segunda-feira, agosto 27, 2007

Mais uma medida de propaganda

"A propósito dos anunciados empréstimos para estudantes do ensino superior, vale a pena ver estes números compilados pelo Zero de Conduta: na Europa dos 15, não há propinas em sete países. Na Alemanha, o Tribunal Federal remeteu a decisão para os governos locais, mas a esmagadora maioria das faculdades continua a não exigir pagamento de propinas. Sendo o mais pobres dos 15, Portugal é o quinto país da União Europeia onde as propinas são mais elevadas e o segundo em que o Estado investe menos dinheiro por aluno. Portugal é também o segundo país que menor percentagem de dinheiro destina ao apoio aos estudantes mais desfavorecidos. E a bolsa média é de 49 euros mensais. Uma pipa de massa, portanto.

Perante este cenário, qual é a prioridade de um governo socialista? Criar um regime de empréstimos, que tendo um spread mais baixo do que o praticado no mercado, tem, na realidade, taxas de juro superiores às de outros bancos. O estudante tem de começar a pagar um ano depois de acabar o curso, tenha ou não tenha emprego. Ou seja, um regime de empréstimos para estudantes que, não sabendo se terão emprego mais tarde (56 mil licenciados no desemprego), sabem que podem contar com a ajuda da família. Estes empréstimos não se destinam seguramente aos estudantes mais carenciados. Três a quatro mil estudantes poderão vir a utiliza-los, diz o governo. Menos de dois por cento.

Olhando para os valores das bolsas, para o baixíssimo investimento na Acção Social Escolar e para esta prioridade na criação de um empréstimo que só um estudante de famílias abonadas (ou completamente irresponsável) se aventura a contrair, ficamos a saber quase tudo sobre as preocupações sociais deste governo".

Daniel Oliveira
arrastao.weblog.com.pt

Não compensa

"Há professores com leucemia que morrem a dar aulas porque a burocracia não os deixa ir para a reforma. Há professores capazes, exemplares e com vontade de trabalhar que são mantidos em casa à força. Já por aí se escreveu sobre o inenarrável caso de Luísa Moniz. Mas nem assim o nó kafkiano a que está atada se desfaz. Esteve entre a vida e a morte duas vezes. Ficou, por causa da recuperação, um ano lectivo de baixa. Era directora da escola básica Luisa Neto Jorge, em Marvila. Sobre o trabalho que deixou boas memórias em alunos e pais, os serviços só escreviam mais do que elogios. Mas quando regressou à escola para ocupar o cargo para o qual fora eleita, estava no seu lugar um colega. Luisa foi mandada para casa. A presidente do Conselho Executivo, seguramente especialista, dizia que, ao contrário do que afirmava o médico que a autorizava a regressar ao trabalho, ela não estava bem. Não estava bem da cabeça. Ao bom estilo estalinista, mandou-a para uma Junta Médica Psiquiátrica. Luisa, que além de competente tem todo o sentido de dignidade, recusou a humilhação e recorreu a um tribunal. Está há um ano sem trabalhar e a receber. Não tem nenhum problema psiquiátrico. É competente e isso é coisa que não compensa. Nas escolas portuguesas? Só se esforça quem for maluco".

Daniel Oliveira
Expresso

terça-feira, agosto 21, 2007

Novo ano, nova oportunidade...

