domingo, janeiro 30, 2011

O sequestro das criancinhas

"Quando a dra. Isabel Alçada condenou que se manipulassem meninos e meninas para fins de propaganda e difusão de falsidades, julguei que a senhora ministra decidira trocar o cargo pela frontalidade e denunciar um estilo que, não sendo inédito, marcou os últimos tempos da Educação (digamos) em Portugal. Durante uns instantes, dei por mim a admirar intensamente a coragem da dra. Alçada e cheguei mesmo a esboçar uma ode em seu louvor. Depois li o resto da notícia e os versos foram para o lixo.

Afinal, a dra. Alçada apenas discorda do uso de alunos num protesto contra a redução das subvenções às escolas privadas ditas com contrato de associação. Não se opõe a que os mesmos alunos sejam, por exemplo, aparafusados diante do Magalhães e ensinados a jurar os méritos da geringonça na presença do primeiro-ministro e das câmaras televisivas. Quando o Governo se serve dos fedelhos, trata-se de divulgação de "boas práticas" (belíssima expressão). Quando são os pais a se servirem, trata-se de vil propaganda.

Embora suspeite que constituem uma alternativa, mais barata para o contribuinte, às limitações das escolas públicas "normais", não tenho opinião formada sobre as escolas de gestão privada com apoios públicos (ao que parece, os pais têm: preferem-nas). Mas a violenta diferença dos "cortes" que as segundas sofreram face às primeiras e a selectiva indignação da dra. Alçada traduzem algo mais decisivo: a verdadeira tutela das criancinhas.

Sempre empenhado em crescer, porque as clientelas o exigem e porque é esse o seu desígnio, o Estado decide as escolas em que as criancinhas devem "estudar", as manifestações em que as criancinhas devem participar, os alimentos que as criancinhas devem comer, as horas a que as criancinhas devem dormir e os modelos gerais de comportamento de acordo com os quais as criancinhas devem ser criadas. As criancinhas, em suma, pertencem ao Estado e não às famílias que, admita-se, ao longo de décadas assistiram indiferentes ou entusiasmadas ao sequestro e, em qualquer dos casos, pagaram-no. Eis a factura".

Alberto Gonçalves
DN

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