segunda-feira, agosto 19, 2013

Apartheid escolar - crónica de Daniel Oliveira

"A um mês das aulas começarem há milhares de alunos sem turma, centenas de professores enviados para horário zero e pais a serem contactados para os seus filhos mudarem de disciplinas. Espera-se um início de ano letivo caótico. Mesmo o ensino profissional, a menina dos olhos deste Governo, está a ser maltratado, com alunos a terem de o abandonar. Para onde estão a ser encaminhados? Para o privado. Esta extraordinária incompetência de Crato é sempre acompanhada por muito voluntarismo. O que o levou a suspender um programa de matemática com bons resultados e a substituí-lo por uma coisa feita em cima do joelho. Porque este divulgador científico, sempre com a boca cheia de rigor, despreza os estudos nacionais e externos, sobrepondo-lhes sempre as suas próprias convicções. Mas, na cabeça de muita gente, Nuno Crato é um bom ministro da Educação. Basta uma boa dose de populismo regada por muitos exames para ganhar esse estatuto.
Duas das primeiras medidas de Nuno Crato foram suspender as obras de renovação das escolas públicas e aumentar os subsídios ao ensino privado. No primeiro caso, algumas dúvidas sobre a ausência de concursos públicos até poderiam ser legítimas. Mas não consta que qualquer irregularidade relevante tenha sido detetada ou qualquer correção tenha sido feita. Foi apenas um argumento de circunstância para acabar com esse investimento. Resultado: há escolas quase novas com os equipamentos inacabados a degradarem-se, com tudo pronto mas sem refeitório, com estaleiros permanentes a apodrecerem. Milhões perdidos em desperdício. Ao mesmo tempo que cortava na educação mais do que a própria troika tinha exigido, Crato suspendeu a redução nos subsídios aos colégios com contrato de associação, determinada pelo governo anterior. Neste caso, os gastos injustificados e a indecência dos compromissos firmados não o pareceram incomodar. Acabou por ser obrigado a retomar estes cortes. Só que desta vez não assistimos a qualquer protesto dos colégios. O que nos leva a perguntar o que lhes terá dado em troca.
Mas tudo isto é apenas a entrada do repasto. O grande objetivo de Crato e dos seus muitos aliados na comunicação social (uma geração de ex-maoistas que, como ele, se converteu ao liberalismo revolucionário), é criar as condições políticas para fomentar, quando voltar a haver dinheiro, o cheque-ensino. Diz-se que a função desta medida será garantir a “liberdade de escolha”. Só que as escolas privadas não terão vagas ilimitadas. Terão de selecionar os alunos. Até por esta ser a melhor forma de garantir a sua própria vantagem competitiva. E farão, claro, a mesma seleção social a que já se dedicam. Ou seja, a liberdade de escolha será apenas para os pais dos melhores alunos ou dos que tenham bom “berço”. Os outros ficarão em escolas públicas que perderão financiamento (o dinheiro para o “cheque” tem de vir de algum lado), onde se concentrarão todos os problemas educativos, sociais e disciplinares. Escolas onde ninguém quererá ter os seus filhos. Não haverá liberdade de escolha. Haverá um apartheid escolar garantido por dinheiro público. A Suécia foi dos últimos países a aderir a esta solução e foi onde os resultados educativos mais desceram na Europa. Portugal foi onde mais subiram. Crato está a corrigir esta anomalia, para tudo voltar ao normal. Mas organiza muitos exames. E isso é que interessa".
 
Daniel Oliveira
Expresso 

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