domingo, junho 30, 2013

A solidão das lutas - crónica de Pacheco Pereira

"Uma coisa os professores devem ter percebido, como os funcionários públicos perceberão, como os estivadores, ou os trabalhadores dos transportes, já tinham percebido. É que se quiserem resistir à avalanche que lhes caiu e cai em cima, estão sozinhos. A boca cheia da solidariedade é apenas isso, mas cada grupo profissional só pode contar consigo próprio para tentar travar a acentuada desqualificação da sua profissão, o reforço do autoritarismo de proximidade, de chefes e directores, os despedimentos colectivos, o aumento por decreto do horário de trabalho, a violação de todos os contratos e direitos. 

Pode contar com a hostilidade de uma parte da população, acirrada pelos inconvenientes das greves, pelo discurso de guerra civil do governo e por uma comunicação social que, mesmo quando é muito da esquerda festiva e cultural, muito simpática com o folclore dos “indignados”, é hostil às lutas, às greves e aos sindicatos. Um dia, uma análise do grupo profissional dos jornalistas, explicará muito sobre como as fraquezas da profissão originam um dos discursos mais masoquistas, muito próximo do discurso do poder.

A solidão dos que reagem e não se bastam com manifestações de protesto que a mediatização trivializa, só pode ser invertida se os seus actos forem corajosos, unidos e massivos no âmbito profissional. Ou seja, com risco. Se mostrarem força, terão força e arrastarão consigo solidariedades que nunca terão com protestos “simbólicos”. E terão a simpatia de muitos que ou são indiferentes ou egoístas, porque, nesse momento, então sim, as lutas de resistência à iniquidade destes dias de lixo comunicam entre si. Nessa altura, polícias reconhecer-se-ão nos professores, e pessoal da CP e da Carris nos polícias, os professores nos estivadores, os funcionários públicos nos trabalhadores têxteis, os despedidos de uma fábrica nos reformados, os enfermeiros nos jovens à procura do primeiro emprego e nos desempregados de longa duração. O mundo do trabalho no mundo do trabalho".
 
Pacheco Pereira
Sábado 

sexta-feira, junho 28, 2013

Reforma ou morte

"As desventuras do ministro Nuno Crato ilustram bem o fado geral do Governo.
Crato nunca quis reformar a escola pública. Apenas quis reduzir custos, eliminando programas, agrupando escolas, aumentando horários e despedindo pessoas. Em vez de reformar primeiro, quis usar o poder do Estado não reformado para aplicar essa política, muitas vezes insensata.
Resultado: os professores (que arriscavam perder o emprego em dois meses) mobilizaram-se muito para lá da força dos sindicatos. Ou seja, o poder do Estado não reformado virou-se, abatendo-se com estrondo sobre o ministro, que assim não reformou nem cortou.
Isto, em ponto pequeno, é o que acontece no resto do Estado. E não há pior do que o argumento abastardado que nos procura fazer crer que cortar é reformar. As reformas criariam inimigos mas também muitos amigos. Os cortes sem critério compreensível só criam inimigos.
Quem não tem dinheiro mas também não reforma morre sem rasto nem glória".
 
Luciano Amaral
CM

quarta-feira, junho 26, 2013

Vitória dos professores: um exemplo para a greve de amanhã

"Os sindicatos dos professores fizeram mal em exercer o direito greve que, na forma como uma parte razoável dos políticos portugueses o vê, nunca deve ser mais do que simbólico. Fizeram? Pela primeira vez, nos dois últimos anos, o governo sentou-se mesmo à mesa das negociações. Não antes da greve aos exames. Não antes da greve às avaliações. Mas quando se corria  risco de se instalar o caos nas escolas.
Apesar de ainda não haver acordo, os professores conseguiram, com as suas greves, a integração de mais medidas que contribuirão para que não haja professores com horário-zero e em risco de ir para "requalificação" (eufemismo para despedimento). Um regime que só se aplicará aos professores a partir de fevereiro de 2015. O limite geográfico para a mobilidade dos professores dos quadros de escola que não tenham serviço letivo passou a ser de 60 quilómetros, tal como acontece com a restante Função Pública. E o governo garantiu que o aumento do horário de trabalho para as 40 horas incidirá apenas na componente não leciva de trabalho individual. Por fim, a direção de turma volta a integrar a componente letiva.
Os professores não terão conseguido tudo. Mas conseguiram, pela primeira vez em qualquer confronto com este governo, cedências relevantes. E por isso, a FNE desmarcou as greves e a Fenprof interrompeu-as (com excepção, claro, da greve geral). Para os que, durante o último mês, zurziram nos professores, fica uma importante lição: mostrar indignação no facebook e falar mal dos "políticos" serve de muito pouco se não se está disponível para levar até ao fim, de forma consequente, o confronto. O governo conta com a divisão das pessoas. Desta vez não lhe chegou.
Amanhã, há uma greve geral. O exemplo dos professores deve ser, para todos nós, uma inspiração. Solidário com esta greve, não encontrarão aqui nenhum texto meu".

Daniel Oliveira
Expresso Online

terça-feira, junho 25, 2013

Ata da reunião entre a Fenprof e o MEC


Governo paga indemnizações aos professores contratados este ano

O Ministério da Educação deu indicações às escolas para pagarem indemnizações aos professores que foram contratados este ano lectivo mas que não terão colocação em Setembro. De acordo com o Diário Económico (DE), ficam de fora todos os outros docentes que reclamam, desde 2009, uma compensação semelhante pelo fim dos seus contratos.
O jornal adianta que a ordem de Nuno Crato exclui então as "dezenas de milhares" de professores que nos últimos quatro anos, desde 2009, quando foi criada a norma de compensação por caducidade de contrato para a Função Pública, "não recebem indemnizações", alerta João Louceiro da Fenprof.
Recorde-se que nos casos anteriores a 2013, os professores "terão de recorrer a tribunal", tal como até aqui. O DE adianta que, num total de 1.500 processos interpostos através da Fenprof, foi dada razão pelo menos a 200 professores.

segunda-feira, junho 24, 2013

Crato tem de reformar mais de 4.700 professores num mês

Nuno Crato tem em mãos uma missão que tem de tornar possível: reformar 4.761 professores num mês. É o número exigido para que o Ministério da Educação consiga cumprir a meta, anunciada em Maio, de reformar seis mil professores antes do final de Agosto.
Quer isto dizer que a Caixa Geral de Aposentações (CGA) tem um mês para autorizar a reforma de 4.761 docentes do ensino básico e secundário, sendo que, até Junho, reformaram-se 1.239 professores.
Recorde-se que a passagem à reforma de seis mil professores até Agosto é um dos argumentos de Nuno Crato, usado nas negociações com os sindicatos, para garantir que não haverá docentes na mobilidade especial no próximo ano lectivo.

domingo, junho 23, 2013

Greve dos professores - crónica de Pacheco Pereira

"Já falei o suficiente sobre a greve dos professores, para não precisar de aqui voltar. Também me parecia imbecil, se não fosse intencional, quer por ignorância mediática, quer por má fé, estar agora a entrar naquilo que os jornalistas referem com desprezo como a “guerra dos números” (que eles fomentam mais que ninguém, para depois se enojarem com a sua existência), nem com “quem ganhou ou quem perdeu”, nas suas múltiplas variantes propagandísticas, retóricas e mediáticas. 

O que me interessa é o que a greve e as reacções à greve revelam sobre o tónus de conflitualidade na sociedade portuguesa, latente e às claras. Não tenho dúvidas de que dentro das escolas, pela primeira vez com esta intensidade, os professores que fizeram greve, e que são uma grande maioria, olham para os que não a fizeram de forma bem pouco meiga. Um profundo mal-estar divide professores de diferentes ciclos, onde o ministério encontrou em alguns sectores um grupo de professores dispostos a irem para escolas, que não são as suas, fazer a vigilância de exames. 