"Estamos em vésperas do início de mais um novo ano lectivo. Eles repetem-se mas nunca são iguais. Às vezes, olhando para trás, até temos a sensação de que são sempre a mesma sensaboria, de que as coisas não saem do sítio, de que a Escola é uma engrenagem encravada em rotinas maçadoras, de que são incuráveis os males que atormentam o nosso sistema de ensino. Não é tanto assim. Têm-se produzido e desenvolvido mudanças, muitas mudanças, demasiadas mudanças… Tem mudado quase tudo!... Quase tudo!... A engrenagem, de tanta convulsão, até estremece e mexe… Quase tomba!... O problema, antigo, é que a engrenagem mexe, estremece, mas não avança… Trocam-lhe as peças, renovam-lhe os óleos, afinam-lhe os parafusos, enceram-lhe as pinturas, mas não lhe renovam o miolo, o motor, a essência, o turbo. No entretanto, nós, muito pacientemente, vamo-nos deixando iludir com as falsas aparências do muito que está a ser feito ou vamo-nos desiludindo com a verdade de que nada de realmente essencial está a mudar.
É tempo de dar uma volta à Escola. É sempre tempo. Há tanto tempo que já é tempo de dar uma volta à Escola!... O início de mais um ano lectivo é um excelente pretexto para que digamos que estamos na altura certa, que deve ser agora, que temos que agarrar a oportunidade. No fundo, não é mentira nenhuma. Vamos recomeçar, vamos mudar. De vez. A sério. É difícil? Temos que esperar pela iniciativa do Ministério? Que fazer? Como fazer?
Primeiro – O Ministério, por si, não é capaz de criar uma boa Escola.
Segundo – Não há boa Escola sem bons professores, sem professores profissionais, sem professores verdadeiramente comprometidos com o crescimento dos seus alunos.
Terceiro – Não há boa organização Escola sem capacidade de iniciativa, sem sentido de risco, sem capacidade de avaliação e de crítica, sem irreverência, sem independência, sem liberdade de acção, sem um relacionamento respeitoso e um envolvimento no trabalho colectivo de professores, alunos, pais e demais agentes educativos.
Quarto – Não há boa Escola quando ela vive refém das orientações e das autorizações do Ministério e das suas diferentes estruturas intermédias.
Quinto – Uma boa Escola é uma comunidade de trabalhadores, que se relacionam de forma saudável, que respeitam os diversos papéis que desempenham, que vivem uns para os outros, que vivem todos para a Escola e para o crescimento de todos. Numa Escola, não podem contar apenas os resultados dos alunos… Têm que contar, também, os resultados dos professores (no seu crescimento profissional), os resultados dos pais (no desenvolvimento harmonioso das famílias), os resultados dos demais intervenientes educativos.
Sexto – Não há boa Escola onde as aprendizagens se limitam aos conteúdos dos programas das disciplinas. O aprender a viver é muito mais do que isso!... E a Escola tem que ser um sítio onde, acima de tudo, se deve aprender a viver!... Com os outros. Respeitando os outros. Conhecendo-nos melhor. Autonomizando-nos para a vida profissional e social. Lidando com os nossos sentimentos e emoções. Analisando-os e aprimorando-os. Descobrindo e escolhendo a nossa tábua de valores. Olhando o mundo a partir do nosso bocadinho.
Sétimo – Uma boa Escola faz-se de três ou quatro pequenas coisas: de uma boa organização; de um bom relacionamento interpessoal entre toda a comunidade; de trabalho planificado e participado; de capacidade de iniciativa, de abertura ao mundo e de vontade de ser e de vencer.
A Escola, neste início de novo ano, se quer ganhar o futuro, não pode ligar ao Ministério. Não pode esperar pelas directrizes que chegam sempre tarde!... Não pode desanimar e desistir face às repetidas asneiras e injustiças que brotam dos Gabinetes do Ministério!... Não pode!…
Se os professores, os alunos e os demais agentes educativos continuarem à espera de sinais do Ministério, a Escola não vai longe!... Até podem estar cheios de razão e profundamente indignados com uns dirigentes que os desprezam, os maltratam e os dividem mas, o que está em causa, o que deve prevalecer, é o superior interesse dos alunos, ou seja, o futuro da Escola. Esse, não depende do Ministério. Só depende de Comunidades Escolares que o queiram ser de verdade, sem medo, ainda que contra as asneiras do poder".

José Fernando Rodrigues Alves Pinto
(*) Mestre em Estudos Económicos e Sociais

sábado, agosto 18, 2007

Aprovado o Plano Tecnológico

"O Governo anunciou ontem o Plano Tecnológico de Educação para colocar Portugal entre os cinco países europeus mais avançados ao nível da modernização do ensino. Projecta-se um rácio de dois alunos por computador ligado à internet, 90% dos professores com competências certificadas em tecnologias informáticas (TIC) e o mesmo para 50% dos estudantes. Vai surgir um sítio Mais-Escola.pt e uma Escola Simplex. Deve estar concluído em 2010 e custará 400 milhões de euros.

Era bom que pudesse ser verdade. Infelizmente, não é provável. A Educação não tem ginástica, nem músculo, para a tarefa. Para os professores que se esforçam nas escolas que nem umas baratas tontas, ocupados com a elaboração de relatórios que depois ninguém lê, o plano é uma ofensa. Há umas décadas que deixou de haver uma carteira para cada aluno, como no meu tempo de liceu. As reduções e a desorganização do pessoal auxiliar transformaram os professores em mulheres a dias. É abstruso atirar-lhes com as TIC quando muitos só pensam em que os mandem para a reforma.

O ensino não tem melhorado em Portugal e o problema não se soluciona pondo uns milhões em cima. O processo é mais difícil. Exige mobilização dos professores, dos pais, práticas transparentes. E, já agora, pergunto: como é que se vai entregar a coordenação de um plano destes a chefes de organismos que só se fazem notar por instaurarem processos disciplinares a funcionários com ‘opiniões desbragadas’?"

João Vaz
Correio da Manhã

sexta-feira, agosto 17, 2007

Os mais mal pagos

"Os preços médios em Portugal são cerca de 20 por cento mais baratos do que na União Europeia a 15 membros. No entanto, os portugueses ganham em média cerca de 40 por cento menos, de acordo com os últimos dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

Os números europeus, que mostram também que os portugueses são os mais mal pagos da União Europeia a 15, indicam que as contas da água, luz e gás se contam entre os serviços mais baixos e as telecomunicações entre os mais caros, de acordo com o ‘Jornal de Negócios’.
Com efeito, os preços das telecomunicações são, em média, dois por cento superiores aos dos restantes países da União Europeia a 15.
Ou seja, apesar de conseguirem comprar os produtos mais baratos, o que é uma vantagem, os portugueses têm salários percentualmente ainda mais baixos, o que significa que não podem fazer grandes poupanças com base no desfasamento registado pelo Eurostat (o organismo responsável pelas estatísticas da União Europeia).
Para agravar as condições dos portugueses, a carga fiscal tem vindo a crescer. O organismo de estatísticas da União Europeia conclui que a carga fiscal portuguesa atingiu os 35,3 por cento em 2005, quando dez anos antes se encontrava nos 31,9 por cento. Fazendo as contas aos valores do PIB divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), a preços do ano passado, esta variação representa um aumento de 5,2 mil milhões de euros.
Contudo, a avaliar pelo último Boletim da Primavera do Banco de Portugal, a carga fiscal terá aumentado 37 por cento em 2006.
Apesar do aumento, a carga fiscal em Portugal é inferior à média da União Europeia (39,6 por cento), mas é a décima mais elevada dos 27.
Também no que diz respeito ao salário mínimo, as estatísticas europeias não mostram o melhor. Segundo os últimos dados do Eurostat, divulgados em Julho, 5,5 portugueses em cada cem recebem o salário mínimo nacional, o que coloca Portugal, com 437 euros, a meio da tabela de 18 países da União Europeia.
O Luxemburgo lidera a tabela com 1503 euros por mês, encontrando-se a Letónia em último lugar, com um salário mínimo de 129 euros".

