domingo, julho 26, 2009

Entrevista da ministra da Educação

"O seu nome surge em 598 mil referências na Net. É a portuguesa mais comentada, supera Ana Malhoa e Luciana Abreu juntas. O que sente ao ter tanta visibilidade?
Não procuro o meu nome na Internet e não sinto nada de especial em relação a isso.
Quererá dizer que é muito pressionada?
É natural, porque a Educação é um sector de grande relevância e dimensão. Se temos um milhão e quinhentos mil alunos, com pai, mãe e familiares, 150 mil professores, 48 mil profissionais e 1200 agrupamentos escolares espalhados por todo o País, é natural que suscite curiosidade e interesse. Não me impressiona essa visibilidade, porque o que importa é a percepção dos problemas e desafios para nos aproximarmos de países com que nos identificamos.
Mesmo sem nunca haver entendimento?
Não diria tanto e nem sei se é um problema de entendimento. Há duas percepções que se suportam mal: uma é a grande conflitualidade e a outra a hesitação nas sucessivas reformas. Da primeira diria que a conflitualidade tem uma expressão muito grande porque não existe outra entidade empregadora com 150 mil funcionários. Mesmo em grandes grupos económicos - que só têm um interlocutor - há repartição por sectores, em que os confrontos se diluem em vez desta distorção em que basta um pequeno conflito para dar a percepção de que a Educação está em permanente conflito quando há zonas do sistema que estão consensualizadas e pacificadas.
Haverá zonas de consenso mas, de todos os ministros, e até dos primeiros-ministros, é quem tem enfrentado as maiores manifestações contra as suas políticas!
A memória é curta, pois no tempo de Roberto Carneiro houve manifestações equivalentes e por razões semelhantes. Existe a tradição de certa conflitualidade, mas tal não significa que toda a Educação viva assim em permanência. Mesmo neste mandato, com profundas mudanças, houve algumas relativamente pacíficas: a mudança do modelo de gestão e administração das escolas, com a passagem dos presidentes do Conselho Executivo para directores, que é um processo concluído em quase todas as escolas e que se desencadeou sem grande conflitualidade.
Mesmo com escolas que não aceitaram?
Sim. Em 1200 escolas existem quatro ou cinco casos... São níveis de conflitualidade marginais, só que têm grande expressão na imprensa.
Até com os tribunais a dar-lhes razão?
Na administração pública deve haver centenas de processos em tribunal de que ninguém fala e a área jurídica não é uma ciência exacta! O que acontece com a Educação é que qualquer pequeno conflito é o suficiente para que tenha uma enorme visibilidade e se crie a ideia de que houve um grande conflito. Houve áreas, como no processo de transferência para as autarquias, em que foi um movimento muito consensual no País.
Explique-me então a razão de protestos tão grandes como já não se viam há anos.
Uma coisa é viver os protestos, que foram de facto muito expressivos, e outra é a pequena conflitualidade, que tem uma grande visibilidade. E depois há a grande conflitualidade em torno da avaliação e do Estatuto da Carreira Docente, que foi muito expressiva por envolver o grupo profissional dos professores mas não os pais nem os outros profissionais. O conflito é grande porque tem de ter a expressão da dimensão do grupo.
Não esperava protestos tão gigantes?
Acho que ninguém está à espera dos episódios menos agradáveis. Ninguém faz um plano para ser ou não surpreendido com os aspectos menos confortáveis, porque é isso que os conflitos são. Ninguém deseja um conflito, mas isso não significa que não se deva encará-lo com determinada naturalidade, porque também fazem parte da vida. Não temos de os alimentar, mas compreendê-los e procurar resolvê-los.
Se fizer a contabilidade, tem 8 grandes greves, 7 grandes manifestações, 3 vigílias, 2 cordões humanos e 8 abaixo-assinados com 320 mil assinaturas. Bateu o recorde?