Foram muito poucos, mas para garantir os exames bastaram. Colocou, também pela primeira vez, em cheque o papel dos directores. Alguns assumiram-se como “chefes” das escolas e foi deles, encostados às pressões governamentais, que vieram muitas das ilegalidades cometidas no dia da greve. Alunos e pais, os alvos da propaganda governamental, dividiram-se profunda e agressivamente. Os incidentes nas escolas, com alunos a tentar impedir outros alunos de fazerem exames, e o modo como a questão da “equidade” se tornou uma reivindicação, que, essa sim, atinge apenas o governo, vai manter o estado de excepção em todo este processo de exames. Revelou também a hostilidade comunicacional às greves e aos sindicatos, com noticiários e comentários hostis, por regra. O modo como os responsáveis governativos eram interrogados era muito mais dócil do que a agressividade face aos sindicalistas, quase sempre apresentados à cabeça como “culpados”. De um modo geral, o leitmotiv da propaganda do governo – os exames prejudicam gravemente os alunos – foi repetido à exaustão. Subitamente descobriu-se um país de famílias “angustiadas”, de estudantes “nervosos”, de “ansiedade” por todo o lado. Um exército de psicólogos e de psiquiatras deve mobilizar-se sempre que há exames, porque os frágeis estudantes (os mesmos frágeis estudantes a quem se pode perguntar o que é que eles fazem aos professores e entre si durante todo ano) estavam todos deprimidos. Há muitas razões para este comportamento dos jornalistas, em contraste com a simpatia com as manifestações dos “indignados”, mas ficam para outra altura. 

Por fim, e de um modo geral é isto que fica, é que a greve revelou de forma muito clara o modo como a conflitualidade está a evoluir para formas mais agressivas. Ela representa, entendida em todas as suas manifestações nos professores, alunos e pais e governo, o erro da afirmação do Presidente da República de que não há “desestruturação” na sociedade portuguesa. No dia da greve todo o discurso de divisão e de guerra civil que o governo tem vindo a semear, está já bem enraizado, e os seus efeitos geram “lados”, acicatam confrontos e dividem os portugueses cada vez de forma mais devedora ao pathos do que ao logos. É um caminho perigoso".
 
Pacheco Pereira
Revista Sábado 

quinta-feira, junho 20, 2013

Afinal as datas dos exames podem mudar

"Não tenho qualquer simpatia por greves marcadas para dias de exames. São greves que afetam de forma desproporcionada uma "terceira parte" - neste caso os alunos -, porque têm um efeito em cadeia no calendário. É por isso que acho que Mário Nogueira não foi inteligente na gestão da greve, o que não é especialmente uma novidade. Mas a falta de inteligência com que o Governo geriu este caso foi, para mim, um verdadeiro mistério.
Num braço de ferro é difícil alguém ceder sem perder a face. Mas num braço de ferro que tem uma "terceira parte", como foi manifestamente o caso desta greve, uma cedência pode acabar numa vitória relativa ou total. No Governo pouca gente percebeu isso. Agarraram-se às ideias habituais e esgotaram energias em batalhas desnecessárias, sobre serviços mínimos, comissões arbitrais e requisições totais de professores. Para quê? Para nada.
Se em vez disso tivessem mudado a data do exame, contornavam a greve e não afetavam os alunos. Podiam parecer fracos aos olhos de alguns? Talvez aos olhos de meia dúzia de fanáticos que não percebem nada de política nem de opinião pública. Vejam o que aconteceu com a data do exame de matemática, antecipado num dia para não coincidir com a greve geral. Tão simples.
Não faço ideia quem aconselha o Governo nestas matérias, mas despeçam-nos por favor".
 
Ricardo Costa
Expresso Online


Abriu a caça ao Nogueira

"A greve dos professores foi por razões laborais. E é justo que assim seja. As suas e de todos os funcionários públicos, tratados como malandros por este governo. Só corresponde à defesa das funções sociais do Estado, onde a educação está incluída, na medida em que essas funções não se cumprem sem profissionais para as levar a cabo. E na medida em que os ataques preferenciais aos funcionários públicos correspondem ao preconceito ideológico que este governo tem contra as funções que eles desempenham.
Defender os professores deste ataque não significa achar que a maioria dos professores tem, em geral, em todos os restantes assuntos, razão. Os professores são tão egoístas e solidários como qualquer outra classe. Muitos se queixarão dos funcionários da CP quando estes fazem greve. Dizendo, provavelmente, que as suas greves não deviam prejudicar os outros. Assim como muitos trabalhadores da CP que fazem por vezes greves estarão indignados com os professores pelos prejuízos que causaram aos seus filhos. A velha solidariedade de classe já teve melhores dias. E isso ajuda a explicar porque perdem os trabalhadores, de dia para dia, os seus direitos.
Não faço, por isso, textos laudatórios à classe docente. Nem, como tenho lido em tanto lado, generalizações insultuosas. Limito-me a analisar as razões desta luta e a dar-lhes razão. E, sendo consequente, a defender o direito de fazerem a greve mais eficaz possível. Mesmo que ela me prejudique.
É o mesmo raciocínio que tenho com Mário Nogueira. Escrevi, recentemente no "Expresso", sobre o olhar que do líder da Fenprof tem em relação à escola pública e como, na minha opinião, ele é, no fundamental, muito semelhante ao de Nuno Crato. Mas também nesta matéria, não me baralho. A minha opinião sobre Nogueira, e sobre a sua razoável incapacidade em manter um discurso político mais abrangente que mobilize o resto da sociedade em defesa dos professores, não muda um milímetro a minha posição sobre a greve. Pelo contrário, compreendo bem o objetivo das dezenas de ataques, mais simulados ou mais enfurecidos, que têm sido dirigidos a Nogueira. Não podendo atacar os 90% de professores que fizeram greve, concentram-se as baterias no rosto mais visível de uma contestação que contou com o apoio de todos os sindicatos. O que se pretende atacar não é a apenas esta greve e os professores. É o sindicalismo, a própria instituição da greve e, de uma forma mais geral, qualquer forma de resistência eficaz às medidas deste governo.
Uma das principais criticas que tenho lido em relação a Mário Nogueira é o facto de não dar aulas. O populismo pega com facilidade. Pega com políticos e também pega com sindicalistas. Curiosamente, ninguém faz este género de objeções a dirigentes de associações patronais, a bastonários de ordens profissionais ou a dezenas de dirigentes de ONG. Uma federação das dimensões da Fernprof (uma das maiores estruturas sindicais do País, com associados espalhados por todo o território e com um grau de complexidade na sua gestão muito razoável) não se dirige nas horas vagas.
Esta acusação feita com recorrência aos dirigentes sindicais, que nunca aparece em relação a nenhuma outra atividade associativa, só pode resultar de uma de duas coisas: ou de um completo desconhecimento do conjunto de atividades desenvolvidas pelos sindicatos ou da tentativa de criar tais constrangimentos à atividade sindical que, na prática, ela seja inviável. Na maior parte do que tenho lido, a propósito da Fenprof (e só, não sei porquê, em relação à Fenprof), é o segundo caso.
O melhor exemplo foi dado pelo líder da JSD (o mesmo que defende o fim da da saúde e da educação tendencialmente gratuitas e que afirmou não se incomodar com a quantidade de jovens que estão a emigrar), que exigiu ontem uma conveniente investigação ao financiamento dos sindicatos da educação (que, ao contrário da sua "jota", vivem apenas das quotas dos seus associados). Quem se mete com o governo leva, é a tradução jorgecoelhista desta proposta vinda de quem vive mal com a liberdade sindical e o direito à greve. Quem faz este tipo ataque é a favor do direito à greve se ele não for exercido, a favor do sindicalismo livre se ele não for viável e a favor da concertação social se ela resultar em acordos em que só um dos lados tem uma palavra a dizer.
Se a crítica fosse à falta de democracia interna em muitos sindicatos, que têm estatutos bloqueados e a expressão da oposição muito dificultada, eu subscreveria. Avisando, no entanto, que os sindicatos dos professores até são daqueles onde essa critica é menos válida e que a eleição de Mário Nogueira como líder da Fenprof foi indiscutivelmente democrática. Se fosse ao afastamento de muitos sindicalistas, por demasiado tempo, em relação aos seus locais de trabalho, eu assinaria por baixo. Se fosse sobre a excessiva partidarização de muitos sindicatos, também. Mas a critica parte de um pressuposto demagógico: o de que é possível dirigir grandes sindicatos em horário pós-laboral. Ou seja, ter estruturas amadoras a negociar com instituições públicas e associações patronais ultraprofissionais. Quem defende isto quer sindicatos fracos. E não acredita que eles desempenham um papel central na democracia e que, para o desempenhar, precisem de recursos materiais e humanos.
A outra critica tem a ver com o recurso à greve. Ela vai variando, conforme o contexto. A greve geral é inaceitável porque quer fazer cair um governo eleito. A greve dos estivadores era inaceitável porque prejudicava a economia. As greves da função pública são inaceitáveis porque prejudicam os utentes e resultam de privilégios. A greve dos transportes é inaceitável porque impede os outros de trabalhar. A greve é, no fundo, sempre inaceitável. Mas note-se que, quem o diz, deixa sempre claro que defende o direito à greve, instituído em todas as democracias. Desde que nunca seja realmente exercido. 
Esgotados todos os argumentos, abriu a época do tiro ao Nogueira. Como se esta greve fosse sua. Ele é do PCP, logo a greve é do PCP. Com 90% de adesão e o apoio de todos os sindicatos a coisa é difícil de vender. Entre os grevistas estarão seguramente eleitores de todos os partidos e gente que não pode ver Mário Nogueira nem pintado. Ou as pessoas julgam que os professores são todos uns idiotas, fáceis de instrumentalizar, ou perceberão que Nogueira apenas se limitou a dar expressão a um sentimento geral que o ultrapassa em muito.
Por fim, é uma forma de diabolizar qualquer tipo de contestação ao governo. Tal como acontece com as greves, não me lembro de nenhuma forma minimamente eficaz de resistência às gravíssimas medidas tomadas por este executivo que não tivesse sido acusada de oportunista, pouco cívica ou antidemocrática. Se se faz greve prejudica-se o País. Se se fazem manifestações, são os comunistas e bloquistas do costume. Se se interrompe a intervenção de um ministro, viola-se a liberdade de expressão. Há sempre uma razão qualquer para não discutir as razões que levam a uma determinada forma de luta e ficarmos a debater a legitimidade dessa forma de luta.
É a isso mesmo que assistimos, em Portugal, sempre que qualquer forma de luta pode dar sinais de ser eficaz: seja por causa da ansiedade dos alunos, seja por causa dos prejuízos para economia, seja pelo ódio a um dirigente sindical em particular ou seja por pequenos focos de violência, quer-se manipular a opinião pública para que ela aceite, em silêncio, tudo o que lhe é imposto. Dizendo, claro, que até se é contra as medidas. O problema é que haja alguém que se atreva a resistir a elas de forma consequente e a dar assim, aos restantes cidadãos, um "mau" exemplo. Há que os isolar e colocar na fogueira mediática. Agora é Mário Nogueira. Amanhã será outro que dê a cara por qualquer combate que ponha em causa esta aviltante gestão do discurso da inevitabilidade".

quarta-feira, junho 19, 2013

Crato cumpriu. Crato implodiu - crónica de Santana Castilho

"Em 17 anos de exames nacionais, dos 39 que já leva a democracia, o país nunca tinha assistido a tamanho desastre. A segunda-feira passada marca o dia em que um ministro teimoso, incompetente e irresponsável, implodiu a cave infecta em que transformou o ministério da Educação. A credibilidade foi pulverizada. O rigor substituído pela batota. A seriedade submersa por sujidade humana. Viu-se de tudo. Efectivação de provas na ausência de professores do secretariado de exames, com o correlato incumprimento dos procedimentos obrigatórios, que lhes competiriam. Vigilantes desconhecedores dos normativos processuais para exercerem a função. Vigilantes do 1º ciclo do ensino básico atarantados, sem saber que fazer. Examinandos que indicaram a professores, calcule-se, que nunca tinham vigiado exames, procedimentos de rotina. Exames realizados sem professores suplentes e sem professores coadjuvantes. Exames vigiados por professores que leccionaram a disciplina em exame. Ausência de controlo sobre a existência de parentesco entre examinandos e vigilantes. Critérios díspares e arbitrários para escolher os que entraram e os que ficaram de fora. Salas invadidas pelos “excluídos” e interrupção das provas que os “admitidos” prestavam. Tumultos que obrigaram à intervenção da polícia. Desacatos ruidosos em lugar do silêncio prescrito. Sigilo grosseiramente quebrado, com o uso descontrolado de telefones e outros meios de comunicação eletrónica. Alunos aglomerados em refeitórios. Provas iniciadas depois do tempo regulamentar. 
 
O que acabo de sumariar não é exaustivo. Aconteceu em escolas com nome e foi-me testemunhado por professores devidamente identificados. Para além da gravidade dos acontecimentos na Escola Secundária Sá de Miranda, em Braga, Alves Martins, em Viseu, e Mário Sacramento, em Aveiro, referidos na imprensa, muitos outros poderiam ser nomeados. No agrupamento Tomás Ribeiro, de Tondela, onde estava previsto funcionarem 10 salas, os exames foram iniciados, a horas, em 4. Mas, 20 minutos depois, por sortilégio directivo, acrescentaram-se mais duas salas. Na Escola Secundária Dr. Solano de Abreu, em Abrantes, houve reuniões de avaliação coincidentes com a realização do exame. Os professores presentes em reuniões, que acabaram por não se realizar, foram mobilizados, no momento, para o serviço dos exames. Quem acedeu ficou ubíquo: assinou a presença na reunião e no serviço de exames. 
 
Ou Crato tem uma réstia de juízo e anula o exame, com o fundamento evidente da violação das normas mínimas que garantem a seriedade e a equidade exigíveis, ou isto termina nos tribunais administrativos. A coisa é um acto académico. Mas o abastardamento da coisa transforma-a num caso de tribunais. Não faltará quem a eles recorra. Porque décimas da coisa determinam o sentido de vidas. 
 
O Júri Nacional de Exames, que se prestou a cobrir a cobardia política de Crato, não se pode esconder, agora, atrás do mandante. Não há cobardia técnica. Mas há responsabilidade técnica. O Júri Nacional de Exames tem que falar. Já devia ter falado. O País está à espera. 
 
A Inspecção-Geral da Educação e Ciência tem que falar. Há responsabilidades, muitas, a apurar. O País está a ficar impaciente. 
 
Crato errou em cascata. Deu como adquirida a definição de serviços mínimos, mas o colégio arbitral não viu jurisprudência onde ele, imprudente, a decretou. Arrogante, fechou a porta que o colégio abriu, sugerindo a mudança do exame para 20. Forçou a realização de um exame sem ter garantidas as condições mínimas exigíveis. Criou um problema duplamente iníquo: de um lado ficou com 55.000 alunos, potenciais reclamantes ganhadores, porque foram submetidos a um exame onde todas as regras foram desrespeitadas; do outro tem 22.000 alunos discriminados, porque não puderam realizar um exame a que tinham direito. Com as normas que pariu, ridicularizou o que sempre sacralizou: uma reunião de avaliação é inviabilizada pela falta de um professor; mas um exame nacional pode realizar-se na ausência de 100.000. Aventureiro, quis esmagar os sindicatos, mas terminou desazado. Se não violou formalmente a lei da greve, o que é discutível, esclareceu-nos a todos, o que é relevante, sobre o conceito em que a tem. Cego, não percebeu que, de cada vez que falava, mais professores aderiam à greve. Incauto, não se deu conta de que as coisas mudaram para os lados da UGT. Demagogo, convidou portugueses mal-amados no seu país, quantos com recalcamentos que Freud explicaria, a derramaram veneno sobre uma classe profissional que deviam estimar. Irresponsável, declarou guerra, e foi abatido. Crato substituiu Relvas. É agora o fardo que o Governo, nas vascas da morte, vai carregar até que Portas marque o velório. Ter ontem Crato nas televisões, de lucidez colapsada, ladeado por dois ajudantes constrangidos em fácies de cangalheiros, não pode ser o fim burlesco da palhaçada".
 
