1. Eles serão fortes enquanto formos fracos e a
indignação for só dalguns. Só pararão quando estivermos secos como os gregos e
apenas nos restar o coiro, esbulhado todo o cabelo. Nas últimas semanas, depois
do Instituto Nacional de Estatística e do Banco de Portugal terem “descoberto” o
que muitos sabiam há anos, a degradação da política expôs-se em crescendo. Dum
lado, reclama o PS contra o escândalo da Madeira. Do outro, grita o PSD que a
responsabilidade pelo buraco do continente é do PS. Os dois têm razão. Porque os
dois são culpados. Os notáveis do costume, alguns deles outorgantes da
impunidade que protege a política, emergiram do ruído pedindo leis que sancionem
os que gastam o que não está autorizado. Como se o problema fosse da lei, que
existe e é ignorada, e não fosse dessa espécie de amnistia perpétua que
decretaram. É, assim, fácil prever como terminará o inquérito que o
Procurador-Geral da República determinou. O destino dos mesmos é o de sempre:
sem o mínimo incómodo, muito menos de consciência, uns, eles, continuarão a
dizer aos outros, nós, cada vez mais sufocados, que temos que pagar o que (não)
gastámos.
Sobre a Madeira, um notável de Bruxelas mostrou
surpresa. Estava em Wroclaw, na Polónia, com todos os ministros das finanças da
Europa. Foram para decidir sobre a Grécia, que se afunda e arrastará com ela a
Europa e o euro. Não sei quanto gastaram, mas foi muito. Sei que decidiram coisa
nenhuma. Sobre a Madeira, outro notável, o presidente da nossa República, disse
com ar grave: “Ninguém está imune aos sacrifícios”. Estava nos Açores, onde teve
a oportunidade de apreciar o “sorriso das vacas” e verificar que “estavam
satisfeitíssimas, olhando para o pasto que começava a ficar verdejante”. Não sei
quanto gastou, mas não terá sido pouco. Disse-me Rita Brandão Guerra, deste
jornal, que Sua Excelência se fez acompanhar de 30 pessoas, 12 seguranças, dois
fotógrafos oficiais, médico e enfermeira pessoais, dois bagageiros e um mordomo
inclusos.
2. “O cratês em discurso directo” podia ser o
título desta crónica. Porque há uma prática evidente e um discurso, que emergem
sob a responsabilidade de Nuno Crato, eticamente deploráveis. A 14 de Setembro,
o Ministério da Educação e Ciência confirmou que as escolas só podiam contratar
professores ao mês, mesmo que o horário fosse para o ano inteiro.
Independentemente de ter emendado a mão, com justificações trapalhonas,
pressionado pelas reacções, o importante é ter posto a nu a seriedade que não
tem, a ética em que não se move e a facilidade com que calca a dignidade de uma
profissão. Que pretenderiam as mentes captas dos seus responsáveis? Não pagarem
Agosto? Interromperem o vínculo no Natal e na Páscoa? Aumentarem a competição
mercenária a que estão a reduzir a Escola? Isto não é fazer política. A isto
chama-se canibalizar a Educação.
3. O pudor mínimo mandaria que o
primeiro-ministro se recolhesse ao mosteiro do silêncio em matéria de avaliação
do desempenho dos professores. Não sabe do que fala, nem sabe que não sabe do
que fala. Mas falou. Falou para felicitar o Governo e destacar o rigor daquilo
que o dito fez. No dia seguinte, o rigor tornou-se público: a avaliação dos mais
de mil directores de agrupamentos e escolas é o primeiro paradigma da pantomina.
Segundo a bíblia da econometria pública, o Sistema Integrado de Avaliação de
Desempenho da Administração Pública, caberia aos directores regionais de
Educação avaliá-los e classificá-los. Só que esses foram todos apeados. E os
senhores que se seguem não cumprem o requisito legal de terem seis meses de
contacto funcional com os avaliados. O desleixo, a improvisação e o amadorismo
estão aqui. Mesmo que Passos Coelho os felicite.
4. Quem também falou foi a Secretária de Estado
do Ensino Básico e Secundário. Depois do que ouvi, em entrevista ao Correio da
Manhã, fiquei esclarecido, que não surpreendido. Move-se no desconhecido, a
Senhora. Foram constantes expressões como: “talvez”; “até pode ser”; “estamos a
equacionar”; “estamos a trabalhar no estudo”; “ainda está em fase de estudo”;
“ainda está a ser trabalhado”; “é nossa intenção fazer”; “é nossa intenção
introduzir”; “é nossa intenção universalizar”. Quando saiu deste registo
assertivo, esbarrou com a realidade. “Alargar o ensino pré-escolar a idades mais
precoces”? Se agora estamos nos três anos, propõe passar os partos para o
jardim-escola, para aproveitar o tempo? Menorizar a Educação Física? Escolarizar
a educação da infância? Lastimável!
5. Talvez seja uma simples coincidência, mas no
tempo de Maria de Lurdes Rodrigues o processo foi o mesmo: em momento
cirurgicamente escolhido, caiu na imprensa um número grande de faltas de
professores. O Diário de Notícias de 26 transacto noticiou 514 mil dias de
baixas médicas, de Outubro de 2010 a Janeiro de 2011. E apimentou o escrito com
a suspeição de fraude. Tirada a fraude, que deve ser investigada e castigada, se
confirmada, pensemos o facto sem palas. Relativizados os números e admitindo que
os dias se distribuíam uniformemente por todos os docentes, estaríamos a falar
de qualquer coisa que não chegaria a um dia (0.85) por mês, por professor. Mas
não distribuem: há baixas prolongadas (gravidezes de risco, baixas pós-parto,
doenças graves e assistência a filhos). E ainda há o período considerado, de
Inverno, em plena visita do vírus H5N1. Entre tantas, três perguntas mereciam
tratamento jornalístico: por que razão só agora foi tornado público algo que se
verificou há oito meses? Quantos dias trabalharão os professores portugueses
para além do seu horário de trabalho? Haverá relação causal entre as doenças dos
professores e as políticas educativas seguidas?
Santana Castilho
Santana Castilho
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