"O texto que tinha escrito para esta crónica não era este. Mas o decreto-lei ontem aprovado em Conselho de Ministros justifica que aborde o tema. Este decreto-lei que só conheço pelas referências feitas ao PÚBLICO pelo secretário de Estado Valter Lemos, vem estabelecer que as melhorias de notas tentadas na 2ª fase dos exames do 12º ano sejam válidas para a 1ª fase das candidaturas de acesso ao ensino superior.
O que até agora estava claramente vedado pela lei em vigor passará a ser possível a partir do dia em que a decisão, ontem tomada pelo Governo, produza efeitos. Mas esse dia é futuro, o que significa que tudo feito anteriormente nesse sentido é ilegal.
Recorde-se que o despacho Interno nº2 – SEE/2006 permitia a repetição dos exames 615 e 642, respectivamente Física e Química, e fixava a validade da melhor classificação obtida, dando origem a uma enorme trapalhada e a um hediondo atropelo à lei. Com efeito, como era possível dar comando diverso do que a lei fixava, por mero despacho interno de um secretário de Estado? Com era possível espezinhar tão levianamente o sagrado princípio da igualdade, decidindo que um grupo de alunos teria, por razões subjectivas de apreciação, tratamento diferente dos restantes, em igualdade de situação objectiva? Das múltiplas declarações de juristas, entretanto conhecidas, não vi uma só que não conclua pela manifesta ilegalidade da decisão. Apenas a inefável ministra da Educação afirmou na Assembleia da República que era legal.
Ora o que é que o decreto-lei ontem aprovado acrescenta? Pelo menos duas coisas: o reconhecimento governativo, tardio, de que só um decreto poderia permitir o que fizeram por despacho; que se seguirá, eventualmente, o processo de manhosice, na medida em que irão defender que deram meras instruções internas, que o que necessitava de decreto era a questão do processo de acesso e esse, quando se iniciar, já estará legitimado pela alteração da lei. É evidente a fragilidade e a insustentabilidade de tal estratégia. Mas é isto que está implícito nas declarações de Valter Lemos. Espantaria a inteligência mínima. Mas não espanta quem segue o que estes senhores têm feito. A lei dribla-se; decidimos já e mudamos depois; pois se até temos maioria e sabemos antecipadamente que a nossa ideia vence, para quê perder tempo com as fases processuais e com as opiniões dos outros? Triste este conceito de democracia e esta visão de Estado de direito.
A desconfiança profunda entre a ministra e os restantes sectores do sistema educativo evoluiu para um estádio de motim judicial. Providências cautelares, impugnações, greves, são o que se segue. O autismo da ministra impediu-a de ver que com um outro clima levaria a bom porto muitas das mudanças que preconiza, quem sabe, sem resistência. Esse autismo e a arrogância que o antecede ficaram patentes na questão dos exames. Em vez de reconhecer o erro, decidiu negá-lo. Com isso perdeu a confiança dos que até aqui manipulou, com as suas medidas populistas. Começando por afirmar não ter nada a explicar, acabou confrangedoramente cilindrada na AR, onde ouviu de tudo, até a acusação de falta de dignidade intelectual. Até eu, que não gosto dela, tive pena ao vê-la paternalmente protegida pelos gritos caricatos do ministro dos Assuntos Parlamentares. Tudo porque não percebeu que não se pode desmentir o óbvio.
Espero que, pelo menos, o país tenha percebido, finalmente, que há uma diferença entre uma chefe de divisão, e uma ministra e que muito do que se apresenta como determinação não passa de mera fraqueza. Este debate teve o mérito de mostrar que sem a protecção da simpatia dos que nada fazem para perceber a causa das coisas e sofrem de sabastianismo crónico, esta senhora soçobra. Porque, sobre teorias de Educação, nada do que diz entende. Porque o que faz assenta em pressupostos errados e conceptualmente insustentáveis.
Na génese de tudo está um aspecto pouco sublinhado e que por isso importa destacar. Muitos exames patentearam uma concepção técnica incompetente. E não me venham com a história de que só houve problemas com alguns, em meio milhar. É exigível ao Gabinete de Avaliação Educacional (Gave) que não haja problemas com nenhum. É para isso que existe. As declarações da sua presidente, tipo “...apropriação insuficiente do novo programa por parte dos professores, alunos e materiais...” para justificar o que aconteceu, servem para defender o impossível. Não são os exames que permitirão concluir isto; se isto se verificava, o Gave devia tê-lo percebido atempadamente e feito reflectir na concepção dos exames. É que um critério básico destas coisas (validade de conteúdo) exige a adequação do instrumento de medida à coisa a medir. Por outro lado, não serve de escusa “nem os catedráticos se entenderem sobre algumas questões”.
O problema é diverso: os exames só podem ser claros e incontroversos para todos. Juntando a estes factos erros científicos indiscutíveis, a conclusão é incontornável e tem nome: incompetência. Estes aspectos técnicos são da responsabilidade de técnicos. Mas a escolha dos técnicos e a definição dos mecanismos de controlo são da responsabilidade dos políticos. Sobretudo quando os erros se repetem e os técnicos se eternizam nos postos e ainda dizem disparates para se defenderem, estamos em presença de outra incompetência: política. Comecem pois, a antever os problemas do próximo ano se as senhoras (e senhores) não mudarem."
