segunda-feira, novembro 13, 2006

Entrevista a um "examinador" de escolas

É director do INESC nacional e, até Julho último, foi presidente da sua extensão no Porto. É um catedrático da Faculdade de Engenharia do Porto que se sente como peixe na água quando se pronuncia a palavra Ciência. A sua experiência na avaliação de cursos superiores e o percurso académico de Pedro Guedes de Oliveira (61 anos) levaram-no a assumir o cargo inédito de "examinador" das escolas. Diz que a Ciência é o seu "habitat" e, em conversa à parte da entrevista, informa que não continuará nestas funções a partir de Janeiro. A missão exige uma estrutura permanente e não um Grupo de Trabalho.

Quando a ministra o convidou para ser o "avaliador" das escolas, achou que a missão era atractiva
?
Achei que era importante, sem querer sobrevalorizar aquilo que tenho feito. Só uma vista externa nos ajuda a olhar melhor para nós próprios. Sempre acreditei que essa visão externa deve ser susceptível de ser levada a cabo por não especialistas. A escola não deve ser um mundo fechado.
Não é obrigatório, por exemplo, que seja um professor primário a avaliar uma escola do 1.º Ciclo?
Podia ser, mas não é necessário. A escola deve ser capaz de se mostrar a um grupo exterior e de responder perante os seus "stakeholders", isto é, a representação dos interesses que justificam a sua existência. Uma escola existe para prestar um serviço. A missão deste Grupo de Trabalho visa um conjunto de objectivos que passam pela avaliação das escolas. Quem é pago por dinheiros públicos tem de prestar contas.
A propósito de "stakeholders", concorda com a ideia de os pais passarem a ter uma intervenção indirecta na avaliação dos docentes?
Desde que isso seja feito com bom-senso, não tenho qualquer objecção. Do mesmo modo, sempre achei que os alunos devem ser um elemento importante na avaliação dos professores no Ensino Superior, tal como sucede noutros países. Em Portugal, já se vai fazendo, mas com pouca clareza. As notas não são tornadas públicas. E devo dizer que é estranho uma classe que passa a vida a avaliar, e que vê os jovens com a sua vida às voltas por falta de umas centésimas que não os deixa entrar em Medicina, esteja sempre com medo das avaliações só porque elas não são justas. Não são com certeza sempre justas. Ninguém pode dizer que aquele aluno com mais duas centésimas merecia mais entrar em Medicina. Apesar de tudo, é inevitável. E é possível montar sistemas mais justos, menos arbitrários e que apresentem alguma coisa de válido.
Simpatiza com as linhas gerais do Estatuto da Carreira Docente (ECD) proposto pelo Governo?
Conheço só as linhas muito gerais, mas há coisas com as quais simpatizo e outras com que não simpatizo de todo. Não concordo com a extensão do estatuto. Devia ser uma coisa simples e fácil de ler. Não devia ser enorme e muito regulamentar. É um problema que temos em Portugal, mas o mesmo se passa na carreira universitária. Acho inevitável que haja escalões e que esses correspondam a estágios diferentes de desenvolvimento de competências e de responsabilidades. É justo e realista que não haja espaço para todos aqueles que forem muito bons. Quando o número é ilimitado, toda a gente vai até ao topo.
Como na universidade, onde não há cátedras para todos.
Exactamente. Acho, portanto, normal que assim seja. E eu até acho que devia haver mais do que dois estágios (professor e professor titular). Acho absolutamente razoável que uma pessoa, vendo que tem a sua evolução de carreira tapada, procure outros sítios. Acho óptimo que se induza mobilidade. As pessoas têm de se habituar.
Quanto às partes que considera mais críticas.
Não acho bem que sejam os coordenadores de departamento a ter uma parte muito activa na avaliação. Eles são eleitos por um período temporário. É complicado quando alguém que hoje avalia, porque foi eleito, está amanhã a ser avaliado, porque é eleitor. Eu posso avaliar o produto do trabalho de alguém. Não avalio a pessoa, mas sim o produto do seu trabalho.
Mas, globalmente, o ECD é justo?
