sábado, maio 07, 2011

José Sócrates num país que é só imaginário

"Concordemos ou não com a ligeireza ética dos métodos aplicados por José Sócrates, há um traço da sua personalidade que nos deve tocar: a capacidade de o homem se reiventar no discurso, de ficar sempre bem na televisão, mesmo quando, no espaço de poucos dias, proclama uma coisa e o seu inverso, como atesta a versão negra do FMI antes de ser conhecido o programa de austeridade e a versão cor-de-rosa do plano depois de o chefe do Governo ter alcançado um "bom acordo".

O primeiro-ministro de Portugal padece de uma "maleita" que poucos médicos acharão curável: chama-se, em linguagem corrente, singular perspectiva da realidade. E essa patologia tem-no alcandorado ao triunfo, tem feito dele um resistente, um caso de estudo.

José Sócrates só tem lucrado por viver, em grande medida, num país imaginário que não se chama Portugal. Atravessa, altivo, as tempestades, dono da razão. O FMI vergasta a classe média com mais impostos, mas ele, socorrendo-se da tal singular perspectiva da realidade, antecipa-se à chuva torrencial, interrompe um Barcelona-Real-Madrid e anuncia ao povo aquilo que o povo quer ouvir. E o povo que gostou do que ouviu foi muito povo. Provavelmente, terá ganho as eleições de 5 de Junho com tamanho golpe de asa. Porque o impacto da mensagem foi superior aos efeitos que o plano que verdadeiramente nos vai doer terá tido entre os eleitores.

Para aqueles que duvidavam da ferocidade do animal político (como ele próprio se intitulou), basta ler as páginas 6 e 7 desta edição: o primeiro-ministro demissionário, arrastado para o fundo por uma crise sem precedentes, já está à frente das intenções de voto, ultrapassando em dois pontos percentuais um Pedro Passos Coelho que, também ele, arrisca transformar-se, mas pela negativa, num caso de estudo internacional. Como é que um primeiro-ministro com uma imagem tão desgastada consegue continuar a cavalgar desta forma em direcção ao pôr-do-sol é, sem dúvida alguma, um mistério.

A campanha, por isso, promete: com um plano de contenção sufragado por PS e PSD, a discussão centrar-se-á em torno de quem gosta e fez mais por Portugal. Pelo país que existe e por aquele que Sócrates continuará a projectar no seu admirável mundo de ilusionismo".

Pedro Ivo Carvalho
JN

Sem comentários: