segunda-feira, julho 30, 2007

Só por si, um quadro interactivo não faz uma escola moderna

"O Governo quer trocar as velhas ardósias por quadros electrónicos interactivos, com terminais nas carteiras dos alunos, e atribuir um videoprojector e uma impressora a cada sala de aula. Outras inovações tecnológicas, como o cartão electrónico do aluno e vídeo-vigilância generalizada constam de um programa que vai custar 400 milhões de euros e que o primeiro-ministro anunciou na segunda-feira com o entusiasmo que põe em qualquer iniciativa que fale para o futuro e para a modernidade. Mas no melhor pano cai a nódoa e eis que se descobre, em plena cerimónia, que os alunos recrutados para o evento são, afinal, figurante pagos a 30 euros por cabeça. A festa fica estragada e os partidos vêm a terreiro, gritando cada um mais alto do que o outro contra o escândalo dos alunos a fingir. Sócrates, surpreendido, tem de se explicar duas vezes – logo no fim do discurso e, depois, na entrevista à SIC. Sobre o “kit sala de aula” ninguém mais diz uma palavra.
É estranho que um Governo com fama de saber gerir a sua imagem ao pormenor, tão rodeado de conselheiros, tão apoiado em agências de comunicação, não tenha verificado o que se passava ou, sabendo-o, não tenha evitado em tempo o que qualquer aprendiz de assessor teria percebido imediatamente: que os figurantes a soldo matavam a iniciativa e punham o primeiro-ministro em xeque. Não há dinheiro público mais mal gasto do que em conselheiros incapazes.
À parte o péssimo exemplo que o Governo dá ao contratar ou ao permitir que se contratem figurantes para as suas iniciativas – mais ainda quando se trata de crianças -, este episódio um tanto folclórico não desdoura a iniciativa de levar a tecnologia às salas de aulas. Sobra, porém, esta pergunta: antes da revolução tecnológica, não seria aconselhável substituir os barracões que ainda hoje fazem de escolas, inclusive no centro de Lisboa, e recuperar os velhos liceus degradados onde alunos, professores e funcionários suam as estopinhas no Verão e tiritam de frio no Inverno? Será que todos os alunos já têm acesso a uma cantina em condições?
Só por si, um quadro interactivo não faz uma escola moderna. E não há nada mais ridículo e despropositado do que um equipamento de luxo lá onde continua a faltar o essencial".

Fernando Madrinha
Expresso

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