quinta-feira, fevereiro 28, 2008

A situação de revolta nas escolas

"No caso do ministro da Saúde, a contestação era maior na rua do que no interior do "sistema"; no caso da ministra da Educação é o contrário. A situação nos dois ministérios "reformistas" do governo Sócrates tinha por isso uma diferença fundamental e levou ao despedimento do ministro da Saúde e à manutenção da ministra da Educação. No entanto, com a deterioração acelerada da situação no interior das escolas, já estive mais seguro de que ninguém tocaria na ministra do que estou hoje.
Não é que o ministério da Educação não tenha simpatias do seu lado, e poderosas: muitas pessoas estão com a ministra, pais, autarcas, "povo", porque se revoltavam com a situação das escolas, por muitas e diferentes razões, mas unidas num único alvo, os professores. Os professores no seu conjunto eram tidos como os grandes responsáveis pelo que se passava nas escolas e embora houvesse outros alvos, o ministério, o laxismo, o "eduquês", os sindicatos, acabava sempre por sobrar para os professores. Os professores tinham uma óbvia responsabilidade por esta situação e tinham-se posto a jeito. Embora houvesse professores que individualmente expressassem o seu descontentamento com o "eduquês", o facilitismo, a falta de hierarquia de mérito entre os próprios professores, o absentismo, o desleixo e a má preparação de muitos profissionais, a ausência de avaliação digna desse nome, a sindicalização do ministério, não havia um sólido movimento de opinião entre os professores que exigisse reformas e isso permitiu a demonização dos professores enquanto classe profissional. Mas havia professores com estas preocupações e estes deveriam ser os aliados naturais de uma política de reformas como a que a ministra quis fazer. Só que não há, não há ninguém, é difícil encontrar alguém, em qualquer escola do país, que apoie a ministra, que é universalmente odiada pelos professores. Uso a palavra forte, "odiar", porque é raro encontrar algum responsável ministerial mais sózinho que a ministra da Educação e isso, por si só, mostra que alguma coisa falhou nas suas reformas, porque, por escassos que fossem, alguns aliados deveriam existir, 10%, 5% dos professores, 3 ou 2% para se conseguir ter sucesso.
Onde estão os erros? Um, de primeira responsabilidade de Sócrates, foi fazer reformas "contra", usar, para obter apoio popular fácil, o mecanismo de pôr juízes contra professores, professores contra médicos, pais contra os professores, cada classe ou grupo contra os "privilégios" dos outros, e o "povo" contra todos. É bom para as sondagens, é péssimo para fazer reformas. Esta linguagem agressiva das reformas "contra" os grupos profissionais também penetrou no ministério e, feito o mal, a seguir não é possível controlar os estragos. Depois, o ministério, que é uma burocracia que se comporta como burocracia, quis fazer tudo ao mesmo tempo, dispersou-se e desconcentrou-se, misturou coisas importantes com irrelevâncias, atirou para todo o lado, e, sem dar espaço às escolas e aos professores para se adaptarem a uma nova ecologia, logo surgia outra alteração e outra e outra. Muita coisa foi feita de forma incompetente, gerando injustiças flagrantes em processos muito delicados, criando divisões e hostilidade entre professores, despromovendo carreiras profissionais altamente qualificadas a favor de critérios apenas centrados no dar aulas, actuando de uma forma sentida como punitiva contra os professores. O ministério alienou os apoios dos melhores e mais dedicados professores e não conquistou o apoio de nenhuns outros.
A ministra bem pode mandar, como Jeová, os Anjos a Sodoma e Gomorra à procura de um justo, que não encontra ninguém. Pode-se dizer que isto acontece porque são mesmo verdadeiras reformas e atibgem o cerne do corporativismo dos professores, o que é em parte verdade, mas escapa à questão de fundo: muitas reformas foram mal conduzidas, mesmo quando tinham mérito de per si e o resultado pode apenas ser mais caos e esvanecer-se junto com a ministra.
Aanela de oportunidade está quase fechada, o tempo é escassíssimo, mas só uma pessoa pode ainda tentar salvar o que se pode salvar: a ministra da Educação. Não é "ceder" que se lhe pede, é que distinga o que é essencial do que é secundário e se concentre, concentre, concentre, no que é essencial e deite o resto pela borda fora. Já".

Pacheco Pereira
Sábado

4 comentários:

Anónimo disse...

Não se julgue que a contestação dos professores, dentro do sistema, existe: haverá declarações registadas em actas, haverá denúncias de incongruências e injustiças, haverá manifestações de dificuldades na implementação da justa e reflectida avaliação dos alunos por causa de todas estas ingerências legislativas absurdas e apressadas? Não me parece!
Tudo isto também deve ser feito em paralelo às manifestações de rua, para que não pareça que a calma rotina da escola se mantém!

Também me parece que, infelismente, muitos haverá dentro do sistema (incluindo conselhos executivos e outros tantos) que nada fazem para contestar, nem dentro do "sistema", nem nas ruas... até se apressam a cumprir normativos atabalhuados e apressados.

Anónimo disse...

Estes blogs são do conhecimento do ministério: enchamo-los de comentários, usemo-los para justamente contestar, juntemo-nos, também na escrita, para que se leia (claro que eles lêem, claro que sim!).

Aumentemos o nº de comentadores em outros tantos blogs (não multipliquemos os blogs), como por exemplo "A educação do meu umbigo", "Movimento dos professores revoltados", "A verdade acima de tudo", "O cantinho da educação", entre centenas deles...

(Obrigado bloguistas!)

Pata Negra disse...

Parabéns pela reflexão, concordo linha a linha! Discordo apenas do último parágrafo, a ministra e a sua equipa, neste momento só têm um caminho: a demissão!
Mesmo que se admitisse que a sua política estava certa - contrariando a tese habitual que de nada serve mudar ministros para continuar as mesmas política - no momento presente são já os rostos da ministra e dos seus secretários que estão a mais!
Cairá mas, se for depois do verão, o país terá já perdido uma parte do seu sistema educativo!

Um abraço e até dia 8

Anónimo disse...

Aqui está uma palavra de ordem que tem sentido desde há muitos anos:

Ministério da Educação / implosão.