Correio da Manhã

quarta-feira, agosto 08, 2007

Reamonn feat. Lucie Silvas - The Only Ones

A Flexinsegurança

"Vivemos um tempo em que a estabilidade da economia só é possível à custa da instabilidade dos trabalhadores, em que a sustentabilidade das políticas sociais exige a vulnerabilidade crescente dos cidadãos em caso de acidente, doença ou desemprego. Esta discrepância entre as necessidades do “sistema” e a vida das pessoas nunca foi tão disfarçada por conceitos que ora desprezam o que os cidadãos sempre prezaram ou ora prezam o que a grande maioria dos cidadãos não tem condições de prezar. Entre os primeiros, cito emprego estável, pensão segura e assistência médica gratuita. De repente, o que era antes prezado é agora demonizado: a estabilidade no emprego torna-se rigidez das relações laborais; as pensões transformam-se na metáfora da falência do Estado; o serviço nacional de saúde deixa de ser um benefício justo para ser um custo insuportável. Entre os conceitos agora prezados, menciono o da autonomia individual. Este conceito, promovido em abstracto para poder surtir os efeitos desejados pelo “sistema”, esconde, de facto, dois contextos muito distintos: os cidadãos para quem a autonomia individual é um fardo insuportável, que os deixa totalmente vulneráveis perante a adversidade do desemprego ou da doença, e que, em casos extremos, lhes dá opção de escolher entre os contentores de lixo do bairro rico ou pedir esmola nas portas do metro.
No domínio das relações laborais está a emergir uma variante de conceito de autonomia. Chama-se flexigurança. Trata-se de aplicar entre nós um modelo que tem sido adoptado com êxito num dos países com maior protecção social da Europa, a Dinamarca. Em teoria, trata-se de conferir mais flexibilidade às relações laborais sem pôr em causa a segurança do emprego e do rendimento dos trabalhadores. Na prática, vai aumentar a precarização dos contratos de trabalho num dos países na Europa onde, na prática, é já mais fácil despedir. Não vai haver segurança de rendimento, porque, enquanto o Estado providência da Dinamarca é um dos mais fortes da Europa, o nosso é o mais fraco; porque o subsídio de desemprego é baixo e termina antes que o novo emprego surja; porque o carácter semiperiférico da nossa economia e o pouco investimento em ciência e tecnologia vai levar a que as mudanças de emprego sejam, em geral, para piores, não para melhores, empregos; porque a percentagem dos trabalhadores portugueses que, apesar de trabalharem, estão abaixo do nível de pobreza, é já a mais alta da Europa; porque o factor de maior vulnerabilidade na vida dos trabalhadores, a doença, está a aumentar através da política de destruição do Serviço Nacional de Saúde levada a cabo pelo ministro da Saúde; porque os empresários portugueses sabem que dos acordos de concertação social só são “obrigados” a cumprir as cláusulas que lhes são favoráveis, deixando incumpridas todas as restantes como a cumplicidade do Estado. Enfim, com a flexigurança que, de facto, é uma flexinsegurança, os trabalhadores portugueses estarão, em teoria, muito próximos dos trabalhadores dinamarqueses, e, na prática, muito próximo dos trabalhadores indianos".

Boaventura de Sousa Santos
Revista "Visão"

segunda-feira, agosto 06, 2007

Audição para um concurso de talentos

Gente anónima com (muito) talento.
Emocionante!

domingo, agosto 05, 2007

Dois pesos e duas medidas

Perante dois Estatutos com graves irregularidades, o Presidente da República, curiosamente, tomou duas posições diferentes. Vetou o dos Jornalistas e promulgou o dos Professores. Não deixa de ser estranho mas percebe-se a disparidade nas decisões: é que o poder de uns é bem maior do que o dos outros (não é à toa que a comunicação social é considerada o 4º poder).
Os jornalistas são quem detem o poder de analisar, de escolher, propor e criticar tornando-se, por isso, na grande autoridade social da nossa sociedade. A sua capacidade de influência junto da opinião pública pode tornar-se decisiva e no horizonte há um segundo mandato presidencial por disputar. Cavaco Silva que já por uma vez sofreu na pele o poder dos media não deve querer repetir a dose. É legítimo. Mas em democracia exige-se que todos os cidadãos, independentemente da classe social a que pertençam, sejam tratados da mesma forma. Lamentavelmente, não foi isso que se passou nestes dois casos.

