segunda-feira, abril 30, 2007

O ensino do nosso descontentamento

"Em Lisboa, sem Física, uma escola pública preencheu todas as 135 vagas em Engenharia Civil, outra, exigindo Física e Matemática, ficou com 15% de vagas por preencher. A frágil qualidade do ensino superior de engenharia assenta em incompetências e compadrios, como se ilustra com casos paradigmáticos, que urge eliminar. Acesso facilitista à Engenharia

• A admissão a Civil, Electrotécnica ou Mecânica deve exigir, ao menos, nota de 9,5 na prova de Física. Os exames têm, porém, tido média em torno de 8, o que reduz muito a ocupação das vagas disponíveis e o subsídio estatal. Qual a solução adoptada pela maioria das Escolas? Não exigir a prova de Física!

A manobra é rentável: por exemplo, em Lisboa, sem a exigência da Física, uma escola pública preencheu todas as 135 vagas em Engenharia Civil, enquanto outra, exigindo Física e Matemática, ficou com 15% de vagas por preencher, teve um corte de 15% no orçamento, prejuízos de planeamento e transmitiu uma imagem de insucesso. Estes procedimentos são intoleráveis e requerem intervenção. Complementarmente é indispensável recuperar o aprendizado da Física, alicerce básico da Engenharia.

Médias mentirosas no acesso à Universidade
Outro truque é facilitado pela regra oficial de cálculo da média na selecção dos “melhores” alunos:

• O peso da classificação do ensino secundário não inferior a 50% e o das provas de ingresso não inferior a 35 %.

As notas do “secundário”, sabe-se, são mais altas do que as das provas de ingresso. Logo, várias Escolas atribuem 60% ao “secundário”, em vez dos 50% atribuídos pelas Escolas de maior rigor, e “derrotam” a concorrência, conseguindo melhores médias aparentes e mais alunos sem que a habilidade transpareça.

A comparação qualitativa entre Escolas, através da média de entrada mais baixa, isto é, do “último admitido”, é outro logro: se uma Escola admite 120 alunos e outra 35, compara-se o 35º classificado da segunda com o 120º da primeira! Se uma Escola exige Física e a outra Desenho faz algum sentido comparar as médias respectivas?

Mais (investigação) é menos?
O novo “eduquês” inclui um mestrado de 2º ciclo (nome dado aos 4º e 5º anos, pós licenciatura de 3 anos) que requer 42 unidades de investigação e um mestrado integrado com 5 anos corridos (embora kafkianamente exija diploma ao fim de 3) que apenas exige 30 créditos de investigação. Como autoriza o ministério um ou outro?

A Direcção Geral pediu um parecer a dois académicos da química da Universidade do Porto, um deles proeminente na Ordem dos Engenheiros, e a um terceiro de área não tecnológica. O parecer é desastroso, muito pior do que o Ensino que subjuga:

• “Projecto” não deve ser ensinado nas Universidades, onde o ensino não curricular deve ser “de natureza científica”. O erro é tal que dispensa análise.

• Mestrados integrados (os tais com menos investigação) são, transcreve-se, de apoiar apenas nas Escolas que desenvolvem nessas áreas de engenharia ... investigação...em unidades ... com Muito Bom ou Excelente.

Aos outros mestrados, os de 2º ciclo, que exigem mais 40% de investigação ... não é pedida essa qualidade. Com este incompetente parecer, a Direcção Geral (DG) vem introduzir graves iniquidades na engenharia nacional.

Amigos só precisam de “Bom”?
Definido o critério acima descrito, critério que a lei não comporta, a DG aplica-o, ou não, conforme a arbitrariedade que lhe é consentida. Houve cursos sem Muito Bom que foram aprovados. Houve cursos sem unidade de investigação que foram aprovados. Sem que se entenda e sem que o Ministro responda aos recursos apresentados pelos rejeitados.

Engenharia Civil para Biólogos?
Para terminar com humor em alta, diz-se que está quase aprovado um mestrado integrado de engenharia civil, associado ao trivial “Bom”, porque terá colaboradores num Centro de Departamento de Zoologia que uma Comissão de Biólogos classificou de “Muito Bom”. Será possível?

A alegada baixa qualidade das Escolas Públicas de Engenharia vai ser sujeita a uma Agência de Acreditação, com avaliadores estrangeiros, criação favorita do ministro e de avulsos académicos, em geral sem experiência profissional.

Os factos justificam outra proposta: que seja criada uma Agência de Acreditação para decidir quem pode exercer funções públicas adstritas ao Ensino, incluindo as de Director Geral e superiores".

Manuel Gonçalves da Silva, Professor Catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNL emembro do painel Ciência e Sociedade

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