Santana Castilho 

Nuno Crato, parágrafo menor

"Nunca deixei de me espantar com a desfilada insana de certos homens para o abismo da sua perdição moral e intelectual. Nuno Crato é um deles. Li o admirável "O Eduquês", que definia uma maneira de pensar e reduzia a subnitrato os mitos propostos à nossa preguiça mental. Se o estilo é o homem, ali estava um estilo e um homem que nos diziam ser toda a espécie de carneirismo a negação da inteligência crítica. Assisti, depois, com o alvoroço de todas as curiosidades, ao programa de Mário Crespo, na SIC Notícias, Plano Inclinado, e no qual o nomeado e o prof. Medina Carreira discreteavam sobre os embustes incutidos por esse nada abissal da hipocrisia política. Um aparte: ainda não percebi o que provocou o desaparecimento abrupto do programa e, também, o eclipse de Alfredo Barroso da antena, cuja lucidez era idêntica à informação que nos fornecia, mantendo-se na conversa a senhora que emparceirava com ele. Teias que o império tece.
Voltando ao Crato, a vontade de ser ministro de um desprezível Governo como este parece tê-lo obnubilado. Ou, então, a dubiedade já estava instalada e a falta de carácter era congénita. Como pode o autor de "O Eduquês" e de tantas intervenções televisivas marcadas pelas prevenções contra as evasivas e os ardis ser o cúmplice de um projecto ideológico que visa mandar para o desemprego muitos milhares de pessoas, e desmantelar pelo esvaziamento a escola pública; como pode?
Diz-me pouco, mas talvez diga alguma coisa a circunstância de Crato ser proveniente da extrema-esquerda, aquela contra o "revisionismo" e os "sociais-fascistas." O combate, afinal, era outro, e a "convicção" constituía um investimento futuro.
O braço-de-ferro do ministro e dos professores nunca foi por aquele decentemente esclarecido. A verdade é que os professores, ameaçados, aos milhares, de ser "dispensados", apenas lutam pelos seus lugares e pelo trabalho a que têm direito. E a utilização dos estudantes como estratagema político é sórdida. Crato desonrou-se ainda mais do que o previsível. Ao aceitar ser vassalo de uma doutrina doentia, arrastadora de uma das maiores crises da nossa história, ele não só volta a perjurar os ideais da juventude, como o que escreveu e disse.
É preciso acentuar que esta situação não se trata de uma birra do ministro. O despejo de milhares e milhares de pessoas faz parte de um programa mais vasto. Crato é um pequeno parágrafo num acidente histórico preparado ao pormenor por estrategos ligados à alta finança. Outra face do totalitarismo que, sob o eufemismo de "globalização", tende a uma hegemonia, a qual está a liquidar os nossos valores morais e os nossos padrões de vida. A emancipação das identidades, que formou a tradição universalista e a democratização social, está seriamente intimidada por gente ignóbil como Nuno Crato".

Batista Bastos
DN

terça-feira, junho 18, 2013

Aos professores do meu país, em luta pelo futuro dos seus alunos - nota de Santana Castilho

"No dealbar deste Dia, retomo palavras que dirigi aos professores do meu país, noutro Dia, não distante: 

Se eu fosse músico, apanhava todos os sons do riso das crianças, mais os gritos de raiva que abalam a Injustiça, o bater do coração que finalmente alcança, juntava tudo num cantar de Esperança e, neste dia, enchia com ele o ar à tua volta. 

Mas, sabes bem, eu sou apenas mais um… Podia ser pintor e agarrar o Sol, o Mar e o Voo, meter-lhes dentro a alma da tua Escola, marcá-los com o brilho dum olhar – claro como gelo ao sol do despertar, quente como fogo a arder no peito de quem vive - e encher com as suas cores o espaço do teu mundo

Mas, sabes bem, eu sou apenas mais um… 

Se eu fosse escritor, sim! Inventava as palavras que dizem a Justiça por que anseias – desde a raiz da Vida até ao fim do Tempo –, as mesmas palavras que dizem Liberdade e Razão, e com essas palavras que inventasse, fazia da Vida que constróis o teu Poema

Mas, sabes bem, eu sou apenas mais um…" 

Santana Castilho

A irresponsabilidade de Crato

"Nuno Crato recusou a proposta de passar o exame de ontem para dia 20. Convocou todos os professores e houve mesmo, segundo relatos dos sindicatos, uma escola onde foram chamados dezenas de professores para vigiar o exame de um só aluno. Noutras, o exame realizou-se na cantina, para poupar nos professores, violando a regra que apenas permite 20 alunos por sala. Até terapeutas da fala, formadores e professores da própria disciplina terão sido chamados para vigiar. Mensagens de telemóvel do exterior com quem estava a fazer o exame, atrasos no começo da prova, alunos fechados à chave nas salas, inexistência de secretariado de exames ou ausência de vigilantes coadjuvantes. Tudo a léguas da normalidade prometida.
O ministro dirigiu-se ao país, no domingo, para dizer que estavam criadas as condições para realizar o exame com toda a tranquilidade. Estava apostado em fazer da ansiedade dos alunos uma arma no braço de ferro com os professores. O resultado está à vista. Quase um terço de estudantes não conseguiu realizar o exame, o que, tendo em conta que todos os professores estavam convocados e que nem dez mil eram necessários, demonstra uma esmagadora adesão à greve. Alguns estudantes viram as condições em que fizeram o exame perturbadas por alunos que, não o podendo fazer, queriam garantir que mais ninguém o fazia.
Já foi marcada nova prova para 2 de Julho. Ou seja, do ponto de vista prático, Crato tem o mesmo problema que teria se adiasse o exame: foi obrigado a encontrar uma nova data, coisa que dizia ser impossível.
Mas Crato tem um problema agravado: como os alunos que não fizeram o exame vão concorrer às mesmas vagas nas universidades do que os que o fizeram, serão avaliados por exames diferentes. Isso cria uma situação de injustiça (as provas nunca têm o mesmo grau de dificuldade) que alunos e pais não deixarão de contestar (já o começaram a fazer). 
Ao ignorar a ausência de condições para realizar este exame, ao recusar a proposta do adiamento do exame para dia 20 (em que a greve seria impossível) e ao teimar no braço de ferro, Nuno Crato enfiou-se num imbróglio sem saída. Julgava que a chantagem sobre os professores funcionaria e esperava tirar daí dividendos políticos. Não funcionou. Tudo o que fizesse agora para resolver a asneira que cometeu acabaria por criar novos problemas. A isto, num político, chama-se de incompetência.
Não tenho dúvidas que os próximos dias serão usados pelo governo e seus comentadores para responsabilizar os professores por esta confusão sem remédio. E que muitos dos que ainda consideram a greve um mero protesto simbólico, que não deve ter qualquer repercussão prática, acompanharão esta conversa. Não tem razão quem o tente fazer. Mas, mesmo que tivesse, de nada serviria. Quem decidiu manter o exame para ontem foi Crato. Quem tem de responder por tamanha irresponsabilidade é Crato. Quem arrisca a sua credibilidade política em demonstrações de força corre este risco: se a força não for suficiente sai da contenda mais fraco do que estava. Assim ficou Nuno Crato".