sexta-feira, agosto 03, 2007

A juventude está perdida

"A juventude de hoje, na faixa que vai até aos 20 anos, está perdida. E está perdida porque não conhece os grandes valores que orientaram os que hoje rondam os trinta. O grande choque, entre outros nessa conversa, foi quando lhe falei no Tom Sawyer. "Quem? ", perguntou ele. Quem?! Ele não sabe quem é o Tom Sawyer! Meu Deus... Como é que ele consegue viver com ele mesmo? A própria música: "Tu que andas sempre descalço, Tom Sawyer, junto ao rio a passear, Tom Sawyer, mil amigos deixarás, aqui e além..." era para ele como o hino senegalês cantado em mandarim. Claro que depois dessa surpresa, ocorreu-me que, provavelmente, ele nãoconhece outros ícones da juventude de outrora. O D'Artacão, esse heróicanídeo, que estava apaixonado por uma caniche; Sebastien et le Soleil, combatendo os terríveis Olmecs; Galáctica, que acalentava os sonhos dosjovens, com as suas naves triangulares; o Automan, com o seu Lamborghini que dava curvas a noventa graus; o mítico Homem da Atlântida, com o Patrick Duffy e as suas membranas no meio dos dedos; a Super Mulher, heroína que nos prendia à televisão só para a ver mudar de roupa (era às voltas, lembram-se?); O Barco do Amor, que apesar de agora reposto na Sic Radical, não é a mesma coisa. Naquela altura era actual... E para acabar a lista, a mais clássica de todas as séries, e que marcou mais gente numa só geração : O Verão Azul. Ora bem, quem não conhece o Verão Azul merece morrer. Quem não chorou com a morte do velho Shanquete, não merece o ar que respira. Quem, meu Deus, não sabe assobiar a música do genérico, não anda cá a fazer nada.
Depois há toda uma série de situações pelas quais estes jovens não passaram, o que os torna fracos: Ele nunca subiu a uma árvore! E pior, nunca caiu de uma. É um mole. Ele não viveu a sua infância a sonhar que um dia ia ser duplo de cinema. Ele não se transformava num super-herói quando brincavacom os amigos. Ele não fazia guerras de cartuchos, com os canudos que roubávamos nas obras e que depois personalizávamos. Aliás, para ele é inconcebível que se vá a uma obra. Ele nunca roubou chocolates no Pingo-Doce. O Bate-pé para ele é marcar o ritmo de uma canção .Confesso, senti-me velho...
Esta juventude de hoje está a crescer à frente de um computador. Tudo bem, por mim estão na boa, mas é que se houver uma situação de perigo real, em que tenham de fugir de algum sítio ou de alguma catástrofe, eles vão ficar à toa, à procura do comando da Playstation e a gritar pela Lara Croft. Óbvio, nunca caíram quando eram mais novos. Nunca fizeram feridas, nunca andaram a fazer corridas de bicicleta uns contra os outros. Hoje, se um miúdo cai, está pelo menos dois dias no hospital, a levar pontos e fazer exames a possíveis infecções, e depois está dois meses em casa fazer tratamento a uma doença que lhe descobriram por ter caído. Doenças com nomes tipo "Moleculum infanticus", que não existiam antigamente.
No meu tempo, se um gajo dava um malho muitas vezes chamado de "terno" nem via se havia sangue, e se houvesse, não era nada que um bocado de terra espalhada por cima não estancasse.
Eu hoje já nem vejo as mães virem à rua buscar os putos pelas orelhas, porque eles estavam a jogar à bola com os ténis novos. Um gajo na altura aprendia a viver com o perigo. Havia uma hipótese real de se entrar na droga, de se engravidar uma miúda com 14 anos, de apanharmos tétano num prego enferrujado, de se ser raptado quando se apanhava boleia para ir para a praia. E sabíamos viver com isso. Não estamos cá? Não somos até a geração que possivelmente atinge objectivos maiores com menos idade? E ainda nos chamavam geração "rasca"...
Nós éramos mais a geração "à rasca", isso sim. Sempre à rasca de dinheiro, sempre à rasca para passar de ano, sempre à rasca para entrar nauniversidade, sempre à rasca para tirar a carta, para o pai emprestar o carro. Agora não falta nada aos putos. Eu, para ter um mísero Spectrum 48K, tive que pedir à família toda para se juntar e para servir de presente de anos e Natal, tudo junto. Hoje, ele é Playstation, PC, telemóvel, portátil, Gameboy, tudo.
Claro, pede-se a um chavalo de 14 anos para dar uma volta de bicicleta e ele pergunta onde é que se mete a moeda, ou quantos bytes de RAM tem aquela versão da bicicleta. Com tanta protecção que se quis dar à juventude de hoje, só se conseguiu que 8 em cada 10 putos sejam cromos. Antes, só havia um cromo por turma. Era o totó de óculos, que levava porrada de todos, que não podia jogar à bola e que não tinha namoradas. É certo que depois veio a ser líder de algum partido, ou gerente de alguma empresa de computadores, mas não curtiu nada.
Que saudades tenho eu desses tempos da Abelha Maia... eheheheheh.”

Nuno Markl