quarta-feira, novembro 08, 2006

Entrevista da ministra da educação

Excertos de uma entrevista de Maria de Lurdes Rodrigues, hoje, ao Jornal de Negócios


Como é que lida com o estigma de ser arrogante?

O que acho é que se procura trazer o debate político para um nível que considero inaceitável, que é o das características pessoais. Eu gosto de discutir questões de política: como inverter o problema do insucesso escolar, como vamos combater o abandono e melhorar o funcionamenteo das escolas, como é que vamos lançar o Inglês e articular o trabalho com as autarquias. Isso sim, são temas de política e são esses os objectos do meu trabalho.
E motivar os professores?
Com certeza. Os dados de que dispomos mostram que o absentismo, em termos homólogos, caiu 40% em Setembro. A média baixou de 10% para os 6%, mas são apenas os dados do primeiro mês, é preciso cautela. Além disso, é minha obrigação explicar ao País o que se está a fazer em matéria de Educação. O resto são "fait-divers". Quem não tem nada para dizer fala sobre a arrogância da ministra.
Nota-se no Orçamento do Estado para o próximo ano uma redução para os 80% do peso relativo do custo com pessoal. Isso é feito à custa do quê?
Sobretudo à custa da diminuição de professores contratados. Houve um ajuste às reais necessidades do sistema. Para este ano orçamental, que corresponde ao ano lectivo passado, contratámos menos 9000 professores. Este ano, no mês homólogo, ou seja em Setembro, tínhamos contratado menos 6500. E a nossa expectativa é que no final deste ano lectivo tenhamos contratado menos 5000.
Mas as universidades continuam a formar professores. Estão condenados ao desemprego?
Como o sistema de contratação estava um pouco fora do controlo, o primeiro ciclo e a educação de infância eram portas de entrada fácil na administração. Mas, quanto mais aperfeiçoarmos os mecanismos de gestão, menor será essa possibilidade. Penso que as instituições de ensino superior vão ter que se reformar para se ajustarem a esta nova realidade. Claro que vamos continuar a precisar de educadores de infância e de professores do primeiro ciclo, porque o País tem um problema de oferta para as crianças dos 0 aos 3 anos, e é preciso estender a cobertura dos 3 aos 5. No que respeita aos jardins de infância ainda há espaço para crescer, sobretudo se o País tiver uma política de apoio à família.
Tem desvalorizado a ideia que a proposta de revisão do ECD tem motivações "economicistas". Mas a verdade é que as novas limitações de acesso ao topo da carreira vão ajudar o ME a poupar em ordenados.
Nesta fase não ajuda nada, porque os professores que estão no 8º, 9º e 10º escalões têm o seu salário assegurado. O que ajuda, no futuro, é a melhorar a organização do trabalho dentro das escolas.
Mas vai, ou não, permitir ao ME gastar menos com pessoal?
Vai permitir gastar melhor. Actualmente, com esta estrutura de carreira,o peso dos salários no orçamento das escolas é de 97% e por isso é impossível fazer investimentos. Nós procurámos alterar a lógica. O que cortámos em massa salarial, decidimos aplicar nas despesas de funcionamento das escolas, e mesmo assim é insuficiente.
Mas a população escolar tem vindo a reduzir-se...
Sim, em vinte anos perdemos meio milhão de alunos.
E este ano?
Ganhámos. Essa é a novidade. Este ano, pela primeira vez, invertemos a tendência de perda de alunos. Acho que isso resulta das medidas de combate ao insucesso. No fundo resulta da aposta nos cursos de educação e formação de nívelII, para quem não concluiu com êxito o 9º ano, e do aumento dos cursos profissionais também.
Porque é que insiste na necessidade de estruturar a carreira docente em duas categorias?
Actualmente, temos nos quadros 140 mil professores: 65 mil estão no 8º, 9º e 10º escalões. Um professor do 10º escalão ganha o dobro de um eminício de carreira (4º escalão). Entre o 4º e o 6º escalão, o professor leva 12 anos para ter um impulso slarial de 54 pontos. Do 9º para o 10º escalão são apenas três anos para os mesmos 54 pontos. Imaginem o efeito que isto tem agregado, quando temos 65 mil professores nesses últimos escalões. Se não fizéssemos nada, tirando as saídas, em seis anos teríamos 65 mil professores no 10º escalão. Isto não tem problema nenhum só por si...
Tem...para o aumento da despesa do ministério...
Não. Independentemente da despesa. Não estamos aqui a falar em despesa. Até poderia ser acomodado. Existem é dois problemas: um é o da despesa claro, mas não é o mais importante, só é importante porque tem um efeito organizacional de disfunção no interior das escolas.
Porquê?