Não fiz essas contas, mas recordo-me bem que antes de ser ministra a ameaça de greve aos exames estava sempre presente. Greves sempre houve e era inte- ressante fazer um levantamento delas, mas, de facto, a expressão dos conflitos neste mandato foi muito evidente, tal como a profundidade das mudanças que procurámos concretizar. Mudanças em que se pedia às pessoas que se organizassem de forma bem diferente do que era a tradição e do convencionado. São naturais estas reacções e podem-se explicar, mas não significa que aceitemos os pontos de vista. Creio que os conflitos são resultado da perplexidade e da incerteza de não se saber como vai ser.
Pode dar um exemplo?
Foi o caso do ensino artístico, em que tivemos uma contestação fortíssima e depois veio a acalmia. Ouviu-se falar de ensino artístico este ano? Não. E a reforma foi feita, provando às pessoas envolvidas que a reforma melhorava as condições de todos. E aumentámos em 40% o número de alunos bem como o emprego no sector. O que é que explica a reacção inicial? A incerteza.
O ensino artístico é um sector ínfimo.
Estou a dar só um exemplo, pequeno, que teve muita expressão e mobilizou muitas escolas e professores. O que procurei foi analisar, verificar e, nuns casos, prosseguir, noutros, ajustar.
Talvez metade das 598 mil referências na Net são a dizer que a ministra é muito teimosa e que não muda a posição mesmo com 180 mil pessoas a protestar na rua.
E a outra metade das situações é positiva?
Já ficaria contente.
Não, não creio que sejam positivas. O conflito no ensino artístico pode ter sido ultrapassado, mas a avaliação e o Estatuto da Carreira não. Porquê? É a forma da mensagem ou porque mexe em corporações?
Não é um problema exclusivamente de mensagem, mas de compreensão do sentido das novas regras. Uma proposta de mudança diz respeito a novas regras e, por vezes, há discordância total, porque não se entendem os efeitos imediatos ou a prazo e reage-se por muitas razões. Também tivemos reacções às aulas de substituição, à escola a tempo inteiro e a outras medidas. No caso do Estatuto, estou convencida de que há uma diferente visão do que deve ser a organização da carreira dos professores. No que respeita à avaliação, acho que é outro problema, mas também a dificuldade em compreender qual será o impacto das novas regras. É preciso mostrar que os professores podem ter ganhos ao premiar-se o mérito. Com esse processo decorrido no primeiro ciclo, será mais fácil fazê-lo no segundo.
O modelo de avaliação que quer implantar ainda não passou da versão simplificada?
Sim, mas no essencial a sua estrutura de princípios não difere muito do modelo inicialmente proposto. Entendeu-se que há um caminho a percorrer mais lento do que inicialmente gostaria, mas não modifica a natureza do objectivo.
Mais lento porque os sindicatos dos professores não aceitam essas medidas?
Sim. Na realidade, não aceitam a avaliação. Escudam-se por detrás dos argumentos de modelos deste ou daquele tipo de avaliação, mas o que acontece é mesmo a rejeição da avaliação.
Os professores recusam ser avaliados?
Há uma rejeição que se pode exprimir através dos mais diversos argumentos. De que não é este o melhor modelo, que não é com estes professores, que não é na escola... É sempre assim porque, quando não estão de acordo, aí, todos os argumentos são válidos para contestar.
É da opinião que os sindicatos são contra porque os docentes evitam ser avaliados?
Não diria isso, porque acho que muitos professores querem ser avaliados e a prova é que houve uma grande adesão mas também há muito receio neste processo. E aqui os bons professores podiam ser um motor de mudança, porque não há nenhuma razão para um bom professor ter medo da avaliação. Os bons professores não podem ter medo nem misturar-se no ruído que apela à indiferenciação e a considerar que todos são iguais. Houve cem mil professores sujeitos à avaliação este ano e é por aqui que o terreno tem de ser conquistado, a bem das escolas e dos próprios professores. Há uma parte significativa de professores que tem medo da consequência.
Muitos não entregaram os objectivos.
Não é grande o número dos que não entregaram os objectivos ou que continuam a rejeitar a avaliação. A minha expectativa é que tudo se ajuste.
Defende a avaliação mas durante a sua carreira académica não foi avaliada?
Não?
É uma pergunta, o que estou a fazer.
