"O economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Olivier Blanchard, repetiu ontem a sua fórmula favorita para tirar Portugal da crise: o país tem de baixar salários para ser mais competitivo. A par de possíveis subidas de impostos e cortes nas pensões, o esmagamento salarial é encarado como uma das vias para impulsionar as exportações e limitar o endividamento recorde da economia. A proposta colhe pouco e sempre gerou muita polémica pois Portugal é, há vários anos, o país europeu com maior peso dos salários na riqueza produzida.
De acordo com dados da Comissão Europeia, os salários pagos (despesa dos empregadores com trabalhadores) representaram em média na última década 72% do produto interno bruto, o nível mais elevado da Europa. Isto acontece pois a economia assenta em actividades pouco sofisticadas e produtivas, intensivas em mão-de-obra menos qualificada.
Vários economistas dizem que existem outros factores que complicam a passagem à prática de tal medida: a desigualdade salarial é elevada, os níveis de precariedade também e há pouco consenso político para a levar a cabo. O preço a pagar? Pode ser caro, dizem alguns. No limite, Portugal - que há muitos anos gasta mais do que produz e vai preenchendo esse buraco com mais endividamento - pode entrar em bancarrota e ter de sair do euro.
Há vários anos que Blanchard, economista do Massachusetts Institute of Technology (MIT), segue de perto a economia portuguesa. Em 2006 publicou o artigo "Ajustamento ao euro. O difícil caso de Portugal", no qual sugeria que a economia teria de abraçar uma redução salarial nominal significativa (sem contar com a inflação) e que esta deveria ir até aos 10% ou mais. Recomendava que Portugal se especializasse no turismo sénior e serviços de saúde para idosos ricos, em vez das altas tecnologias. Ideias que foram recebidas com frieza pelo governo socialista e pelo governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio. Quatro anos depois e em plena crise de desemprego, o tema regressa.
"A moderação salarial é importante, mas é apenas um elemento entre os muitos que contam para a produtividade", afirma Eduardo Catroga, ex-ministro das Finanças. "Cortar nos salários dessa maneira é apenas uma aspirina, só alivia temporariamente." Admite que moderação, sim, mas "o melhor é evitar grandes quebras de poder de compra. E lembra que "ainda há muita coisa a fazer" para recuperar a competitividade perdida. "Melhorar as instituições públicas e as estratégias empresariais", por exemplo.
João Ferreira do Amaral, do ISEG, recusa a proposta de Blanchard porque "descer salários na economia não discrimina" entre as actividades que exportam e precisam dessa desvalorização, e as outras, o que pode gerar problemas graves na procura interna.
Já Luís Mira Amaral, ex-ministro do Trabalho, subscreve "na íntegra" a tese do economista-chefe do FMI. "O preço a pagar é alto, mas é melhor haver mais desemprego com pessoas a ganhar zero ou haver emprego com pessoas a ganhar menos?", questiona. O economista escolhe a última opção".
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