Porque estes professores, que são os mais experientes, os mais competentes e os que mais ganham, têm as maiores reduções da componente lectiva e até ao ano passado, não estando regulamentada a componente não lectiva e não havendo condições nas escolas, eram os professores que menos davam ao sistema. A disfunção é que não se associa à maior remuneração, competência e formação, maior responsabilidade na organização interna das escolas. Portanto, pode acontecer, que um professor com dois ou três anos de experiência, assuma a liderança de um departamento onde existem outros com 26 ou 28 anos de carreira.
Mas isso não acontece agora só por "demissionismo" dos mais antigos?
É uma espécie de organização interiorizada da carreira. Reparem que estes professores já passaram pelos outros escalões. Há um período de grande capacidade de trabalho que é o da juventude, com a compensação de um progressivo afastamento da escola a partir de certa altura. Isso para mim não é aceitável. As escolas têm que se estruturar como as outras organizações, em que às carreiras corresponde uma distribuição funcional. E esta é razão da introdução de duas categorias. Dizer que, a partir de certa altura, alguns professores mais velhos, mediante prova, poderão adquirir o estatuto de professor titular e desempenhar as fnções de coordenação e liderança.
Mas porquê os limites? Qual a necessidade da introdução de quotas?
Porque os lugares de responsabilidade são em menor número.
Mas aí estamos a falar nas "quotas" às vagas de acesso à categoria de professor titular. Então porquê as "quotas" na avaliação?
São apenas um mecanismo para obrigar a avaliação a diferenciar. A prática na administração pública, não havendo quotas, mostra que toda a gente tem a mesma nota. E reparem que só estamos a atribuir quotas ao "excelente" e ao "muito bom". As quotas até funcionam como um instrumento de apoio a quem tem de avaliar, definindo patamares de exigência.
O critério "notas dos alunos", por exemplo, como é que se concretizará na avaliação dos professores?
Há muitas formas. Pode ser a média das notas positivas, ou o valor acrescentado - isto é, a diferença entre a nota com que o aluno chegou e a nota com que ele sai. Pode até haver formas mistas. É no momento da regulamentação do sistema de avaliação que tudo será definido.
Diz que quer continuar a dialogar com os sindicatos. Mas, ao mesmo tempo, garante que o ECD entrará em vigor no dia 1 de Janeiro e que não quer mexer em "princípios fundamentais". Então não é uma perda de tempo?
Não. A negociação é mesmo assim. Há sempre aspectos em relação aos quais não pode haver compromisso sob pena de se comprometer tudo.
Mas tem consciência de que o aumento dos níveis de contestação pode prejudicar o funcionamento das escolas?
A contestação é inevitável, mas não vai prejudicar o bom funcionamento das escolas. Essa é uma conversa invocada muitas vezes, mas acredito que não há um risco real. E devo dizer que, independentemente das negociações e da sua conclusã, o Governo tem toda a legitimidade para decidir, e vai decidir e implementar o estatuto nas melhores condições possíveis.
Está satisfeita com o seu modelo das aulas de substituição? Agora surgiu a contestação no secundário.
Os meninos do secundário são crescidos e não se conformam com algumas soluções. Se um aluno de 12 anos aceita jogar Sudoku, com um jovem que está pressionado pelos exames as coisas são diferentes. por isso, temos de fazer com que as escolas garantam qualidade nas aulas de substituição.
Mas como?
Às vezes não é preciso mais do que dizer que é preciso fazer.
(...) Mas ainda há escolas onde é difícil encontrar uma liderança. Ninguém quer assumir os conselhos executivos.
Este ano determinámos que nenhuma direcção regional indicasse ninguém para os casos em que não tinham emergido lideranças. Abrimos um concurso para cerca de 20 agrupamentos, e foi muito curioso porque os lugares foram ocupados por pessoas que se candidataram. Foi feita uma avaliação e a escola ratificou. Esta pode ser uma experiência para o futuro. Actualmente, o diploma obriga a que as lideranças sejam internas à própria escola. Mas esta possibilidade de um professor se candidatar ao conselho executivo de outra escola tem vantagens até no processo de recuo, quando o professor deixa de ter responsabilidade de "gestão".
Porquê?
Quando um professor pertence à própria escola, e deixa de ser presidente do conselho executivo, fica numa posição fragilizada. Ora, se o seu lugar de recuo for uma outra escola, é mais fácil. Seria muito importante que um presidente que tivesse dado boas provas na liderança de uma escola pudesse candidatar-se ao conselho executivo de outra mais difícil.

