sábado, maio 16, 2009

Entrevista a um dos principais rostos do Sindicato dos Professores da Região Centro

"Francisco Almeida, 50 anos. Professor do Ensino Básico, com especialização em Administração Escolar, é o rosto mais visível, em Viseu, do Sindicato dos Professores da Região Centro. Militante do PCP, sempre que há uma manifestação aparece acompanhado de uma aparelhagem sonora de onde debita palavras de ordem e música apropriada a cada ocasião. É coordenador nacional da FENPROF para o 1º Ciclo do Ensino Básico, bem como na área da gestão das escolas e da rede escolar. A próxima manifestação de professores, marcada para 30 de Maio, deu o mote à conversa, onde se falou da carreira dentro e fora do sindicato, do encerramento das escolas e de um ano que fica para a história da Educação em Portugal.


O sindicato de professores, este ano, tem sofrido derrota atrás de derrota. Assume-as como tal?
Não é bem assim. Deixe-me dar-lhe a outra forma de ver. Avaliação de desempenho: este é o Governo que apareceu como campeão deste problema e até hoje ainda não avaliou um professor, a não ser os contratados no ano passado.


Mas, contrariando as indicações do sindicato, a maioria dos professores, entregou os objectivos da avaliação simplex.
Sessenta mil professores no país, não entregaram.


E quantos entregaram?
Entregaram os outros 80 mil. Mas não entregar os objectivos individuais com a pressão que estava a ser feita pelos conselhos executivos e pelo Governo, não é a mesma coisa que ir a uma manifestação, que fazer uma greve… exige mais coragem.


Qual é o problema da avaliação de desempenho?
O Governo tem no seu decreto regulamentar sobre a avaliação de desempenho um modelo que implica: os resultados escolares dos alunos pesam na avaliação de desempenho, o abandono escolar – coisa que ninguém compreende – pesa na avaliação de desempenho, há aulas assistidas… nada disto foi aplicado até hoje. Este ano, o modelo será aplicado de forma simplificada.


A FENPROF estava contra e perdeu.
Não é bem assim. Na divisão da carreira em categorias, a verdade é que já começam a haver alguns sinais do Governo a querer mexer na estrutura da carreira, nada que tenha ainda a ver com as propostas sindicais. Mas o Governo ainda não conseguiu aplicar plenamente nenhumas destas medidas, a não ser a questão da divisão da carreira em categorias, mas começa a dar alguns sinais e a pressão dos professores vai levar a que o Governo altere.


A luta é difícil?
Nunca dissemos aos professores que era uma luta fácil. Se os professores estiverem à espera que a solução destes problemas aconteça automaticamente depois das eleições legislativas, então desenganem-se. Os resultados podem ter uma influência decisiva na solução de muitos destes problemas, mas a luta persistente das pessoas é que vai ser determinante no curso destes acontecimentos. A luta dos professores vai acontecer mesmo depois das legislativas, ninguém tenha dúvidas.


O CDS-PP reunida nas Jornadas parlamentar em Aveiro (11 de Maio) anunciou que vai apresentar um novo Estatuto do Professor com carreira única.
Apoiamos.


É um exemplo de que os extremos se tocam?
O que temos é que a luta dos professores influenciou as opções de muitas forças políticas, é pena que não tenha influenciado as opções do Governo. Há mais partidos que são contra a divisão da carreira em categorias.


Perante isso, os professores também devem fazer as suas escolhas nas eleições legislativas?
Exactamente.


Sente os professores menos mobilizados?
Da semana de consulta aos professores resultou claro que, por unanimidade, os mais de 40 mil professores que participaram em mais de 300 reuniões em todo o país, afirmaram a importância da marcação de uma manifestação nacional de professores.


Na manifestação de 30 de Maio espera 120 mil professores, como no ano passado?
Não sei se são 120 mil.


