quinta-feira, janeiro 16, 2014

O bullying é pior do que a pancadaria do meu tempo?

"Natural de Adaúfe (Braga), Nélson tinha quinze anos e era humilhado por colegas de escola. Na sexta-feira passada, forçaram-no a ficar em cuecas no pátio. Foi a gota de água. Sábado à noite, Nélson suicidou-se com a velha receita, corda, nó, laço. Infelizmente, Nélson é só o último episódio de uma vaga de violência escolar. Exemplos? Há dias, na Amadora, um miúdo morreu numa rixa de faquistas. No ano passado, na minha velha C+S da Póvoa, dois garotos violaram uma miúda de 12 anos. Pelo Expresso, fiquei a saber que a minha C+S é agora a Escola Carlos Paredes. No rescaldo deste caso, falei com ex-professoras. Garantiram-me que o ambiente piorou, Henrique, isto está muito pior do que no teu tempo. Na altura, tentei desconstruir essa ideia . As minhas professoras, dizia eu , estavam a recriar um passado mágico que nunca existiu, o meu tempo também foi violento, só não tínhamos um nome chique para dar à coisa, não era bullying, era mesmo maldade.
Eu estava errado. A situação piorou, e vou tentar explicar porquê. Além de potenciar a boa e velha maldade da criançada (bater no mais fraco), a internet criou um novo estilo de violência psicológica. Oiço frequentemente histórias de garotas forçadas a mudar de escola e até de cidade, porque aparecem em vídeos ou fotos íntimas que circulam entre a rapaziada. Isto é novo. No meu tempo, as cenas de pancadaria e o porno imberbe ficavam entre quatro paredes. What happens in Vegas stays in Vegas. Hoje em dia, a internet não permite esta contenção analógica. Uma miúda pode mudar de cidade, mas aquele vídeo vai estar à sua espera na nova cidade. E um garoto como o Nélson também pode mudar de cidade, mas os vídeos onde ele aparece a ser humilhado também vão estar à sua espera.
A tecnologia porém não é a única culpada. Aliás, a grande culpada é a minha geração de professores e pais. Afogados no mito da bondade virginal da criança, nós criámos um clima de impunidade em casa e na escola. Até importámos um termo, bullying, para evitarmos o confronto com a palavra certa, crueldade. Sim, as crianças podem ser muito cruéis. Na escola do Nélson, a EB 2/3 de Palmeira, os responsáveis disseram logo que a causa do suicídio não podia ser a violência escolar, ora essa. Mas Nélson era ou não era humilhado por alguns colegas? Tinha ele o hábito de andar em pelota por desporto? Quando um miúdo é humilhado no pátio, os professores têm o dever moral de intervir. Sucede que os professores desistiram desta tarefa, olham para o lado. A stôra de hoje acha que é uma mera técnica que está ali para ensinar uma matéria específica e não para educar moralmente as crianças. No meu tempo, as velhas stôras puxavam as orelhas aos estroinas. Em 2013, um puxão de orelhas é um acto intolerável. Ora, o problema começa precisamente aqui, e os culpados nem sequer são os professores. A nova ética da stôra é um reflexo da sociedade. Se tivesse puxado as orelhas aos miúdos que deixaram Nélson em pelota, um professor da EB 2/3 de Palmeira teria à sua espera um batalhão de pais indignados; a notícia do jornal não seria "jovem ficou em cuecas no recreio antes do suicídio" mas sim "pais espancam professor à saída da escola". 

Henrique Raposo
Expresso Online

quarta-feira, janeiro 15, 2014

Grelhas salariais dos professores para 2014



Tabelas retiradas daqui.