Daniel Oliveira
Expresso Online

segunda-feira, junho 17, 2013

A greve - crónica de Pacheco Pereira


O dia D

Hoje vai ser a grande prova de fogo para os professores. Daqui a sensivelmente duas horas ficaremos a saber se a nossa classe estará disposta a defender a qualidade da escola pública.

sábado, junho 15, 2013

A greve dos professores

"1. O conflito entre o Ministério da Educação e os sindicatos dos professores tem várias dimensões. Uma delas é absolutamente trivial, do foro dos habituais choques entre empregadores e empregados e tem que ver com o número de postos de trabalho. Neste caso, o que é novo é apenas a agressividade do plano, a dimensão do ajustamento pretendido, e que se adivinha escondido por detrás do sussurrante discurso ministerial.
Nuno Crato está evidentemente pressionado por Vítor Gaspar, pelo Orçamento, pela troika, pela exigência da diminuição do número de funcionários públicos. Pretende reduzir drasticamente o número de professores - e já em 2014. A chamada "mobilidade especial" é um evidente eufemismo que visa despedir contornando a lei. O objetivo do plano é muito preciso: dispensar professores, acabar com os contratados. E isto só se faz carregando nos horários dos professores que fiquem.
Os sindicatos, como é habitual, defendem o que têm. Não querem saber da reorganização do Estado. Querem acreditar que o dinheiro chega para tudo, como quando o País, dirigido pelas mesmas forças políticas que agora o dizem querer colocar no bom caminho - que tinham comportamento típicos de seita mas agora são excelsos defensores da causa pública - gastavam sem pensar no amanhã e acrescentavam diária e levianamente os mapas de pagamentos.
Também todos sabemos a origem deste milagre. Esta contemporânea "competência" do Estado é alimentada a chicote pela troika. Os exames estão cada vez mais difíceis, mas ainda é este dinheiro que mantém o País em respiração assistida.
2. O plano de Crato tem, a reboque desta imediata necessidade financeira, uma outra dimensão que é, muito justamente, contrariada pelos sindicatos: trata os professores como operadores de uma qualquer unidade de trabalho intensivo. Numa área em que é preciso cuidar da qualidade, só se vê no ministério a preocupação pela quantidade. Não é apenas passar de 35 para 40 horas semanais, esquecendo que a atividade do professor - dos bons professores - sempre teve um enorme acrescento de horas, até aos fins de semana, no espaço familiar. Onde o plano de Crato se revela em todo o seu esplendor de miopia financeira é nas 22 horas da componente letiva, que até aqui tinham descontos devido à idade e aos cargos exercidos na escola, e que agora são obrigatórias para todos. Apenas porque, percebe-se, é preciso pagar a menos pessoas.
O Governo quer que os professores cumpram uma tarefa, com horários e números de alunos por turma que irão fazer Bolonha parecer um delírio perdido no tempo. Se os professores têm ou não condições para ensinar, é coisa que não parece estar presente nas preocupações do Ministério da Educação. E isso é grave. Merece, obviamente, esta polémica greve em que os alunos são escudos para os dois lados e não só de um.
3. O que separa Portugal dos países mais evoluídos, e com uma situação económica bem diferente da nossa, por desafogada, não é o número de horas de trabalho, como inocentemente acreditam alguns dos líderes portugueses, políticos e empresariais, mal preparados.
A competitividade não tem que ver, apenas, com o número de horas de trabalho. Os trabalhadores mais desonestos sempre passaram tantas horas no emprego, sem acrescentarem nada de relevante, quanto os seus líderes a negociar à mesa do almoço e do jantar.
O que separa Portugal dessas sociedades que coletivamente invejamos é a qualidade das decisões, a qualidade do trabalho. É isso que permite empresas e Estados prósperos, onde os cidadãos trabalham melhor porque também têm mais tempo para a família e são por isso mais felizes.
O Governo mostra-se incapaz de compreender isto. Está a produzir, em todas as áreas, um país de gente infeliz, revoltada, mesmo entre os que não fazem (ainda) parte do batalhão de desempregados. E quer, agora, transformar as escolas em exemplo vivo de tudo isto. A necessidade não consegue explicar tudo!".
 
João Marcelino
DN

quinta-feira, junho 13, 2013

Santana Castilho, em entrevista à Antena 1, a propósito da luta dos professores

Jornalista: Como é que observa todo este diálogo que houve entre ministério e sindicatos a propósito da greve de 2ª-feira , nas últimas semanas?

«O diálogo entre os sindicatos e o ministério veio muito tarde. A educação e a escola pública há muito tempo que têm sido alvo de uma perseguição feroz por parte deste governo completamente incompetente.
Em minha análise, os sindicatos cometeram um erro ao circunscreverem os motivos pelos quais decretaram (finalmente!, em minha opinião)  a greve,  à questão da mobilidade especial e das 40 horas. O problema é muito mais grave do que isso. As razões são muito mais fundas e duram há muito tempo

Nós temos um governo que, em meu entender, tem feito autêntico terrorismo social. E os professores e os funcionários públicos foram, em minha análise, as duas classes mais marcadas por isso. Os professores têm sido humilhados como nenhuma outra classe profissional o foi. 
Os professores fazem esta greve, porque têm um receio legítimo sobre a sobrevivência do ensino público. Porque, na prática, os quadros de nomeação definitiva foram completamente pulverizados. Os professores rejeitam a vulgarização da precariedade como forma de esmagar salários, que tem sido, de facto, a política dominante deste governo em relação a toda a gente.
Aquilo que o governo quer fazer ao funcionalismo público, ele faria aos privados se pudesse! E, para isso, mente despudoradamente pela boca do ministro da educação.

Quando o ministro da educação vem, como veio à televisão, com falinhas mansas, dizer que ele até tinha vinculado 600 professores no último concurso, mentiu despudoradamente. Como se os portugueses fossem estúpidos! Aquilo que ele fez foi um despacho para uma pré-vinculação de 600 professores contratados - dos 15 mil que já despediu no último ano! - dos 28 mil que, desde que chegou ao ministério, liquidou, varreu do sistema! O que ele fez foi, no mesmo despacho, abrir 600 vagas, mas não falou das 12 mil que fechou na mesma altura! E, por outro lado, estas 600 vagas, de momento, não vincularam ninguém. Só em Setembro, se os professores arranjarem uma escola onde ficar é que passarão a estar vinculados. E é óbvio que não vão arranjar! Ou, pelo menos, a grande maioria não vai arranjar, de facto, vaga em escola nenhuma.

 
Concretamente em relação à greve, àquilo que a vossa abertura do programa noticiou, de que os professores teriam sido convocados massivamente (pelo júri nacional de exames) para estarem presentes no próximo dia 17:
em minha opinião, o júri nacional de exames não tem nenhum vínculo hierárquico com os directores das escolas nem com os professores, para fazer isso.
Aquilo que foi feito foi uma 'orientação'. É esse o título de um e-mail que chegou às escolas: uma 'orientação'. Ora isto, em meu entender, não obriga as escolas. Isto denota uma grande cobardia por parte de um ministro que, além de mentiroso, de facto, é cobarde. Incumbe um júri nacional de exames de tomar uma medida que vale o que vale. 
Os professores em greve não têm que comparecer na escola.
Aliás, é ridículo - e é desonesto, em minha opinião - que um ministro e um governo que aceitam um colégio arbitral, como está na lei, para decidir sobre os 'serviços mínimos', depois da decisão do colégio que eles aceitaram!! , venha agora apelar para um tribunal administrativo porque, depois de a decisão ser «Não há serviços mínimos», então agora ela não vale! Quer dizer, isto é de uma desonestidade, de uma brincadeira contra uma coisa que é séria, que são as leis deste país, contra uma Constituição... - e isso de que me fala, através do júri nacional de exames, não é mais do que um expediente para causticar a totalidade dos professores! 
Quer dizer, em resumo: o que é que ..»

Jornalista: Funciona como  instrumento de pressão?
«Funciona como um instrumento de pressão, mas um  instrumento de pressão deplorável, de gente que não é honesta e que não sabe perder. O governo perdeu, de facto. Este governo desde o princípio que desrespeita as leis do país. Um governo que, por várias vezes - duas, pelo menos! - em instrumentos seriíssimos e importantes como o Orçamento, é corrigido pelo Tribunal Constitucional..
É um governo que sistematicamente tenta, de maneira clandestina, governar como se o país estivesse em 'estado de excepção', que ultimamente tem recebido o suporte do senhor presidente da República. É curioso verificar que uma pessoa que, no estrangeiro, nunca se refere às questões internas do país, ontem, em Estrasburgo, permitiu-se - no estrangeiro - falar sobre a greve dos professores ... »

Jornalista: Precisamente, e deixar um recado aos professores: "que não gosta de ver os jovens utilizados como meios para alcançar fins"..