E se ficar abaixo?
Não vamos fazer manifestações só quando houver 120 mil professores para irem para a rua.


Mas há esse dado comparativo?
Se tivermos 70 mil professores é uma grande manifestação de professores, mas o mais certo é que venhamos a ter mais. Já estão alugados autocarros [distrito de Viseu] em número igual a 8 de Março de 2008 e já há inscrições para metade deles [a 20 dias da data da manifestação].


Os professores dizem que o sindicato acordou tarde para a questão do fim do vínculo.
Perante essa afirmação, se estivéssemos numa reunião sindical, eu puxaria de um documento que tenho com uma lista de acções, que prova que esta é uma guerra que travamos desde 2006, houve foi professores que estiveram distraídos. Agora, houve muitos professores que tiveram dificuldade em acreditar que o Governo fosse capaz de fazer isto.


O que está em causa?
As pessoas, há muitos anos, assinaram com o Estado um contrato que os vincula ao Estado e, unilateralmente, violando o princípio da segurança jurídica, o Estado vem dizer: o que assinámos há tempos, agora não vamos cumprir.


Quais são os efeitos?
O Estado pode prescindir de professores, ou de outro qualquer trabalhador da administração pública, usando as regras que estão no código de trabalho.


Qual é a perspectiva da acção de luta que está aí?
Espero que a iniciativa dos deputados dê resultado. Eu creio que o Governo vai ter que engolir isto, se o Tribunal Constitucional vier a declarar inconstitucional a norma, e pode correr outro risco, que é, os professores ao contestarem podem ganhar em tribunal.


Outra batalha perdida foi a entrega da gestão das escolas à figura dos directores. Continua a dizer que "os directores das escolas podem ser os braços políticos dos autarcas nas escolas"?
Nós, professores estamos claramente em perda. O Governo impôs o seu modelo e o que temos hoje é um modelo autocrático de gestão, em que o director nomeia todas as estruturas intermédias de gestão.


Qual é o problema?
Estas pessoas das estruturas intermédias são as que compõem o conselho pedagógico da escola, onde pulsa a vida da escola e deixa de ser o espaço de representação dos saberes, do conhecimento, das várias áreas dos professores, dos pais e dos alunos (secundário], para ser a caixa de ressonância da opinião do director. Para além de passar de um órgão colegial para um órgão unipessoal, é o transportar para dentro da escola das pequenas guerras de política de paróquia e de concelho. Há câmaras a afirmarem: àquele presidente do conselho executivo que não gostamos, vamos-lhe "fazer a folha" se se candidatar a director. E fizeram em alguns casos.


Porque não faz essa denúncia pública?
A seu tempo a faremos.


Concorda que muitos professores que estão a concorrer possam alegadamente ficar na mão do poder discricionário dos directores, quando acabarem os concursos nacionais?
É mesmo assim.


É mais uma derrota?
É mais uma coisa que ainda não ultrapassámos plenamente, mas é preciso que se diga que essa questão faz parte da espinha dorsal da ideia que o Ministério da Educação tem para a profissão docente e para a escola. É a construção de uma outra profissão, de uma outra escola que não é a escola pública e democrática que conhecemos e que vai dar maus resultados. Nós, o que reconhecemos é a necessidade de prosseguir o combate contra isto e vamos consegui-lo. Se não acreditasse que era possível fazer recuar o Governo já não estava aqui.


"Eu não tenho nenhuma simpatia pela limitação de mandatos"
Já ultrapassou o incómodo que lhe causou o líder do PS de Viseu, José Junqueiro ao dizer que o podia ser considerado uma figura típica da região, conhecida como "a banda do Chico"?
Não foi propriamente um incómodo. Registei o disparate do dr. José Junqueiro. E registei que, este tipo de linguagem, normalmente, está associado a um certo desespero, de quem convive mal com o protesto e de quem está a ver que vai ter consequências eleitorais. Espero que tenha mesmo.


