domingo, julho 12, 2009

Exames nacionais: Um facilitismo comprometedor

"Já em alguns escritos passados me insurgi contra a cultura facilitista que, do meu ponto de vista, se instalou no Ministério da Educação. A todos os níveis e de forma crescente. Nas provas de aferição de Língua Portuguesa dos 4º e 6º anos de escolaridade realizadas em Junho último, cerca de 90% dos estudantes obteve classificação positiva. No “papão” que é a Matemática, 89% foi a taxa de aprovação no 4º ano, tendo aprovado 6º ano nesta disciplina registado os piores resultados, com…80% de positivas.

No entanto, é bom lembrar que em 2007, por exemplo, as classificações positivas não chegaram aos 60%... Sabe-se que estas provas de aferição nos 4º e 6º anos são meramente informativas, não contando para a nota final dos alunos, ao contrário dos exames do final do 3º ciclo (9º ano) e do Ensino Secundário (12º ano). Mas, mesmo assim, numa ânsia de obter boas estatísticas, que contribuam para um a melhor comparação de Portugal nos rankings internacionais, o Ministério de Educação não tem poupado esforços no sentido da facilidade destas provas.

Isso mesmo se infere do que referem a Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM) e a Associação de Professores de Português (APP), respectivamente: “continuam a não testar os conhecimentos mínimos correspondentes aos anos de escolaridade” e “o Ministério incluiu [nas provas] instruções que funcionam como um factor evidente e inaceitável de facilitação da resposta”.

No caso da Língua Portuguesa, a APP refere mesmo que “já pouco falta para escreveremos textos por eles [os alunos]”.

Infelizmente, quando chegamos aos exames nacionais dos 9º e 12º anos, a doer (porque contam para a nota final dos alunos), o que se conclui é que, afinal… a dor é praticamente nula.

A figura em anexo é elucidativa. Nunca em toda a história dos exames do Secundário a média da Matemática foi positiva… até 2008, quando não só ultrapassou a barreira dos 10 valores, como atirou esta disciplina para o topo das classificações – imagine-se!...– entre as provas com mais inscritos. Claro que a SPM e também a Associação de Professores de Matemática logo salientaram que a melhoria das notas não reflectia uma melhoria da aprendizagem dos alunos. E, como se nota, os resultados começaram a subir em… 2006. Coincidência?

Não creio: o Governo entrou em funções em Março de 2005, pelo que só em 2006 as primeiras alterações neste domínio poderiam ser notadas… E as reprovações a esta disciplina, que atingiam 31% dos estudantes em 2005 são, agora, residuais (7%).

Como seria de esperar, o panorama no 9º ano é semelhante: as classificações positivas subiram de 29% em 2005 para 55,2% (pela primeira vez acima de 50%!...) em 2008. Aguarda-se com expectativa os resultados dos exames relativos a 2009, recentemente realizados. E até aposto que será notada uma nova melhoria face ao ano passado!...

Senão, vejamos: “No exame nacional de Matemática do 9º ano [de 2009] há questões que podem facilmente ser resolvidas por alunos de 12 anos, exercícios que contêm a resposta e conteúdos essenciais que não são testados”.

A análise nem sequer é da crítica e exigente (e ainda bem!...) SPM – é da Associação Francesa de Professores de Matemática do Ensino Público que, a convite do Semanário Expresso, analisou a prova do 9º ano no nosso País, tendo notado ainda, por exemplo, a falta do cálculo algébrico e da análise de funções na prova. E conclui que “é compreensível que a SPM esteja chocada, porque o nível é muito baixo”.

Bem sei que têm vindo a ser adiantadas explicações para esta tendência que não é só Portuguesa – de nivelamento por baixo (é disso que estamos a falar) devido à indisciplina, ao número excessivo de alunos por turma e aos constrangimentos familiares. Para além de muitos especialistas na matéria defenderem que não é sustentável uma sociedade aceitar uma taxa de insucesso de 50% ou mais no exame final da escolaridade obrigatória.

O que tem levado governos de muitos países (incluindo Portugal) a estarem mais preocupados em controlar as taxas de sucesso, as reprovações e os fluxos dentro do sistema do que com o nível de formação – até porque as reprovações saem caro…

Não me parece, porém, que esta tendência (de crescente facilitismo) seja solução para o que quer que seja. Trata-se, até, de um caminho extremamente perigoso. Que, em minha opinião, só pode ser invertido com a união de decisores políticos, professores, alunos e, claro, encarregados de educação e famílias em geral em torno de valores como a disciplina, o rigor, a exigência, o método de trabalho, a cultura do mérito e a avaliação periódica. Todos imbuídos do mesmo espírito.

Será o actual nível de exigência suficiente para formar cientistas, engenheiros, economistas, professores, enfim, profissionais de qualidade no dia de amanhã?...

Não creio. Por este caminho, por mais agradáveis à vista que sejam hoje as estatísticas e as comparações nos rankings internacionais, os profissionais formados amanhã serão certamente piores, comprometendo o desenvolvimento da sociedade. O que agravará o problema e não o resolverá minimamente, como seria desejável".

Miguel Frasquilho, Jornal de Negócios

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