«Pois, mas eu teria preferido ver o presidente da República a não gostar de ver os sistemáticos ataques que este governo tem feito à escola pública e aos professores! Mas enfim, o senhor presidente da República naturalmente que é livre de fazer aquilo que entender, tal como eu sou livre de ler o significado das coisas que ele faz.
De facto, os professores estão em greve. Não defendem fundamentalmente a sua mobilidade especial. Aliás, a 'mobilidade especial' é uma figura que se aplica aos chamados 'professores do quadro'. Mas a questão não é essa! É que nós, depois de o ministro Crato ter varrido do sistema quase 30 mil professores, temos agora 13 mil e tal professores que estão contratados; que são essenciais nas escolas portuguesas e que estão em risco de, em Setembro, estarem na rua!
E depois não é (só) isso! É que esta gente, sistematicamente e porque tudo tem sido mole e tem sido frouxo, tem feito aquilo que eu qualifiquei no início da minha intervenção como terrorismo social
É isso que está aqui em causa. É isso que se joga! É defender uma escola pública para todos os portugueses! Que é um valor constitucional, é um valor civilizacional, é um instrumento da soberania do país! E impedir que se instaure uma escola privada para os ricos e uma escola limitada para os pobres. É esta a questão! É isto que os portugueses têm que perceber e é por isto que os professores estão em luta!»

Jornalista: É então isso que está em causa?

«É isso que está aqui em causa, de facto, em minha análise, E ESPERO BEM QUE OS PROFESSORES PORTUGUESES PERCEBAM A RESPONSABILIDADE QUE TÊM NESTA ALTURA. Foi tarde, mas finalmente, parece que alguma coisa está a acontecer neste país!»

segunda-feira, junho 10, 2013

O calvário dos professores


"A perseguição aos docentes começou com Sócrates; congelamento de salários durante dois anos e meio, aumento de horários, com inúmeros cargos de coordenação e outros de acompanhamento a alunos a passarem para a componente não letiva de estabelecimento, criada nesta altura, fazendo aumentar as turmas a lecionar e, consequentemente, o trabalho com a correção de testes e com a preparação de aulas. Aumento brutal do número de reuniões semanais a realizar para resolver as inúmeras responsabilidades educativas e sociais que entretanto foram chegando às escolas, na sequência da chamada escola a tempo inteiro. Entretanto, a maioria dos professores passou a trabalhar mais de 35 horas na escola e quase outro tanto em casa, se considerarmos os picos de trabalho nos períodos de avaliação e os dividirmos pelas várias semanas do período. A burocracia tem aumentado sempre desde então. O aumento da idade da reforma, que passou dos 36 anos de serviço, média dos 58 anos para os 65 frustrou as expectativas de muitos professores que, legitimamente, viam reconhecido o enorme desgaste da profissão. A campanha então encetada de desvalorização dos docentes aumentou brutalmente a indisciplina e o desrespeito pelos docentes dificultando muito o seu trabalho. Uma avaliação injusta foi implementada, destruindo o trabalho cooperativo, colocando docentes contra docentes.
Com este governo continuou o congelamento, o descongelamento entretanto operado não foi suficiente para a progressão dos docentes avaliados com excelente e muitos estão no mesmo escalão há mais de 10 anos. Vieram os cortes de salários até 10%, depois os cortes nos subsídios, entretanto os professores ganham hoje muito menos do que em 2005. A criação de agrupamentos eliminou muitos postos de trabalho e fez aumentar muito o trabalho burocrático dos docentes, que são cada vez menos nas escolas e vêm o seu trabalho aumentar atá ao impossível. A saída para a reforma de muitos docentes no limite, com forte penalização, retirou milhares de docentes das escolas nos últimos 2 anos. Para diminuírem o número de contratados, aumentaram o número de alunos por turma, mesmo nas turmas com alunos que necessitam de intervenção em educação especial. Eliminaram disciplinas do currículo e existência de par pedagógico em disciplinas de trabalho prático, onde é necessário acompanhar individualmente o trabalho dos alunos durante toda a aula. A despesa com educação em percentagem do PIB foi reduzida em dois pontos percentuais. Ainda tiveram a lata de dizer que os docentes deveriam aguentar isto tudo, porque manteriam o “privilégio” de não serem despedidos. Os do quadro evidentemente, porque há contratados com mais de 20 anos de serviço, que foram sumariamente dispensados no último ano, na ordem dos milhares. Porque ainda acham que não chega, e a conversa é sempre como se não tivesse havido corte nenhum até ao momento, vêm com a cereja; vamos aumentar ainda mais o horário de trabalho e os que ficarem sem horário letivo vão ter que se deslocar para uma qualquer escola do território, sem qualquer compensação, em alternativa terão o despedimento, perdão “a requalificação”. Acham que os professores são piegas? Os professores estão muito preocupados com os seus alunos, ao contrário dos governantes, são eles que nas escolas lhes matam a fome e que fora das aulas tentam arranjar roupa para distribuir por alunos de famílias que se viram desprovidas até da dignidade, nos últimos 2 anos. Os professores estão exaustos de tanta mentira, de tanta falsidade, de campanhas hediondas de despromoção de uma classe, que um país não pode desperdiçar. São o bode expiatório de um governo que, não conseguindo cortar onde devia, reduzirá a educação ao mínimo, não através de um amplo debate junto dos cidadãos sobre o tipo de educação que se pretende, mas humilhando os docentes todos os dias".

domingo, junho 09, 2013

Quem anda a fazer mal aos alunos?

"Peço ao leitor que imagine um aluno. Dê-lhe um nome, escolha-lhe o sexo, invente-lhe dificuldades. Pense, ainda, que essas dificuldades podem resultar de vários factores mais ou menos malignos: violência doméstica, bairro complicado, pais ausentes, dificuldade de acesso a bens materiais e/ou bens culturais, ausência de estímulos intelectuais, o que quiser.
Dê a mão ao seu aluno imaginário e leve-o até à Escola do Primeiro Ciclo do Ensino Básico (se, com o fecho de centenas de escolas, ficar muito longe, vai ter de lhe dar boleia). A turma tem trinta alunos, todos eles numa idade em que a energia parece ser inesgotável. O seu aluno, devido às referidas dificuldades, precisa de um acompanhamento próximo, o que se torna impossível, porque o professor (pode imaginar uma professora, se preferir) não tem tempo para atender a todos os problemas de cada uma daquelas trinta crianças, trinta universos únicos.
É claro que a Escola sempre teve e continuará a ter dificuldade em resolver os problemas cuja origem esteja a montante ou ao lado, mas cabe a uma sociedade civilizada criar as condições para que, pelo menos, se aproxime, o mais possível, de um ideal. Aumentar o número de alunos por turma é escolher o caminho oposto ao do ideal.
O seu aluno, melhor ou pior, chegará ao final do Primeiro Ciclo com muitas das mesmas dificuldades que já trazia, porque, entretanto, os problemas pessoais, sociais e familiares, provavelmente, não terão desaparecido. No meio dos trinta alunos, ao longo dos quatro anos de escolaridade, a Escola dificilmente terá contribuído para minorar, o mais possível, as referidas dificuldades. Os exames impostos pelo antigo crítico do eduquês servirão para fingir uma exigência que não foi possível praticar e ensinar poderá ser substituído, facilmente, pelo treino para o exame.
O seu aluno irá prosseguir a vida escolar, muitas vezes acompanhado por vinte e nove colegas na mesma sala de aula, com professores a quem continuará a ser retirado o tempo necessário para preparar aulas ou corrigir testes, com currículos empobrecidos. As dificuldades avolumam-se, a desmotivação aumentará. Os que tiverem possibilidade, poderão frequentar explicadores. Os outros, face à crescente dificuldade em criar apoios nas escolas, terão de ser reprovados ou encaminhados para um ensino profissionalizante transformado em recurso, o que, perversamente, é a prova de que a sociedade não se preocupou em transformar verdadeiramente a Escola numa entidade que pudesse recuperar, compensar, o mais possível, os problemas de cada aluno.
Até 2005, a Educação, em Portugal, nem sempre soube escolher os melhores caminhos, mas, a pouco e pouco, com demasiados erros, é certo, era possível verificar melhorias. A partir de 2005, desde Maria de Lurdes Rodrigues até hoje, o edifício em mau estado tem vindo a ser demolido, metodicamente. Se os alunos têm aprendido, se têm evoluído, o mérito deve-se, apenas, aos profissionais do ensino, malabaristas que são obrigados a suportar os dislates que o Ministério da Educação lança, quotidiamente, sobre as escolas, ao mesmo tempo que vão, com crescentes dificuldades, fazendo o melhor possível.
Os professores, a várias vozes, andam, há anos, a tentar explicar aos sucessivos governos que as políticas estão erradas: com Sócrates, era o marketing dos relatórios da OCDE, os computadores e a festa da Parque Escolar; com Coelho, confirmou-se o despedimento de professores preparado pelos anteriores governos e o aumento do número de alunos por turma. E estou a ser escandalosamente sintético, porque há mais problemas.
Como já escrevi anteriormente – sem grande originalidade, de resto –, se uma pessoa qualificada numa determinada área fala, repete, aconselha, insiste e não é ouvida, o que lhe resta senão gritar? Depois de todo este tempo, os professores são obrigados, então, a recorrer a uma greve duríssima, porque o que está em causa é demasiado grave, também, para a vida dos próprios professores, profissionais que, por estranho que possa parecer, são pessoas.
Já se sabe que haverá quem se indigne, lembrando que há outros que estão piores e aguentam. Reconheço que vivemos numa sociedade em que o esboroamento dos direitos laborais retira a muitos a possibilidade de reivindicar. Espero, assim, que esta luta dos professores sirva de exemplo e possa arrastar todos aqueles que não estejam dispostos a aguentar, esse verbo tão da preferência de banqueiros.
Os governantes e respectivos satélites amestrados, todos responsáveis pela agressão quotidiana aos jovens, todos participantes nas mesmas políticas que retiram à Escola a possibilidade de ser melhor, andam pelos jornais e pelas televisões a derramar lágrimas hipócritas, procurando convencer a opinião pública de que os professores estão a prejudicar os alunos, ao decidir fazer uma greve que, afinal, está a ter efeitos. O desnorte é tal que Passos Coelho, coitado, dá por si a aconselhar os professores a fazer greve a outro exame.
Se o leitor for um cidadão responsável e informado, mesmo que não tenha filhos ou mesmo que o aluno imaginário não corresponda à situação do seu filho, deve tomar como lição o adágio que lembra que a educação de uma criança é da responsabilidade da aldeia toda. As agressões a que o governo sujeita os alunos não constituem um problema exclusivo dos pais: são um problema do país.
Seria importante que os sindicatos incluíssem esses problemas na lista de reivindicações? Com certeza que sim, mas é importante que os professores tenham a companhia de muitos outros".
 