A linguagem utilizada por vós, aquando da passagem dos membros do Governo, a musica dos Xutos & Pontapés… não é de baixo nível?
Eu faço questão de usar os meus direitos de cidadão, de estar envolvido nos protestos dos cidadãos do meu distrito.


É um agitador profissional?
Não. Sou dirigente do Sindicato de Professores da Região Centro (SPRC) e da FENPROF, intervenho na acção sindical com todas as minhas forças, com o melhor que consigo, sei e posso. Não abdico de intervir em torno de outras causas e também não abdico de intervir partidariamente, assumindo publicamente a minha militância no Partido Comunista Português, desde 1983.


É justo os professores perguntarem se o pagamento de cotas serve para o Francisco Almeida utilizar os meios do SPRC em acções ligadas ao PCP?
Os meios e os recursos do Sindicato de Professores da Região Centro estão ao serviço da actividade sindical dos professores e estão ao serviço da central sindical a que nós pertencemos. Somos solidários com os trabalhadores portugueses de outros sectores de actividade. No sindicato de professores da Região Centro, até no distrito de Viseu, há professores que pertencem à direcção distrital do sindicato, que são eleitos locais do partido socialista.


Há quantos anos não dá aulas?
Há vinte e poucos anos.
Tem saudades da escola?


Não tenho saudades do tempo em que trabalhei em Lisboa, tenho saudades da Escola de Póvoa de Touro e da Cerdeira, em Vila Nova de Paiva.


Ainda conseguia dar aulas?
Há coisas que não se desaprendem.


Porque é que não há renovação sindical?
Há. Nas últimas eleições para o sindicato, 47 por cento da direcção distrital mudou e até as pessoas que estão a tempo inteiro não são as mesmas. Eu estou, quem sabe, há tempo a mais, mas essa é uma decisão que me vai caber a mim, à direcção do sindicato e aos professores sócios do sindicato, quando houver eleições.


A limitação de mandados é só para os políticos?
Eu não tenho nenhuma simpatia pela limitação de mandatos. A limitação de mandatos é feita por processos democráticos eleitorais.


"Há concelhos onde não pode haver só uma escola"
Durante muitos anos defendeu o encerramento de escolas com poucos alunos.
E continuo a defender.


Mas agora está contra os centros educativos.
Não. Fechar uma escola de três, quatro, cinco alunos é uma coisa, mas se decidirmos, como o Governo decidiu, fechar as escolas que têm menos de 10 alunos e, depois, mais tarde, as que têm menos de 20 alunos, significa fechar as escolas todas da Serra do Caramulo, da Serra da Nave, da Serra da Gralheira. Temos hoje crianças que são deslocadas, na Serra de Montemuro, 45 minutos para cada lado.


Qual é a solução?
O planeamento da rede escolar devia levar a concluir, por exemplo, que as crianças daquela região do Montemuro merecem ter uma escola na zona da serra, não tinham que ir todas para a vila. Podemos ter centros escolares de menor dimensão do que aqueles que estão a ser construídos. Podemos estar de acordo com o encerramento das escolas, o que nunca podemos é aceitar que se comece pelo telhado, ou seja, que primeiro se fechem as escolas, a seguir se vá à procura da solução para o problema e o resultado é meninos a ter aulas em contentores.


O problema está no planeamento e não na regra?
Nós defendemos que não deve haver uma regra administrativa – tem menos de 10 alunos, fecha – achamos que isso vale a pena observar, discutir com as pessoas e encontrar soluções caso a caso. A outra questão é do ponto de vista do planeamento da rede, há concelhos onde não pode haver só uma escola.


O Ministério da Educação discutiu isso com os autarcas.
Pergunte aos autarcas de Castro Daire, Vouzela e outros qual foi a discussão. Foi chegar lá e dar a solução. Foi chegar a Castro Daire e até mal tratar um vereador".

Jornal do Centro

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