sábado, junho 15, 2013

A greve dos professores

"1. O conflito entre o Ministério da Educação e os sindicatos dos professores tem várias dimensões. Uma delas é absolutamente trivial, do foro dos habituais choques entre empregadores e empregados e tem que ver com o número de postos de trabalho. Neste caso, o que é novo é apenas a agressividade do plano, a dimensão do ajustamento pretendido, e que se adivinha escondido por detrás do sussurrante discurso ministerial.
Nuno Crato está evidentemente pressionado por Vítor Gaspar, pelo Orçamento, pela troika, pela exigência da diminuição do número de funcionários públicos. Pretende reduzir drasticamente o número de professores - e já em 2014. A chamada "mobilidade especial" é um evidente eufemismo que visa despedir contornando a lei. O objetivo do plano é muito preciso: dispensar professores, acabar com os contratados. E isto só se faz carregando nos horários dos professores que fiquem.
Os sindicatos, como é habitual, defendem o que têm. Não querem saber da reorganização do Estado. Querem acreditar que o dinheiro chega para tudo, como quando o País, dirigido pelas mesmas forças políticas que agora o dizem querer colocar no bom caminho - que tinham comportamento típicos de seita mas agora são excelsos defensores da causa pública - gastavam sem pensar no amanhã e acrescentavam diária e levianamente os mapas de pagamentos.
Também todos sabemos a origem deste milagre. Esta contemporânea "competência" do Estado é alimentada a chicote pela troika. Os exames estão cada vez mais difíceis, mas ainda é este dinheiro que mantém o País em respiração assistida.
2. O plano de Crato tem, a reboque desta imediata necessidade financeira, uma outra dimensão que é, muito justamente, contrariada pelos sindicatos: trata os professores como operadores de uma qualquer unidade de trabalho intensivo. Numa área em que é preciso cuidar da qualidade, só se vê no ministério a preocupação pela quantidade. Não é apenas passar de 35 para 40 horas semanais, esquecendo que a atividade do professor - dos bons professores - sempre teve um enorme acrescento de horas, até aos fins de semana, no espaço familiar. Onde o plano de Crato se revela em todo o seu esplendor de miopia financeira é nas 22 horas da componente letiva, que até aqui tinham descontos devido à idade e aos cargos exercidos na escola, e que agora são obrigatórias para todos. Apenas porque, percebe-se, é preciso pagar a menos pessoas.
O Governo quer que os professores cumpram uma tarefa, com horários e números de alunos por turma que irão fazer Bolonha parecer um delírio perdido no tempo. Se os professores têm ou não condições para ensinar, é coisa que não parece estar presente nas preocupações do Ministério da Educação. E isso é grave. Merece, obviamente, esta polémica greve em que os alunos são escudos para os dois lados e não só de um.
3. O que separa Portugal dos países mais evoluídos, e com uma situação económica bem diferente da nossa, por desafogada, não é o número de horas de trabalho, como inocentemente acreditam alguns dos líderes portugueses, políticos e empresariais, mal preparados.
A competitividade não tem que ver, apenas, com o número de horas de trabalho. Os trabalhadores mais desonestos sempre passaram tantas horas no emprego, sem acrescentarem nada de relevante, quanto os seus líderes a negociar à mesa do almoço e do jantar.
O que separa Portugal dessas sociedades que coletivamente invejamos é a qualidade das decisões, a qualidade do trabalho. É isso que permite empresas e Estados prósperos, onde os cidadãos trabalham melhor porque também têm mais tempo para a família e são por isso mais felizes.
O Governo mostra-se incapaz de compreender isto. Está a produzir, em todas as áreas, um país de gente infeliz, revoltada, mesmo entre os que não fazem (ainda) parte do batalhão de desempregados. E quer, agora, transformar as escolas em exemplo vivo de tudo isto. A necessidade não consegue explicar tudo!".
 
João Marcelino
DN

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