sábado, junho 08, 2013

Verdadeiramente anedótico

O primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, apelou nesta sexta-feira aos sindicatos dos professores para que canalizem o seu protesto para a greve geral marcada para 27 de Junho, suspendendo a paralisação convocada para dias de avaliações e exames nacionais.
Esquece-se o primeiro-ministro que no dia 27 de junho estão agendados os exames de Matemática para o 6º e 9º anos. Não há palavras para descrever a incompetência deste senhor.

quinta-feira, junho 06, 2013

Entrevista de Mário Nogueira e José Dias da Silva à RTP Informação


Mário Nogueira, vai estar esta noite na TVI 24

O Secretário Geral da FENPROF é o convidado do programa de informação "Política Mesmo", que vai para o ar esta noite, às 22.00 H, na TVI 24. Durante cerca de meia hora, Mário Nogueira responderá em direto às perguntas do jornalista Paulo Magalhães.

Requisição civil sem efeitos práticos

"Para ser aplicada, o conselho arbitral tem de determinar serviços mínimos e estes não podem estar a ser assegurados na greve marcada para o dia 17.
A requisição civil, à disposição do ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, não terá qualquer efeito prático na intenção de evitar a greve geral convocada pelos professores para o dia 17. Para ser acionada, explicou João Dias da Silva, secretário-geral da Federação Nacional de Educação (FNE), são necessários dois pressupostos cumulativos: a determinação de serviços mínimos por parte do colégio arbitral e que estes serviços não sejam assegurados pelos docentes no dia do primeiro exame nacional (Português).
"O colégio arbitral tem até dia 12, no máximo, para decidir se há serviços mínimos para o dia 17. Se forem determinados, então só se os trabalhadores não os assegurarem é que o Ministério pode acionar a requisição civil", explica João Dias da Silva, acrescentando: "A greve é só de um dia. Dificilmente terá efeitos práticos, porque o Governo tem de confirmar, no dia, que os serviços mínimos não estão a ser assegurados."
Para Mário Nogueira, secretário--geral da Fenprof, a requisição civil é uma questão que não se coloca por ser ilegal. "Não se pode fazer uma requisição civil de professores porque não é permitido por lei", afirmou Mário Nogueira, que aguarda a decisão do colégio arbitral sobre a definição de serviços mínimos.
A mesma posição tem o Ministério, que aguarda a decisão do colégio arbitral para tomar uma posição que garanta a realização dos exames.
A única forma possível, dizem os sindicatos, para a greve geral ser desconvocada passa pelo recuo do Governo e do Ministério da Educação e Ciência na intenção de incluir os professores no regime de mobilidade e requalificação geral da função pública.
Para hoje está prevista a última ronda negocial entre as estruturas sindicais dos professores e representantes do Ministério da Educação e da Administração Pública. A expectativa dos docentes é que o consenso não será possível".
 
CM 

quarta-feira, junho 05, 2013

Os três pastorinhos e a greve dos professores - crónica de Santana Castilho

"Depois do presidente Cavaco, que não é palhaço como sugeriu Miguel Sousa Tavares, ter atribuído à Nossa Senhora de Fátima a inspiração da trindade que nos tutela para fechar a sétima avaliação, vieram três pastorinhos (Marques Mendes, Portas e Crato) pregar no altar do cinismo, a propósito da greve dos professores: “ … marcar uma greve para coincidir com o tempo dos exames nacionais … não é um direito … é quase criminoso … é uma falta de respeito … ” (Marques Mendes); “… se as greves forem marcadas para os dias dos exames, prejudicam o esforço dos alunos, inquietam as famílias …” (Portas); “… lamentamos que essa greve tenha sido declarada de forma a potencialmente criar problemas aos nossos jovens, na altura dos exames …” (Crato). Marques Mendes “redunda” quando afirma que a greve é um direito constitucional. Mas depois qualifica-a de abuso e falta de respeito. Que propõe? Que se ressuscite o papel selado para que Mário Nogueira e Dias da Silva requeiram ao amanuense Passos a indicação da data que mais convém à troika? Conhecerá Portas greves com cores de arco-íris, acetinadas, que sejam cómodas para todos? Que pretenderia Crato? Que os professores marcassem a greve às aulas que estão a terminar? Ou preferia o 10 de Junho? A candura destes pastorinhos comove-me. Sem jeito para sacristão, chega-me a decência mínima para lhes explicar o óbvio, isto é, que os professores, humilhados como nenhuma outra classe profissional nos últimos anos, decidiram, finalmente, dizer que não aceitam mais a desvalorização da dignidade do seu trabalho. 
  • Porque se sentem governados por déspotas de falas mansas, que instituíram clandestinamente um estado de excepção. 
  • Porque, conjuntamente com os demais funcionários públicos, se sentem alvo da raiva do Governo, coisas descartáveis e manipuláveis, joguetes no fomento das invejas sociais que a fome e o desemprego propiciam. 
  • Porque têm mais que legítimo receio quanto à sobrevivência do ensino público. 
  • Porque viram, na prática, os quadros de nomeação definitiva pulverizados pelo arbítrio. 
  • Porque rejeitam a vulgarização da precariedade como forma de esmagar salários e promover condições laborais degradantes. 
  • Porque foram expedientes perversos de reorganização curricular, de aumento do número de alunos por turma e de cálculo de trabalho semanal que geraram os propalados horários-zero, que não a diminuição da natalidade, suficientemente compensada pelo alargamento da escolaridade obrigatória e pela diminuição da taxa de abandono escolar. 
  • Porque a dignidade que reivindicam para si próprios é a mesma que reclamam para todos os portugueses que trabalham, sejam eles públicos ou privados. 
  • Porque sabem que a tragédia presente de professores despedidos será o desastre futuro dos estudantes e do país. 
  • Porque a disputa por que agora se expõem defende a sociedade civilizada, as famílias e os jovens. 

Rejeito a modéstia falsa para afirmar que poucos como eu terão acompanhado o evoluir das políticas de educação dos últimos tempos. Outorgo-me por isso autoridade para afirmar que é irrecuperável a desarmonia entre Governo e professores. A confiança, esse valor supremo da convivência entre a sociedade civil e o Estado, foi definitivamente ferido de morte quando a incultura, a falta de maturidade política e o fundamentalismo ideológico de Passos, Gaspar e Crato trouxeram os problemas para o campo da agressão selvagem. Estes três agentes da barbárie financeira vigente confundiram a legitimidade eleitoral, que o PSD ganhou nas urnas, com a legitimidade para exercer o poder, que o Governo perdeu quando escolheu servir estrangeiros e renegar os portugueses e a sua Constituição. Com muitos acidentes de percurso, é certo, a Nação cimentada pela gestão solidária de princípios e valores de Abril está a ser posta em causa por garotos lampeiros, apostados em recuperar castas e servidões. Alguém lhes tem que dizer que a educação, além de direito fundamental, é instrumento de exercício de soberania. Alguém lhes tem que dizer que princípios que o Ocidente levou séculos a desenvolver não se podem dissolver na gestão incompetente do orçamento. Alguém lhes tem que dizer que o desemprego e a fome não são estigmas constitucionais. Que sejam os professores, que no passado se souberam entender por coisas bem menores do que aquelas que hoje os ameaçam, esse alguém. Alguém suficientemente clarividente para vencer medos e comodismos, relevar disputas faccionárias recentes, pôr ombro a ombro contratados com “efectivos”, velhos com novos, os “a despedir” com os já despedidos. Alguém que defenda o direito a pensar a mais bela profissão do mundo sem as baias da ignorância. Alguém que diga não à transformação da educação em negócio. Alguém que recuse transferir para estranhos aquilo que nos pertence: a responsabilidade pelo ensino dos nossos alunos".
Santana Castilho
 

terça-feira, junho 04, 2013

segunda-feira, junho 03, 2013

A greve dos professores

"Paulo Portas fez dois apelos: que os professores não fizessem greve nos dias de exames e que a UGT negociasse com o governo em sede de concertação social.
 
A ideia de Portas é que os professores têm todos os outros dias do ano para fazer a paralisação. E que escolheram os piores de todos. O que mais mossa causa. Serei, como pai de uma aluna do 9º ano, prejudicado por esta greve. E, no entanto, acho este apelo descabido.
 
As greves não têm como objetivo fazer com que a entidade empregadora poupe um dia de salários, os grevistas vejam o seu ordenado ainda mais reduzido e, no dia seguinte, tudo continue na mesma. Só fazem sentido se forem uma forma de pressionar o outro lado de um processo negocial a ceder. Foi para isso que foram criadas.
 
Sim, fico irritado se esta greve acontecer. E, por isso mesmo, exijo, como cidadão, que o governo a evite. Recuando no que pretende fazer aos professores. Acho compreensível que, quem concorde com as medidas do governo, ache que são os professores que devem ceder. O que não me parece aceitável é que, numa luta que tem dois lados, se finja que só existe um. Pior: que se diga aos professores que só devem fazer greve quando ela não tenha qualquer efeito no processo negocial. Quem escolheu as vésperas de dois exames nacionais para avançar com estas brutais propostas? Quem apresentou medidas de tal forma radicais que nem podem ser consideradas uma base séria para qualquer negociação?
 
Paulo Portas quer evitar esta greve? Sendo membro do governo, use o lugar que ocupa para apelar ao primeiro-ministro, ao ministro das Finanças e ao ministro da Educação para recuarem. Não espere que, para não perder ele o emprego, os professores estejam disponíveis para perderem o seu e para verem as suas condições de trabalho brutalmente degradadas. Portas não pode falar como se fosse um árbitro nesta história. É uma das partes. A parte que não parece estar disponível para ceder".
 
Daniel Oliveira
Expresso Online

sábado, junho 01, 2013

Excerto da mensagem de Pacheco Pereira enviada ao encontro da Aula Magna

"(...) O que está a acontecer em Portugal é a conjugação da herança de uma  governação desleixada e aventureira, arrogante e despesista, que nos conduziu às portas da bancarrota, com a exploração dos efeitos dessa política para implementar um programa de engenharia cultural, social e política, que faz dos portugueses ratos de laboratório de meia dúzia de ideias feitas que passam por ser ideologia. Tudo isto associado a um desprezo por Portugal e pelos portugueses de carne e osso, que existem e que não encaixam nos paradigmas de “modernidade” lampeira, feita de muita ignorância e incompetência a que acresce um sentimento de impunidade feito de carreiras políticas intra-partidárias, conhecendo todos os favores, trocas, submissões, conspirações e intrigas de que se faz uma carreira profissionalizada num partido político em que tudo se combina e em que tudo assenta no poder interno e no controlo do aparelho partidário.

Durante dois anos, o actual governo usou a oportunidade do memorando para ajustar contas com o passado,  como se, desde que acabou o ouro do Brasil, a pátria estivesse à espera dos seus novos salvadores que, em nome do "ajustamento" do défice e da dívida, iriam punir os portugueses pelos seus maus hábitos de terem direitos, salários, empregos, pensões e, acima de tudo, de terem melhorado a sua condição de vida nos últimos anos, à custa do seu trabalho e do seu esforço. O "ajustamento" é apenas o empobrecimento, feito na desigualdade, atingindo somente "os de baixo", poupando a elite político-financeira,  atirando milhares para o desemprego entendido como um dano colateral não só inevitável como bem vindo para corrigir o mercado de trabalho, "flexibilizar” a mão de obra, baixar os salários. Para um social-democrata poucas coisas mais ofensivas existem do que esta desvalorização da dignidade do trabalho, tratado como uma culpa e um custo não como uma condição, um direito e um valor.


Vieram para punir os portugueses por aquilo que consideram ser o mau hábito de viver "acima das suas posses", numa arrogância política que agravou consideravelmente a crise que tinham herdado e que deu cabo da vida de centenas de milhares de pessoas, que estão, em 2013, muitas a meio da sua vida, outras no fim, outras no princípio, sem presente e sem futuro.

Para o conseguir desenvolveram um discurso de divisão dos portugueses que é um verdadeiro discurso de guerra civil, inaceitável em democracia, cujos efeitos de envenenamento das relações entre os portugueses permanecerão muito para além desta fátua experiência governativa. Numa altura em que o empobrecimento favorece a inveja e o isolamento social, em que muitos portugueses tem vergonha da vida que estão a ter, em que a perda de sentido colectivo e patriótico leva ao salve-se quem puder, em que se colocam novos contra velhos, empregados contra desempregados, trabalhadores do sector privado contra os funcionários públicos, contribuintes da segurança social contra os reformados e pensionistas, pobres contra remediados, .permitir esta divisão é um crime contra Portugal como comunidade, para a nossa Pátria. Este discurso deixará marcas profundas e estragos que demorarão muito tempo a recompor.

O sentido que dou à minha participação neste encontro é o de apelar à recusa  completa de qualquer complacência com este discurso de guerra civil, agindo sem sectarismos, sem tibiezas e sem meias tintas, para que não se rompa a solidariedade  com os portugueses que sofrem, que estão a perder quase tudo, para que a democracia, tão fragilizada pela nossa perda de soberania e pela ruptura entre governantes e governados, não corra riscos maiores.

Precisamos de ajudar a restaurar na vida pública, um sentido de decência que nos una e mobilize. Na verdade, não é preciso ir muito longe na escolha de termos, nem complicar os programas, nem intenções. Os portugueses sabem muito bem o que isso significa. A decência basta".

Pacheco Pereira
http://www.abrupto.blogspot.pt/