O que até agora estava claramente vedado pela lei em vigor passará a ser possível a partir do dia em que a decisão, ontem tomada pelo Governo, produza efeitos. Mas esse dia é futuro, o que significa que tudo feito anteriormente nesse sentido é ilegal.
Recorde-se que o despacho Interno nº2 – SEE/2006 permitia a repetição dos exames 615 e 642, respectivamente Física e Química, e fixava a validade da melhor classificação obtida, dando origem a uma enorme trapalhada e a um hediondo atropelo à lei. Com efeito, como era possível dar comando diverso do que a lei fixava, por mero despacho interno de um secretário de Estado? Com era possível espezinhar tão levianamente o sagrado princípio da igualdade, decidindo que um grupo de alunos teria, por razões subjectivas de apreciação, tratamento diferente dos restantes, em igualdade de situação objectiva? Das múltiplas declarações de juristas, entretanto conhecidas, não vi uma só que não conclua pela manifesta ilegalidade da decisão. Apenas a inefável ministra da Educação afirmou na Assembleia da República que era legal.
Ora o que é que o decreto-lei ontem aprovado acrescenta? Pelo menos duas coisas: o reconhecimento governativo, tardio, de que só um decreto poderia permitir o que fizeram por despacho; que se seguirá, eventualmente, o processo de manhosice, na medida em que irão defender que deram meras instruções internas, que o que necessitava de decreto era a questão do processo de acesso e esse, quando se iniciar, já estará legitimado pela alteração da lei. É evidente a fragilidade e a insustentabilidade de tal estratégia. Mas é isto que está implícito nas declarações de Valter Lemos. Espantaria a inteligência mínima. Mas não espanta quem segue o que estes senhores têm feito. A lei dribla-se; decidimos já e mudamos depois; pois se até temos maioria e sabemos antecipadamente que a nossa ideia vence, para quê perder tempo com as fases processuais e com as opiniões dos outros? Triste este conceito de democracia e esta visão de Estado de direito.
A desconfiança profunda entre a ministra e os restantes sectores do sistema educativo evoluiu para um estádio de motim judicial. Providências cautelares, impugnações, greves, são o que se segue. O autismo da ministra impediu-a de ver que com um outro clima levaria a bom porto muitas das mudanças que preconiza, quem sabe, sem resistência. Esse autismo e a arrogância que o antecede ficaram patentes na questão dos exames. Em vez de reconhecer o erro, decidiu negá-lo. Com isso perdeu a confiança dos que até aqui manipulou, com as suas medidas populistas. Começando por afirmar não ter nada a explicar, acabou confrangedoramente cilindrada na AR, onde ouviu de tudo, até a acusação de falta de dignidade intelectual. Até eu, que não gosto dela, tive pena ao vê-la paternalmente protegida pelos gritos caricatos do ministro dos Assuntos Parlamentares. Tudo porque não percebeu que não se pode desmentir o óbvio.
Espero que, pelo menos, o país tenha percebido, finalmente, que há uma diferença entre uma chefe de divisão, e uma ministra e que muito do que se apresenta como determinação não passa de mera fraqueza. Este debate teve o mérito de mostrar que sem a protecção da simpatia dos que nada fazem para perceber a causa das coisas e sofrem de sabastianismo crónico, esta senhora soçobra. Porque, sobre teorias de Educação, nada do que diz entende. Porque o que faz assenta em pressupostos errados e conceptualmente insustentáveis.
Na génese de tudo está um aspecto pouco sublinhado e que por isso importa destacar. Muitos exames patentearam uma concepção técnica incompetente. E não me venham com a história de que só houve problemas com alguns, em meio milhar. É exigível ao Gabinete de Avaliação Educacional (Gave) que não haja problemas com nenhum. É para isso que existe. As declarações da sua presidente, tipo “...apropriação insuficiente do novo programa por parte dos professores, alunos e materiais...” para justificar o que aconteceu, servem para defender o impossível. Não são os exames que permitirão concluir isto; se isto se verificava, o Gave devia tê-lo percebido atempadamente e feito reflectir na concepção dos exames. É que um critério básico destas coisas (validade de conteúdo) exige a adequação do instrumento de medida à coisa a medir. Por outro lado, não serve de escusa “nem os catedráticos se entenderem sobre algumas questões”.
O problema é diverso: os exames só podem ser claros e incontroversos para todos. Juntando a estes factos erros científicos indiscutíveis, a conclusão é incontornável e tem nome: incompetência. Estes aspectos técnicos são da responsabilidade de técnicos. Mas a escolha dos técnicos e a definição dos mecanismos de controlo são da responsabilidade dos políticos. Sobretudo quando os erros se repetem e os técnicos se eternizam nos postos e ainda dizem disparates para se defenderem, estamos em presença de outra incompetência: política. Comecem pois, a antever os problemas do próximo ano se as senhoras (e senhores) não mudarem."
Santana Castilho no Público
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