5 comentários:

Anónimo disse...

Estou com febre, se calhar não entendi,mas ela quer atribuir ao seu governo a responsabilidade pelo aumento do número de alunos? Como é que em Novembro - a 2 ou 3 meses do início das aulas - pode dizer que foi por sua causa que isso aconteceu? Que inverteu uma taxa que há 20 anos desce? É doida!
Andam a enganar tolos...

Anónimo disse...

Gosto especialmente quando diz que a divisão da carreira não tem nada a ver com a despesa,tem antes a ver com duas situações: "a da despesa,claro" e depois não diz claramente qual é a outra...Ah ah ah!
São loucos!!

Anónimo disse...

Resumindo e concluindo, à boa maneira de professor:
1 - A redução da Despesa na área da educação vai ser de se lhe tirar o chapéu, por motivos mais do que evidentes. Agora, acabaram as reduções da componente lectiva para o exercício de certos cargos e os novatos têm que arcar com um elevado número de turmas, alunos, etc., porque os mais velhos ocuparão as horas não lectivas a desenvolver esse trabalho. Logo, o número necessário de professores para pôr em movimento a máquina, sofrerá uma diminuição drástica. A grande maioria destes novatos nunca vai poder auferir vencimentos de topo.
2 - A qualidade do ensino vai resvalar para níveis inimagináveis, pois a avaliação dos professores passa pelo facto destes darem notas altíssimas. Só assim, o valor acrescentado será bem superior, como é óbvio; haverá menos abandono escolar, pois até os analfabetos, "de pai e mãe", terão direito ao seu diplomazito e os docentes entretê-los-ão com umas "palhaçadas" para que eles possam curtir mais a escola. Os mais capazes terão de ficar a marcar passo ao ritmo dos que são completamente destituídos de inteligência, caso contrário, não se consegue atingir o famigerado sucesso.
3 - Todos os ditadorzitos que estiveram no CE têm a protecção do governo, não podem ser "linchados" por terem colaborado, de forma contumaz e firme, para que a educação e estatuto dos professores chegassem à completa degradação.

Anónimo disse...

A culpa de tudo isto é dos Órgãos de Gestão, muitos deles sim formados por maus professores, que, para manter o seu pequeno reino de poder, são verdadeiros mordomos do ME, que os agracia com benéces e lhes faz festinhas no pelo. Bastaria os òrgãos de Gestão colocarem o seu lugar à disposição, que em 3 dias acabava-se a palhaçada em que vivemos desde que o PS entrou no poder com esta senhora.
Estes e outros desabafos no meu novo e modesto blog: http://escolaescola.blogspot.com/

Anónimo disse...

Concordo com Sizandro, uma grande parte da responsabilidade pelo estado actual da educação advém dos elementos dos conselhos executivos, normalmente péssimos professores...