sexta-feira, abril 17, 2009

Educação Sexual d'Os filhos dos outros

"Os males da educação em Portugal já estão diagnosticados há muito tempo e a sua cura começa a pouco e pouco a ser do conhecimento público: escolas gratuitas e ampla autonomia na definição dos seus projectos educativos e na contratação dos seus professores; projecto educativo de cada escola com propostas claras em todas as matérias a leccionar e do conhecimento dos pais; liberdade de escolha da escola pelos pais de acordo com o projecto educativo mais adequado ao género de educação que querem para os filhos; igual apoio do Estado a todas as escolas, em função do número de alunos, ponderado por nível de ensino, características socioeconómicas das famílias, etc. Neste sentido, o debate em curso sobre o Projecto de Lei do PS, que estabelece o regime de educação sexual nas escolas, não reflecte nada de inteiramente novo; vem apenas mostrar com toda a transparência o facto já conhecido de que o sistema educativo carece da mais elementar liberdade de educação.
De qualquer modo, há um ou outro aspecto do debate que desperta a atenção dos mais atentos. Um desses aspectos é a desonestidade intelectual manifestada pelos defensores da lei. Se o argumento dos críticos do Projecto de Lei do PS faz o apelo à autonomia das escolas, há logo quem apareça a dizer que não se pode dar essa autonomia às escolas porque se abriria a porta à existência em Portugal de madraças islâmicas; se o argumento faz o apelo ao direito que os pais têm de escolher o género de educação dos filhos, há logo quem apareça a dizer que a educação sexual não é diferente da matemática e do português, e se os pais não têm o direito de impedir os filhos de aprender matemática e português, logo também não têm o direito de os subtrair à educação sexual; se o argumento denuncia o facto de uma maioria parlamentar, meramente circunstancial, estar a impor ditatorialmente uma moral particular a uma minoria, há logo quem apareça a dizer que a maioria tem todo o direito de impor essa moral particular, caso contrário não haveria forma de proibir a excisão feminina. Este género de contra-ataque é desonesto porque, à falta de argumentos capazes de responder com propriedade às preocupações legítimas dos críticos do Projecto de Lei, usa a mera forma como arma de arremesso e os exemplos extremos, completamente desadequados à realidade portuguesa, como arma retórica.
De facto, o que os defensores não querem dizer abertamente é que, sob a capa de uma preocupação legítima com a educação sexual das crianças e adolescentes portugueses, o Projecto de Lei procura efectivamente transformar e direccionar a mentalidade dos portugueses, mesmo daqueles que, à partida, recusam transformar a sua mentalidade e ser dirigidos por caminhos que desaprovam.
Para não tornar este post excessivamente longo, não vou elaborar sobre as razões que fazem com que a educação sexual não seja redutível a uma questão técnica (logo, não seja um problema que diga respeito apenas aos especialistas da área da saúde e muito menos aos governantes que administram a educação).
Não vou elaborar sobre as razões que fazem com que o facto de 3 + 4 = 7 e de “espontâneo” ser com “S” e não com “X” ser de uma ordem completamente distinta da escolha da contracepção ou da abstinência como meios mais adequados para a prevenção da gravidez na adolescência e das doenças sexualmente transmissíveis.
Não vou elaborar sobre as razões que podem levar os pais a estarem muitíssimo preocupados com o facto de o Projecto de Lei do PS prever o ensino das mesmas coisas e da mesma maneira a todas as crianças e adolescentes, independentemente da sua maturidade emocional, do à vontade que sentem ou não em discutir em público questões de índole sexual, do facto de serem rapazes ou raparigas – são evidentes as consequências gravíssimas que podem decorrer de uma educação sexual desproporcionada.
E não vou elaborar sobre a falta de oportunidade de os pais se verem na eminência de terem de desacreditar em casa o que o professor ensina aos filhos na escola e de terem o professor na escola a desacreditar os que os filhos aprendem em casa.
Independentemente da razoabilidade das questões que referi, reconheço que é muito raro encontrarmos uma pessoa que discorde que há muitas crianças e adolescentes para quem o estabelecimento de um regime de educação sexual nas escolas constitui a única forma de aproximação minimamente coerente aos problemas da sexualidade. Impedir que estas crianças e adolescentes tenham acesso à educação sexual seria uma forma de os privar da liberdade de poderem viver uma vida informada e adulta. Neste sentido, o estabelecimento de um regime de educação sexual nas escolas não pode ser simplesmente descartado.
Bem vistas as duas perspectivas, então, podemos concluir que estamos face a um conflito de liberdades, em que a ampliação da liberdade de alguns (o direito à informação minimamente coerente por parte de crianças e adolescentes com pais negligentes ou pouco preparados) tem o preço da restrição da liberdade de outros (o direito das crianças e adolescentes terem uma educação conforme aos desejos e escolhas dos pais que estão efectivamente preocupados com a educação dos filhos). Contudo, este conflito de liberdades não é uma fatalidade. É um conflito que pode ter uma solução de compromisso se o Legislador estiver verdadeiramente empenhado em encontrar uma solução para ele.
A solução ideal, que actualmente ainda não está à nossa disposição, já foi exposta por mim no primeiro parágrafo deste post. No contexto actual, dado que ainda não há uma efectiva liberdade de educação no sistema escolar português, a única solução de compromisso para o problema da educação sexual nas escolas, por forma a não se constituir como um acréscimo da liberdade de uns à custa da restrição da liberdade de outros, é a seguinte: proporcionar aos pais um conhecimento prévio dos conteúdos da educação sexual que vão ser ministrados aos seus filhos; informar os pais sobre quem são os professores que vão formar os seus filhos no domínio da sexualidade; nomear um responsável último pela educação sexual que os seus filhos têm na escola. Finalmente, nos casos em que os pais, com toda a informação transparente ao seu dispor, não estiverem de acordo com a forma como serão ministrados os conteúdos da educação sexual, que lhes seja reconhecido o direito de dispensarem a cooperação do Estado na educação dos seus filhos, ou seja, que lhes seja reconhecido o direito de recusarem a participação dos seus filhos nos momentos de formação que decorram do regime de educação sexual estabelecido pela lei.
Como facilmente se verifica, não são os críticos da educação sexual que estão cegos face à razoabilidade dos argumentos dos defensores da educação sexual nas escolas; muito pelo contrário, são os defensores do Projecto de Lei do PS que estão cegos face à razoabilidade dos argumentos dos críticos. As perguntas que têm de ser feitas são as seguintes: Porque razão não querem os defensores da educação sexual nas escolas conceder aos pais o direito e liberdade de decidirem sobre a oportunidade ou falta de oportunidade da educação sexual definida pela maioria parlamentar? Porque razão é que os defensores do regime de educação sexual previsto no Projecto de Lei do PS não se contentam com a aplicação da educação sexual a alunos que manifestamente dela necessitam e insistem na imposição da educação sexual a alunos cujos pais estão suficientemente preocupados com a educação dos filhos ao ponto de se manifestarem insistentemente contra o regime que agora é proposto?
Não é difícil de perceber que o que está realmente em causa no debate em curso sobre a educação sexual nas escolas não é a preocupação com as crianças e adolescentes que dela carecem mas antes a preocupação em revolucionar a mentalidade e herança cultural das crianças e jovens portugueses. E sobre este tema vale muito a pena ler o artigo que Francisco Vieira e Sousa escreveu no PÚBLICO de Sábado passado, 11 de Abril, onde justamente defende que o Projecto de Lei do PS constitui um caso gritante de "ditadura da maioria e de utilização do Estado para propagar uma dotrina moral particular""".

Nuno Lobo

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