As pegadas que a troika deixa - crónica de Santana Castilho

"Um requerimento potestativo (figura regulamentar que permitiu a audição independentemente de contestação por parte da bancada que apoia o Governo) levou Nuno Crato ao Parlamento. O ministro sustentou que a evolução positiva dos resultados obtidos pelos estudantes portugueses em sede do PISA não pode ser atribuída a um programa homologado em 2007, cuja generalização só se consumou em 2010. Crato referia-se ao programa de Matemática, lançado em tempos de Maria de Lurdes Rodrigues. Mas a questão em análise não era essa e o ministro da Educação não a podia ignorar.
A questão era, e é, Crato explicar por que mudou esse programa num contexto tão positivo de resultados, sem que exista a mínima avaliação sobre aquilo que muda. A questão era, e é, ter operado muitas outras mudanças, que a maioria das associações profissionais de professores apoda de retrocessos inaceitáveis.
Há factos notoriamente positivos sobre os resultados do desempenho dos nossos estudantes, que os mais conceituados programas internacionais de avaliação educacional têm evidenciado. Crato, antes de ser ministro, maximizava esses processos. Crato, ministro, minimiza-os e desvaloriza-os. Essas evoluções não são certamente resultado de um só programa ou de um só ministro. São fruto de múltiplas variáveis e, em minha opinião, apesar dos ministros e das políticas. Mas o mesmo ministro que acusou o PS de estar a fazer aproveitamento político dos resultados do PISA disse logo a seguir que “em 2015 Portugal tem condições para estar no pelotão da frente” dos melhores do PISA. Ou seja: o que recusou a Lurdes e ao programa de 2007 (apesar de resultados já medidos) prevê para ele próprio e para o seu programa de 2013, para resultados ainda a medir, em 2015. Dispenso-me de qualificar. Vou antes glosar, olhando para o mais que nos cerca.
Quando a legislatura acabar, os portugueses que trabalham, e muito particularmente os professores, terão perdido duas décadas de salários e de direitos básicos, ante uma inevitabilidade fabricada por um pequeno grupo elitista. Crato pertence-lhe e nunca surpreendeu os mais atentos. Quem tivesse ouvido com atenção, e sublinho atenção, a comunicação apresentada em 2009 ao Fórum Portugal de Verdade não se surpreenderia com o que se seguiu: o enterro definitivo da eleição aberta dos directores; a diminuição do peso dos professores nos conselhos gerais; o aumento da promiscuidade entre a política partidária e a gestão pedagógica do ensino; a protecção da tirania e do caciquismo; a adulteração do sentido mais nobre do estatuto da carreira docente; a consolidação dos mega-agrupamentos; a extinção da transparência e da universalidade dos concursos de recrutamento de professores e a subserviência à corporação do ensino privado, por forma que a Constituição proíbe.
A falácia que Crato projecta para 2015 não se circunscreve a ele. Encontramo-la já colada à celebração de outro êxito, o de 17 de Maio próximo. Como se mais relevante do que a saída da troika (ainda que meramente formal, que não de facto, como sabemos) não fosse o estado em que país fica. E quem melhor do que Crato e as políticas para a Educação o ilustra?
O corte brutal da despesa pública em Educação não aumentou só, e de modo drástico, as desigualdades sociais entre nós (um inquérito encomendado pela Comissão Europeia à consultora Mackenzie, divulgado recentemente em Bruxelas, mostra que 38% dos jovens portugueses queriam prosseguir os seus estudos, mas não os conseguem pagar). Esse corte, para além de empobrecer os portugueses, empobreceu o maior capital para o desenvolvimento do país. Porque é universalmente reconhecido que a Educação é fonte de riqueza e que há uma relação incontornável entre o nível educacional dos povos e o seu desenvolvimento económico. Aquilo que para a generalidade de pensadores é investimento (educação e ciência) é para este Governo um simples custo. A expressão financeira das suas políticas mostra-o a qualquer que se dê ao trabalho de compulsar os Orçamentos do Estado de 2011 a 2014: o corte na despesa feita com os ensinos básico e secundário, entre 2011 e 2014, cifrou-se em 1327,7 milhões de euros; às crianças com necessidades educativas especiais foram cortados, no mesmo período, cerca de 36 milhões; a ciência e o ensino superior perderam, em conjunto, 223,8 milhões (cerca de metade dos orçamentos das instituições de ensino superior são hoje constituídos por receitas próprias e o esforço das famílias para suportar custos de estudos quintuplicou na última década). E porque persistem os que dizem que gastamos mais do que os nossos parceiros, ficam os números que comparam as despesas médias da União Europeia, por aluno, com as nossas (Education at a Glance, 2013), expressas em dólares e considerando a paridade do poder de compra: no ensino básico gastamos 5922 e a UE 8277; no secundário gastamos 8882 e a UE 9471; no superior gastamos 10.578 e a UE 12.856.
Estas são, caro leitor, pegadas que a troika deixa e que demorarão muito a apagar.troika

