"A época de exames e as suas peripécias puseram a nu a fragilidade da política educativa do Governo. E, mais gravemente, mostraram - coisa ainda pouco posta em evidência - como o actual Governo, nos mais diversos domínios, despreza ou ignora o princípio do Estado de direito. Modificar as regras de acesso à universidade em pleno processo de avaliação, fazê-lo sem alterar as respectivas leis, aprovar à pressa e a posteriori um lei inconstitucional (por violação da protecção da confiança) e mandá-la publicar escassas horas depois, terminando com a produção de um despacho que já havia sido emanado e divulgado sem qualquer base legal, é a negação pura e simples do núcleo essencial do Estado de direito. Nada que admire ou espante num país de costumes brandos, em que as regras estabelecidas não valem nada e os improvisos e "jeitinhos" valem tudo.
A gravidade do caso não reside só no que ele representa para a nossa vida cívica e para o exemplo que o Estado dá aos jovens portugueses. Reside também na circunstância, de ao fim e ao cabo, ele pôr na sombra e no olvido as centenas de milhares de jovens e de alunos que não são candidatos às universidades. Centenas de milhares que, sem qualquer formação adequada, pululam por aí.
É muitas vezes notado que o Estado Novo seccionou o sistema de ensino em dois segmentos. O segmento académico alicerçado nos "liceus" e conduncente às universidades, e o segmento profissionalizante, alojado nas "escolas técnicas" e, qundo muito, tendente aos "institutos superiores". Percebe-se que um regime corporativo - assente na representação orgânica das profissões - tivesse lugar para a preparação dos ofícios e mesteres. E percebe-se ainda que um regime "elitista" quisesse separar o destino dos "meninos bem" e dos meninos "sobredotados" do fado dos filhos de uma classe média e emergente (as escolas técnicas). Isto para lá de, por força de uma mundividência "ruralista", a grande massa dos jovens viver então à margem de qualquer formação escolar secundária e se ver constrangida a ingressar aos 10 ou 12 anos no mercado de trabalho (ou melhor, no "mercado dos aprendizes").
naquele universo educativo, o ensino técnico garantia entretanto dois objectivos altamente meritórios. Primeiro, fornecia uma aprendizagem efectiva - servida outrossim por uma formação geral satisfatória -, que permitia que os alunos chegassem ao mercado de emprego com "ferramentas" de trabalho. Segundo, e um tanto paradoxalmente, constituía um autêntico patamar de elevação social. Com efeito, apesar do rótulo social, muitas pessoas que, de outro modo, nunca passariam de ocupações indiferenciadas logravam converter-se em quadros empresariais médios e intermédios. Muitas delas - para quem, à partida, a universidade representava uma quimera - acabavam mesmo por completar graus académicos.
O 25 de Abril, movido pela euforia igualitária, aboliu o ensino técnico. E fê-lo, em grande parte, de boa-fé. Alegava-se que este se fundava num prejuízo de classe, adjudicando o estudo académico aos privilegiados e o ensino prático aos excluídos. A abolição, no entanto, não era mais do que um pueril sintoma da sobrevivência do "preconceito" do regime anterior. Também para a democracia, o exercício de profissões de alçado universitário. E se era assim, deveria decretar-se o fim das profissões braçais, ordenar-se o termo dos trabalhos técnicos e erigir-se um promissor "país de doutores".
Apesar de, nos anos seguintes, se ter criado o ensino técnico-profissional e os cursos tecnológicos, apesar do investimento europeu na área da formação profissional, a verdade é que não se conseguiu refundar o ensino técnico como alternativa normal e paralela no sistema geral de ensino. As iniciativas pontuais de sucesso deram-se no ensino particular e contaram sempre com a resistência das autoridades governamentais. É justamente neste estado - sem uma via profissionalizante efectiva e credível - que chegamos aos 9 anos de escolaridade obrigatória e à veleidade de os converter em 12.