Há justeza em muitas medidas. Mas por mais justas que as medidas sejam, serão sempre desconfortáveis para quem as recebe. Compreendo o facto de os professores estarem chateados. Parece que tudo é penalizante. Ao longo dos anos, houve muito disparate que foi feito. Os próprios membros da classe acham injusto que todos sejam tratados por igual.
Segundo o ECD, serão os titulares a ter papéis de maior responsabilidade. Acha que temos quadros com perfil de pró-gestores, sobretudo se a escola for autónoma?
Quem, como eu, tem uma vida profissional longa e esteve à frente de instituições, sabe que é mais difícil encontrar gente capaz de liderar do que de trabalhar bem. Tenho encontrado entre os nossos alunos profissionais fantásticos. Mas não é fácil encontrar pessoas que liderem bem. Este perfil é necesário em todas as instituições.
Nomeadamente nas escolas?
É normal que não as encontre muito num meio em que as pessoas foram orientadas para serem professores e não gestores. É natural que haja docentes que gostem dessa via e que, ao longo dos anos, se vão apetrechando com as competências necessárias para gerir. As equipas de gestão ideais são aquelas cuja matriz de formação seja a de professor.
A eleição é o método correcto de escolher essas pessoas?
A eleição não é a melhor forma de escolha para o presidente do Conselho Executivo. Podia haver uma comissão de avaliação constituída por professores e fazer-se um concurso. Por exemplo, abria-se um lugar no Conselho Executivo em dada escola, podendo concorrer qualquer professor, mesmo que seja de outro estabelecimento. A escola que abriu esse lugar nomearia 10 professores que avaliariam os candidatos. Para além do CV, o candidato teria de apresentar uma estratégia de actuação para aquela escola face aos seus problemas concretos.
Agora que foram escolhidas 24 escolas para se candidatarem a contratos-programa, até onde julga que deveria ir a autonomia?
Essas escolas foram avaliadas e o grupo de trabalho identificou pontos fortes e fracos. Os estabelecimentos tiveram direito ao contraditório e agora vão poder apresentar as respectivas estratégias. Vão dizer o que precisam para melhorar.
Para muitas escolas, a autonomia financeira não parece ser o objectivo principal.
Para muitas escolas, o dinheiro nem é problema central. E quanto à autonomia, a responsabilidade de gestão financeira é muito complicada. Mas pode haver maior flexibilização a esse nível.
Encontrou escolas cujo grande objectivo era poder contratar quem entendessem?
Alguns conselhos executivos de escolas queriam poder "segurar" professores de quem gostassem muito.
Não se está a passar a ideia de que a autonomia é o paraíso?
Para a maior parte das vezes que me têm falado desse assunto, a autonomia é a palavra-chave em detrimento da avaliação. Como se esse fosse o grande objectivo. Isso corresponde a um falso paradigma ideológico (equiparação ao privado).
Cada escola é um caso?
Em seis escolas que visitei pessoalmente, é impressionante ver as diferenças. Encontrei coisas fantásticas. As 24 agora escolhidas não são necessariamente as melhores. Depois virão mais 100 e por aí fora. Todas têm direito a negociar a autonomia, mas depois é necessário fiscalizar.
Como vai decorrer a partir de agora o processo de avaliação?
Nesta segunda fase, entrarão as 100 já identificadas e que se candidataram. Na terceira fase, a partir de 2008, deverá ser por sorteio e não por candidatura. Mesmo que não queiram, as escolas têm de ser avaliadas. Uma escola que não quiser ser avaliada é um problema muito mais complicado.
Acha que as reformas curriculares são um dos grandes problemas do ensino?
Acho um total disparate o grande número de disciplinas. Em contrapartida, temos um ensino estritamente monodocente no 1.º Ciclo que também me parece errado. Pelo menos no quarto ano, os alunos deviam começar a ter professores mais especializados. Espero que as escolas do 1.º Ciclo se organizem com as do 2.º Ciclo, por forma a que os professores mais especializados nesta ou naquela disciplina comecem a participar na docência do primário.

Entrevista conduzida por Pedro Araújo

Jornal de Notícias

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