segunda-feira, janeiro 13, 2014

4 em cada 10 jovens sem dinheiro para estudar

Portugal tem uma das mais altas percentagens de jovens que queriam prosseguir os estudos, mas não têm possibilidade de os pagar (38 por cento, cerca de 4 em cada 10), revela um inquérito patrocinado pela Comissão Europeia que é hoje apresentado em Bruxelas.

O estudo incidiu em 5.300 jovens, 2.600 empregadores e 700 instituições educativas de oito países da União Europeia: França, Alemanha, Grécia, Itália, Portugal, Espanha, Suécia e Reino Unido.

Intitulado "Educação para o Emprego: Pôr a Juventude Europeia a Trabalhar", o designado relatório McKenzie sublinha que entre os oito países estão as cinco maiores economias da Europa (Inglaterra, França, Alemanha, Itália e Espanha), dois dos países mais afetados pela crise (Grécia e Portugal) e um da Escandinávia (Suécia).

No conjunto, estes países têm perto de 75 por cento do desemprego jovem na União Europeia a 28.

O valor das propinas pago pelos estudantes nas universidades públicas ultrapassa os mil euros por ano e o relatório indica outro fator que eleva as despesas: a deslocação da área de residência. "45 por cento dos jovens tem de sair da sua cidade para continuar a estudar".

Neste inquérito, um terço (31 por cento) dos jovens portugueses declarou não ter tempo para estudar porque tinha de trabalhar, o valor mais elevado entre os países analisados.

terça-feira, janeiro 07, 2014

Prazo a terminar, mas professores contratados sem novidades

Faltam apenas duas semanas para terminar o prazo exigido pela Comissão Europeia para o Ministério da Educação esclarecer a situação dos professores contratados. Mas os docentes continuam sem saber as alterações que estão a caminho, avança o Expresso.
Isto depois de a Comissão Europeia considerar que, em Portugal, os docentes a contrato estão a ser discriminados em relação aos professores dos quadros e que o recurso a contratos tem sido abusivo.
Por esse motivo, ordenou que o Ministério da Educação a tomar uma atitude, sobre a qual, até ao momento, nada se sabe.
Contactado pelo Expresso, o presidente da Associação Nacional dos Professores Contratados (ANPC), César Isabel Paulo, lamentou o sucedido, mantendo a esperança de que até ao dia 20 de janeiro haja novidades no sector da Educação.
"Não acreditamos que o ministério deixe o assunto seguir para o Tribunal de Justiça da União Europeia, arriscando uma multa pesadíssima, cujo valor poderá ser, em vez disso, aplicado na educação pública", afirmou, salientando que serão "mais de dez mil os docentes que o Estado deve integrar nos quadros", matéria sobre a qual estão a decorrer nos tribunais várias ações individuais.
Em causa está a Resolução de 2010 da Assembleia da República que determina "a integração na carreira docente dos professores profissionalizados contratados, em funções há mais de dez anos letivos".

domingo, janeiro 05, 2014

Um abraço aos professores portugueses - crónica de Santana Castilho

Há crónicas que nascem de jacto, outras que se arrastam. Comecei por ensaiar uma retrospectiva sobre o ano que terminou. Abandonei. Digitei linhas e linhas sobre o ano que vai seguir-se. Não gostei. Parei e recordei. Porque é mau que percamos a memória colectiva.

"Recordei escolas fechadas aos milhares, Portugal interior fora. Recordei os protestos, onde hoje vejo esquecimento. 

Recordei as falsas aulas de substituição, com que Maria de Lurdes Rodrigues iniciou a proletarização dos professores. Perdeu em tribunal mas abriu um caminho sinistro. E hoje vejo Crato, oportuno, trilhá-lo com zelo. 

Recordei a divisão dos professores em titulares e outros. Caiu a aberração mas persiste a tentação. De que outra forma se explica a disponibilidade para examinar colegas a três euros por cabeça? 

Recordei o altruísmo anónimo por parte de professores, que testemunho há décadas, no combate nacional ao abandono escolar precoce. Vejo, atónito, o novo desígnio governamental de promover o abandono docente precoce. 

Recordei a indignação nas ruas e a contemporização nos memorandos e nos entendimentos. E hoje vejo o desalento de tantos que desacreditaram. 

Recordei dois que acabam de partir e senti raiva por tantos que, vivos, são mortos para a profissão. E pergunto-me se, algum dia, muitos, com nome, responderão pelos futuros que destruíram. 

Recordei a infame guerra em curso aos professores, a quem, em fartas partes, se deve o notório aumento das qualificações dos portugueses. Mau grado desencontros e desencantos. 

Recordei dados recentes (2013 Global Teacher Status Index, Varkey GEMS Foundation) de um estudo que apurou a atitude das sociedades desenvolvidas relativamente aos seus docentes. E vi o estatuto social dos professores portugueses no último terço da tabela, bem atrás da maioria dos seus parceiros europeus. E vi, sem espanto, que apenas 12% dos portugueses encorajam os filhos a serem professores (o segundo pior resultado do universo estudado). 

Recordei, a propósito, que a International Association for the Evaluation of Educational Achievement realiza, cada quatro anos, dois estudos conceituados internacionalmente: o TIMMS (Trends in International Mathematics and Science Study) e o PIRLS (Progress in International Reading Literacy Study). Portugal participou na edição de ambos de 1995, tendo ficado nos últimos lugares do ranking. Ausente dos estudos de 1999, 2003 e 2007, voltou a ser cotado em 2011. Entre 50 países, ficou no 15º lugar em Matemática e 19º em ciências. Entre 45 países, foi 19º no PIRLS. Em valor absoluto, os resultados foram positivamente relevantes. Foram-no, ainda mais, em valor relativo: de 1995 para 2011, foi Portugal o país que mais progrediu em Matemática e o segundo que mais avançou no ensino das ciências; se reduzirmos o universo aos países da União Europeia, estamos na 12ª posição em ciências, 7ª em Matemática e 8ª em leitura; se ponderarmos estes resultados face ao estatuto económico e financeiro das famílias e dos estados com que nos comparamos, o seu significado aumenta e deita por terra o discurso dos que destratam os professores. Estes resultados, é bom e actual recordá-lo, são fruto do trabalho dos professores portugueses. 

Recordei outro estudo, promovido por Joana Santos Rita e Ivone Patrão, investigadoras do Instituto Superior de Psicologia Aplicada, segundo o qual metade dos professores portugueses sofre de stress, ansiedade e exaustão. E vi que as causas apuradas são o excesso de trabalho e de burocracia e a pressão para o sucesso. E vi, vejo, o que o ministro Crato tem por sucesso: caminhos que desprezam a natureza axiológica da Educação, tentando impor-lhe o modelo de mercado, fora ela simples serviço circunscrito a objectivos utilitários e instrumentais, regulada apenas por normas de eficácia e eficiência. 

E recordei, então, uma carta a um professor, transcrita num livro de João Viegas Fernandes (Saberes, Competências, Valores e Afectos, Plátano Editores, Lisboa, 2001): 
 
“… Sou sobrevivente de um campo de concentração. Os meus olhos viram o que jamais olhos humanos deveriam poder ver: câmaras de gás construídas por engenheiros doutorados; adolescentes envenenados por físicos eruditos; crianças assassinadas por enfermeiras diplomadas; mulheres e bebés queimados por bacharéis e licenciados… 
 … Eis o meu apelo: ajudem os vossos alunos a serem humanos. Que os vossos esforços nunca possam produzir monstros instruídos, psicopatas competentes, Eichmanns educados. A leitura, a escrita e a aritmética só são importantes se tornarem as nossas crianças mais humanas". 

Basta um esforço ínfimo de memória para qualquer se aperceber de quanto deve aos professores. Chega uma réstia de inteligência para qualquer perceber que um ataque aos professores é um ataque ao futuro colectivo. Porque tenho a graça de ter voz pública, começo 2014 com um abraço aos professores portugueses".