Gostava de dizer que não são as experiências pessoais que dão a legitimidade para a tomada de decisão, nem acho que a legitimidade política venha dessa perspectiva. A legitimidade política vem da legitimidade democrática e os ministros são apenas agentes na condução da política, havendo muitos aspectos que estão para além da própria experiência pessoal. Mas, para que a pergunta não fique sem resposta, e apesar de considerar que não é relevante, não é por eu ter sido avaliada quatro vezes - com prestação de provas públicas perante júris externos que avaliam a carreira docente - que acho que os professores têm de ser avaliados. O problema disto ser muito sentido pelos professores é porque os sindicatos demoraram 30 anos a construir a situação em que estamos, a que anula todas as diferenças. A única diferença que os professores aceitam é a do salário: eu sou mais velho, ganho mais, tu és mais novo, ganhas menos. Não importa o que fazem ou as responsabilidades. Isso é resultado do trabalho sindical de muitos anos. Eu compreendo as reacções, mas não significa que as aceite. O que estava a acontecer põe, a prazo, em causa o próprio sentido de carreira.
Da ronda de negociações que se verificaram esta semana pouco resultou porque a posição da ministra não muda.
Não é verdade! Os sindicatos tiveram oportunidade de propor alterações. Não o fizeram e nada mudou porque o que querem desde o início é parar e anular os efeitos da avaliação. Neste momento, anulá-los significa premiar os professores que não a fizeram e castigar os que participaram. É dizer a todos os que terão classificações de muito bom e excelente que não vale nada.
Quantos anos calcula serem necessários estar no ministério para ganhar a batalha?
Não coloco as coisas nesses termos. Eu diria que mais importante que as pessoas são as políticas e, portanto, não é por uma pessoa se manter, por ser este ou aquele ministro, que o sentido das políticas que define e as condições para a sua execução o torna indispensável.
Que tempo demorará a impor a avaliação?
Não é um problema de estar este ou aquele ministro, temos de ter políticas com objectivos e com ambição. Existe um relativo consenso na sociedade sobre as matérias da Educação, por isso foi relativamente fácil aprovar o alargamento da escolaridade obrigatória até aos 18 anos. Está relativamente consensualizada a necessidade de diversificar a oferta formativa ao nível do ensino secundário, foi relativamente fácil consensualizar o inglês... Depois, há zonas em que o consenso é menor, mas, aí, o que devíamos era ter a ambição de aproveitar as áreas de grande convergência para dar passos gigantes, poupar e recuperar atrasos. O programa Novas Oportunidades, por exemplo, revelou que havia um milhão de portugueses disponíveis para voltar à escola.
Se o próximo Governo não for PS, o que acontecerá a esta sua política?
É um cenário hipotético sobre o qual não me sei pronunciar.
Dificilmente se manterá tal conflitualidade?
Não lhe sei responder. Procurei conduzir a política educativa de forma a dar passos e a construir onde há consenso. Aproveitei muitos diplomas e enquadramento legal existente, não fiz grandes alterações para fazer a avaliação, bastou partir de um despacho enquadrado na Lei do Currículo Nacional. Foi possível usar todo o trabalho feito em anos anteriores e ir mais além. Qualquer política educativa diferente de recuo não serve a ninguém.
Acha que a Educação precisava de si mais quatro anos?
Não. O importante não sou eu ou outra pessoa. O importante é ter linhas de orientação política e educativa de longo alcance.
Se o PS se mantiver no Governo quer continuar ministra?
Também não sei responder, porque não dou saltos em cenários. O que ainda tenho pela frente é cumprir o mandato até ao fim. Até esse dia é tempo de concluir processos abertos e preparar a abertura do próximo ano lectivo, mesmo com eleições a 27 de Setembro.
Também amaciou as suas atitudes a 7 de Junho, como o Governo fez?
Tínhamos um processo negocial com os sindicatos e continuámos, mas tenho a noção de que em Agosto não se negoceia, sejam quais forem as condições. No caso do Governo, o que aconteceu foi não tomar algumas decisões que podem esperar um mês ou dois porque não vem mal ao País se se respeitar aquilo a que se chama o escrúpulo democrático".

DN

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