A piroridade na educação não é, como frequentemente se diz, o ensino universitário ou o secundário ou o básico. A verdadeira prioridade localiza-se no fornecimento de alternativas de habilitação técnica e profissional especializada. E isto tanto no plano do secundário - enquanto fonte directa e primária de habilitação - como, com a devida ponderação e acompanhamento em estados anteriores. Num contexto em que tanto se pretende conbater a taxa de abandono escolar, como é possível deixar de fora o ensino profissionalizante? Mesmo nos casos de abandono prematuro - anterior ao actual 9ºano, em que não se atigiu ainda a idade mínima legal para trabalhar -, não terá o ensino técnico e profissional uma palavra a dizer? Não será melhor ter jovens com 14 anos em curso de ordem profissional, porventura em estágios profissionais, do que tê-los na rua e na marginalidade?
A maior parte dos alunos que hoje conclui o 12ºano sem entrar na universidade encontra-se numa situação de grave impreparação. A formação teórica que recebeu - lacunosa e inadequada como é - não tem préstimo; a aprendizagem profissional é nula.
O que falta ao país, decididamente, não são historiadores e biólogos. Mas todos sentem a falta de electricistas, de picheleiros, de carpinteiros, de informáticos, de operadores de maquinaria de toda a sorte e ordem. Todos sentem, nos serviços e na indústria, a falta de especialistas que sejam profissionais e competentes e com know how. Não intercede aqui qualquer preconceito "classista". Afinal, o que favorece mais a coesão social, o reforço das classes médias e a tendência social para a igualdade? A ilusão de um "país de doutores", ou a consolidação de saídas profissionais que potenciam a verdadeira e sustentada progressão cultural e social?"
A gravidade do caso não reside só no que ele representa para a nossa vida cívica e para o exemplo que o Estado dá aos jovens portugueses. Reside também na circunstância, de ao fim e ao cabo, ele pôr na sombra e no olvido as centenas de milhares de jovens e de alunos que não são candidatos às universidades. Centenas de milhares que, sem qualquer formação adequada, pululam por aí.
É muitas vezes notado que o Estado Novo seccionou o sistema de ensino em dois segmentos. O segmento académico alicerçado nos "liceus" e conduncente às universidades, e o segmento profissionalizante, alojado nas "escolas técnicas" e, qundo muito, tendente aos "institutos superiores". Percebe-se que um regime corporativo - assente na representação orgânica das profissões - tivesse lugar para a preparação dos ofícios e mesteres. E percebe-se ainda que um regime "elitista" quisesse separar o destino dos "meninos bem" e dos meninos "sobredotados" do fado dos filhos de uma classe média e emergente (as escolas técnicas). Isto para lá de, por força de uma mundividência "ruralista", a grande massa dos jovens viver então à margem de qualquer formação escolar secundária e se ver constrangida a ingressar aos 10 ou 12 anos no mercado de trabalho (ou melhor, no "mercado dos aprendizes").
naquele universo educativo, o ensino técnico garantia entretanto dois objectivos altamente meritórios. Primeiro, fornecia uma aprendizagem efectiva - servida outrossim por uma formação geral satisfatória -, que permitia que os alunos chegassem ao mercado de emprego com "ferramentas" de trabalho. Segundo, e um tanto paradoxalmente, constituía um autêntico patamar de elevação social. Com efeito, apesar do rótulo social, muitas pessoas que, de outro modo, nunca passariam de ocupações indiferenciadas logravam converter-se em quadros empresariais médios e intermédios. Muitas delas - para quem, à partida, a universidade representava uma quimera - acabavam mesmo por completar graus académicos.
O 25 de Abril, movido pela euforia igualitária, aboliu o ensino técnico. E fê-lo, em grande parte, de boa-fé. Alegava-se que este se fundava num prejuízo de classe, adjudicando o estudo académico aos privilegiados e o ensino prático aos excluídos. A abolição, no entanto, não era mais do que um pueril sintoma da sobrevivência do "preconceito" do regime anterior. Também para a democracia, o exercício de profissões de alçado universitário. E se era assim, deveria decretar-se o fim das profissões braçais, ordenar-se o termo dos trabalhos técnicos e erigir-se um promissor "país de doutores".
