sábado, fevereiro 23, 2008

E a avaliação dos professores, para quê?!

"Onde fica a Europa de Sócrates? Qual é a substância da bazófia de Sócrates sobre o atraso nacional da avaliação de professores e do êxtase perante a modernidade europeia? A Europa onde os resultados dos alunos não servem directamente para avaliar os professores?
A Europa onde a avaliação dos professores cabe no quadro da avaliação global do sistema, dos políticos e das políticas, dos recursos e das administrações, das escolas e dos professores? Ou a Europa da multiplicidade de modelos e entidades envolvidas (inspectores, comités especiais de representação externa ou mista, conselhos de administração de centros educativos, sindicatos, consoante os países)?
Não. A Europa de Sócrates é a das coutadas. Centrada no umbigo das escolas, a avaliação de desempenho serve, por cá, para avaliar directamente os professores. Serve para avaliar uma das partes do sistema e para descartar de governantes e políticas a imensa responsabilidade pelos problemas do sistema de ensino.
E onde está o rigor de Sócrates, que o faz espumar na defesa das damas, avaliação e ministra?
Quaisquer análises formais sobre o modelo de avaliação de desempenho deixaram de ter seriedade a partir do concurso que fraccionou a carreira em duas, e pela mais simples das razões: os avaliadores não o são por serem melhores, nem mais qualificados, nem por terem mais habilitações académicas, nem melhores classificações profissionais, do que os seus avaliados. Podiam não ser melhores mas, ao menos, podia o ME apostar na sua formação. (feita a porcaria, vamos lá formar esta malta para avaliar os seus pares). Mas isto é assunto tabu.
Sendo a divisão artificial da carreira em duas a perversão de origem do sistema, ela é também a razão da profunda angústia de avaliadores e avaliados, quando gente séria. Porque há de tudo, e escolas com fichas prontinhas a consumir.
Não havendo exterioridade no sistema (excepto para os coordenadores de departamento), nem validação dos que avaliam, a coisa não passará de umas fichas e de um monte de rotinas burocráticas, feitas entre pares, e cujas amizades ou inimizades se traduzirão nos resultados finais.
E para onde vai o insucesso? Que é a questão que mais importa.
Os resultados escolares são, na maioria dos países europeus, indicadores de avaliação do sistema e não dos professores. Mas para o governo de Sócrates são elementos de avaliação directa de professores e o insucesso tornou-se higienicamente ameaçador. Quantos e quantas não começaram o ano com atmosferas criadas por conselhos executivos, que já se esqueceram que foram eleitos, a cultivar o medo do insucesso, a ameaça das consequências para a carreira?
Imagine-se, no entanto, que o ME entenda que a educação se reduz a produtos e que as classificações sejam os "produtos". Mesmo assim, nem ao diabo lembra que os professores sejam individualmente responsabilizados por realidades que os ultrapassam mas que o resultado final do seu trabalho esteja dependente da avaliação de realidades que também os ultrapassam.
Exemplos do insólito: como é que a avaliação individual de um professor ou professora pode estar refém do abandono escolar? Onde é que está inequivocamente salvaguardada a avaliação de resultados em contexto? Que culpa é que os professores de Biologia ou de História, por exemplo, têm que os exames nacionais tenham critérios tortuosos, arrastando altíssimas taxas de insucesso nas disciplinas? E para quê fazer registos da evolução, aluno a aluno, quando as quotas da excelência são determinadas pelo Ministério e pela avaliação externa das escolas?
As quotas, essa coisa de que ninguém poderá reclamar, serão determinadas pela avaliação externa das escolas e pelo ME. Ora, não só no quadro actual é muito difícil que a avaliação externa das escolas esteja pronta em 2009, como o funil já não precisa da qualidade dos avaliados para nada. E que culpa tem o desgraçado, que já foi responsabilizado pelo abandono escolar, pelo insucesso, por ter muitas turmas, por trabalhar em contextos desfavorecidos, pelo atraso da pátria e pela acidez da Ministra, que não haja uma quotazinha para o seu excelente desempenho?
A avaliação do sistema, incluindo professores, é coisa séria e devia ser rigorosa, transparente e exigente. Mas nada disto é sério. E tudo isto é apenas o que é: o triunfo da subjectividade, porque o que o professor escolhe, ao classificar, é o seu insucesso ou o seu sucesso; marginal às condições objectivas que urge mudar (programas, carga horária, formação de professores, condições nas escolas); guilhotina para a poupança de dinheiro e, sobretudo, a peça que faz falta no dominó de dependências e hierarquias em que o Estado pode fazer cada vez menos, porque fica com a cadeia de sargentos mais oleada".

Cecília Honório
http://www.esquerda.net

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