem refrências, não se dirá então "fez-se um homem".
Antes: "Desfez-se o que poderia ser uma pessoa"."

Nuno Rogeiro
Sábado

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