terça-feira, maio 01, 2007

O ensino superior

"A recente polémica em torno das habilitações do Primeiro Ministro deverá ter pelo menos o condão de relançar a discussão sobre o ensino superior em Portugal.
Parece evidente que as coisas não podem continuar como estão e que se exige um esforço sério de depuração e realinhamento do sistema.
Existe hoje um número considerável de instituições de ensino superior, entre públicas e privadas, e uma maranha incontável e por vezes indiscernível de cursos e licenciaturas.
Às licenciaturas tradicionais, cuja epistemologia e corpus conceptual e doutrinário resultam inquestionavelmente consolidados pela sua perenidade no panteão dos estudos universitários, veio somar-se um conjunto de outros cursos que, daqueles visando diferenciar-se por mor da competitividade no sector, não correspondem verdadeiramente a novas áreas do saber, justificadamente credoras de tratamento autónomo, mas muitas vezes a meras declinações bastardas dos saberes tradicionais ou aos mesmos saberes travestidos com novas roupagens.
Non nova sed nove.
Não se nega a dinâmica do conhecimento nem se pretende evidentemente regressar ao medievo trivium ou quadrivium, mas tão só alertar para a sua excessiva proliferação e, em muitos casos, ausência de densificação doutrinária.
A massificação do ensino superior – um bem se apenas submetida ao crivo estatístico –acarretou a inevitável perda de qualidade, assacável de resto aos demais graus de ensino que, também por isso, não cumprem a sua função preparatória no acesso aos patamares de ensino que lhe sobrevêm.
A escola e o saber – embora quanto este a sua aquisição se não reconduza ao ensino meramente formal – devem ser acessíveis a todos no respeito pela mais escrupulosa igualdade de oportunidades, em particular no que toca à formação qualificante de base, verdadeiro viático para vida.
Não só para o exercício de uma profissão, forma costumeira e socialmente útil de a ganhar, mas como elemento fundamental da formação integral do homem e do cidadão.
O direito ao ensino é indissociável da obrigação de aprender e esta não resiste ao facilistismo excessivo, onde deveria pontuar a exigência e o rigor, nem a pseudo pedagogias lúdico-subversivas, pois o saber e a aprendizagem são sobretudo um caminho que nunca acaba e que exige disciplina, esforço e sacrifício.
Não espanta por isso que vá declinando a qualidade média das sucessivas gerações de alunos e docentes, pois que a excelência e a mediocridade, existindo hoje e sempre, vicejarão imunes à degenerescência geral, com elas porém se não bastando o progresso e o bem comum de uma sociedade e que repousam em boa medida nas aptidões médias dos seus cidadãos.
A corrida aos cursos superiores e a proliferação de estabelecimentos de ensino, que já de si levanta delicadas questões ao nível do equilíbrio geral do mercado de trabalho desfalcado das qualificações intermédias, provocou igualmente o incremento generalizado da busca dos graus académicos pós-licenciatura, conduzindo à sua vulgarização e, destarte, à perda do seu prestígio académico e social.
Os docentes, por seu turno, vêm sendo sucessivamente tolhidos no seu labor científico, presa de um conjunto de tarefas burocráticas e de gestão que extravasam em muito o seu escopo funcional, o que, além de atentar contra os seus direitos enquanto trabalhadores, constitui um inegável desperdício de recursos e inábil mecanismo de divisão do trabalho.
A bizarra e inconstitucional privação do direito ao subsídio de desemprego, pelo menos no que tange aos docentes do ensino superior público, reforçando a precariedade do vínculo laboral convida à dispersão e ao pluriemprego, diminuindo o sentimento de pertença à instituição académica indispensável a uma contribuição leal e dedicada.
O financiamento do ensino superior público tem sido por outro lado objecto de sucessivos cortes.
A subvenção pública às universidades em função do número de alunos – solução fácil e cómoda sob o manto insuspeito da objectividade – remete ao olvido questões essenciais destinadas a garantir a sustentabilidade do sistema.
Um regime de propinas mais aproximado do custo real de funcionamento dos cursos, apoiando naturalmente através dos mecanismos da acção social escolar quem mereça e não possa suportá-las ou encontrando formas mais imaginativas de diferir o seu custo.
Um financiamento que atenda ainda às especificidades da gestão de cada universidade e que tenha em conta a qualidade relativa dos serviços prestados – avaliando e fiscalizando o funcionamento dos cursos e premiando os melhores desempenhos.
Um esforço sério de orientação vocacional dos alunos dos graus de ensino pré-universitário por forma a ajustar a oferta formativa à procura existente e às exigências do mundo do trabalho, respeitando-se porém, pelo menos no ensino superior público, a universalidade dos saberes, de todos os saberes, cuja preservação não pode ser funcionalizada nem andar a reboque dos meros ditames do mercado de trabalho.
Assim, respeitando a autonomia universitária e a liberdade de aprender e ensinar não se prive ainda o Estado de regular, controlar e fiscalizar adequadamente o sistema de ensino superior, público e privado, actuando doravante a tempo e com justeza.
Falhada a profilaxia que a cura se revele ao menos rápida e certeira".

Rui Pedroto
*Jurista/Gestor
"O Primeiro de Janeiro"

1 comentário:

Ana Manuela Gralheiro disse...

Defendo a Escola Pública!
Entristece-me o abandono a que a Escola Pública está votada!
A minha Escola se fosse Privada... fechava por ordem judicial... porquê??
A inspecção das condições de saúde e segurança feita há pouco tempo... dá como muito deficientes e perigosas as instalações da Escola...
Os laboratórios são improvisados em salas vulgares; as condições térmicas das salas de aula são angustiantes (mal faz um pouco de calor na rua... lá dentro parece um forno; mal faz um pouco de frio... lá dentro gela-se); as mesas dos alunos e as cadeiras há muito que deixararam de ter as medidas exigidas por lei (é que de há 20 anos para cá, a estatura média dos alunos tem aumentado...);
Não há ginásio, nem polivalente...!
A Educação Física faz-se apenas nos campos ao ar livre;
Os balneários há muito que deixaram de assegurar as condições de higiene exigidas por lei (azulejos???... Não!... Cimento!... Os bolores e as correntes de ar são constantes!);
Acessos para deficiente?... Nem pensar!
Enfim... a lista é interminável!
OUTRO EXEMPLO: A FACULDADE DE FARMÁCIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA: já visitaram os laboratórios???... MEUS DEUS... como é possível tanta falta de segurança naquelas instalações!
Mas na Universidade Lusófona... SIM! Os laboratórios são do melhor que já visitei... até na Europa!
Aqui está um bom exemplo!
Mas todos sabemos já... O ESTADO NÃO É PESSOA DE BEM, porque é o 1º a prevericar naquilo que ele próprio exige por Lei!
CONFUSO... não é!!!
UFFFF....!!!!