Apesar de, nos anos seguintes, se ter criado o ensino técnico-profissional e os cursos tecnológicos, apesar do investimento europeu na área da formação profissional, a verdade é que não se conseguiu refundar o ensino técnico como alternativa normal e paralela no sistema geral de ensino. As iniciativas pontuais de sucesso deram-se no ensino particular e contaram sempre com a resistência das autoridades governamentais. É justamente neste estado - sem uma via profissionalizante efectiva e credível - que chegamos aos 9 anos de escolaridade obrigatória e à veleidade de os converter em 12.
A piroridade na educação não é, como frequentemente se diz, o ensino universitário ou o secundário ou o básico. A verdadeira prioridade localiza-se no fornecimento de alternativas de habilitação técnica e profissional especializada. E isto tanto no plano do secundário - enquanto fonte directa e primária de habilitação - como, com a devida ponderação e acompanhamento em estados anteriores. Num contexto em que tanto se pretende conbater a taxa de abandono escolar, como é possível deixar de fora o ensino profissionalizante? Mesmo nos casos de abandono prematuro - anterior ao actual 9ºano, em que não se atigiu ainda a idade mínima legal para trabalhar -, não terá o ensino técnico e profissional uma palavra a dizer? Não será melhor ter jovens com 14 anos em curso de ordem profissional, porventura em estágios profissionais, do que tê-los na rua e na marginalidade?
A maior parte dos alunos que hoje conclui o 12ºano sem entrar na universidade encontra-se numa situação de grave impreparação. A formação teórica que recebeu - lacunosa e inadequada como é - não tem préstimo; a aprendizagem profissional é nula.
O que falta ao país, decididamente, não são historiadores e biólogos. Mas todos sentem a falta de electricistas, de picheleiros, de carpinteiros, de informáticos, de operadores de maquinaria de toda a sorte e ordem. Todos sentem, nos serviços e na indústria, a falta de especialistas que sejam profissionais e competentes e com know how. Não intercede aqui qualquer preconceito "classista". Afinal, o que favorece mais a coesão social, o reforço das classes médias e a tendência social para a igualdade? A ilusão de um "país de doutores", ou a consolidação de saídas profissionais que potenciam a verdadeira e sustentada progressão cultural e social?"
Paulo Rangel
Jurista e deputado do PSD
3 comentários:
Quando li este artigo no público disse para mim: as ideias que este tipo expõe não passam do mais rasteiro senso comum repetidas cem mil vezes e não provadas. E este tipo tem o desplante de achar que está a ser original.
Original sim: no disparate de se achar original ao repetir as balelas do costume.
Eu quase que assinaria por baixo deste artigo, a duas mãos. Mas assino com uma porque a outra me diz que, apesar de se dever reavivar o sistema 'dual', ele teria que dar satisfação às actuais necessidades e não às 'daquele' tempo. Mas isso são preciosismos, no essencial concordo, e acabo mesmo por assinar a duas mãos.
Sabemos que a situação descrita é real. Não vou deixar de concordar só porque quem o diz pertence aos quadros do PSD : o nosso sistema precisa de ser profundamente revisto. Precisa de alternativas SÉRIAS no ensino médio e profissional. A boa intenção com que unificámos o ensino resultou mal. Temos que admiti-lo se quisermos ser realistas, e temos que ser realistas se queremos mudar as coisas para melhor, dando mais oportunidades REAIS a todos. O que existe é verdadeiramente elitista porque só dá hipótese de uma vida decente a muito poucos. Essa é que é a verdade. Achar que todos têm que ser licenciados para serem VALORIZADOS acaba por ser terrivelmente elitista, embora não o queira! E vemos no que dá: uns quantos (poucos) vivem da sua licenciatura, e outros (muitos) vivem de sub-empregos onde as suas habilitações não são nem reconhecidas nem pagas! Vamos ignorar isto e continuar a alimentar este incrível espírito de que é preciso ser licenciado para ter um lugar ao sol da democracia?! Vamos continuar a ignorar que existem trabalhos bem remunerados e prestigiados cuja formação não passa pela Universidade? Vamos continuar a mentir aos mais novos convencendo-os de que "tirando um curso" a vida deles vai ser óptima?!
Parece-me insustentável e contraditório!
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