"Os professores regressam a Lisboa no próximo dia 8, em mais uma grande manifestação, contestando a política do Ministério de Educação que não evoluiu positivamente desde Março.
Embora as causas sejam várias – estatuto da carreira docente, estatuto do aluno, gestão escolar, quotas, concursos, prova de ingresso para docente – parece ser o modelo de avaliação proposto pela tutela o problema maior do mal-estar que varre as escolas de norte a sul e está a pôr em causa valores como a equidade, a credibilidade, a solidariedade e a amizade que deviam ser os elos a irmanar os docentes numa das funções mais nobres do homem: educar.
Porque o momento é difícil e urge salvar a Escola para salvar o País, fomos conversar com representantes de um dos movimentos de Professores – PROmova - com visibilidade neste caminho difícil por que segue hoje a Educação em Portugal: professores José Aníbal, Octávio Gonçalves e Pedro Areias.
NVR - Quais as causas que levam os professores novamente a Lisboa, depois de em Março se terem manifestado 100 mil professores a contestar a política do Ministério de Educação?
Octávio Gonçalves (OG) - A razão mais imediata prende-se com o facto da questão fundamental do ano anterior não ter ficado resolvida com o memorando de entendimento e de ter sido empurrada para Setembro. O PROmova tinha chamado a atenção que o problema não era somente de calendário, embora também o fosse pela implementação precipitada do modelo. Havia ali um problema que tinha a ver com a sua própria substância, conforme estava e está estruturado, com a sua complexidade, com a burocracia que nós consideramos ser gigantesca, por um lado, mas também inútil, do ponto de vista da qualificação das aprendizagens e da qualificação da própria escola. Isto sentiu-se mais, quando começou a sua implementação nas escolas, no momento em que os professores se começaram a confrontar com a extraordinária complexidade de grelhas, de itens e de descritores.
A grelha do avaliador integra, por exemplo, 80 descritores e cada um ainda tem diferentes parâmetros o que implica a recolha de informação de 300 ou mais variáveis. Ora isto é impossível, pois o avaliador, para ser rigoroso e objectivo, não fazia mais nada durante o ano.
NVR - Mas não é só avaliação que leva os professores a Lisboa…
OG - A avaliação do desempenho dos professores é o factor aglutinador. Depois há toda uma sequência legislativa que tem contribuído para a degradação da Escola, para a degradação do Ensino, para além da própria imagem pública dos professores. Nós também contestamos a estratégia de afronta, de confrontação que este governo adoptou quando seleccionou um conjunto de classes profissionais para lançar ataques que comprometeram aquilo que é a imagem pública dos professores, mas que também aconteceu com os juízes, com os militares, no sentido de dividir para reinar e de explorar um sentimento que não é lá muito nobre, entre nós, mas que também acontece, que é a inveja.
Mas o aspecto fundamental, aqui, é todo o edifício legislativo que estava orientado fundamentalmente para duas coisas. Uma é a perspectiva economicista, isto é a poupança de recursos com a educação e isso passa, fundamentalmente, por diminuir o nível de exigência nas escolas. A outra é política de favorecer as passagens, de favorecer as estatísticas para dizer que tudo isto é um sucesso extraordinário.
NVR - Mas o que se contesta, concretamente, neste modelo de avaliação?
OG - Vários aspectos. Um deles, que o desacredita, é o facto de todo este processo se estruturar à volta de uma avaliação inter-pares, que se baseou numa divisão dos professores que nós continuamos a contestar como sendo arbitrária, não tendo obedecido a critérios objectivos e justos.
NVR - Precisemos.
OG - Em primeiro lugar reduziu a avaliação da carreira dos professores de vinte ou trinta para os últimos sete anos, desrespeitando currículos, formações, experiências e empenhamentos pessoais. Em segundo lugar, esta avaliação integra itens, variáveis, que não são da responsabilidade exclusiva do professor: abandono escolar, insucesso dos alunos.
NVR – Ou seja, este modelo de avaliação culpabiliza os professores não só do insucesso como do abandono escolar dos alunos?
OG – Sim. Mas essa responsabilidade não pode ser assumida apenas pelo professor, porque estes fenómenos são multi-factoriais, alguns factores são sociais, etc. Isso tem um perigo que é o de incentivar o facilitismo. Um professor numa situação limite, para salvar a sua própria avaliação, pode ver-se tentado a «dar boas notas».
Pedro Areias (PA) – Para «dar boas notas», ignora-se a qualidade de ensino, não é? E nós estamos a criar o quê, como professores? A ser assim, como diz Medina Carreira, daqui a dez anos, teremos uma sociedade de jovens que, de facto, acabam por não ter aquelas competências que são fundamentais.
José Aníbal (JA) – Convém esclarecer que, ao dizermos isto, não estamos a pôr em causa nem o brio profissional dos colegas nem tão pouco o nosso. É que, quando confrontados com uma situação em que está em causa o seu futuro, que pode depender de um equilíbrio da própria estrutura familiar e está em causa o progredir ou não na carreira, com reflexos na economia familiar ou em condições de estabilidade e de qualidade de vida, o professor enfrenta um dilema.“Vou «dar notas» a estes alunos que considero que são as justas e as correctas, mas acabo por ser penalizado, porque os resultados não correspondem àquilo que querem que eu faça, quando esses resultados não são da minha exclusiva responsabilidade ou … atribuo classificações que não correspondem à realidade… e serei beneficiado!”
PA – Há outros aspectos com os quais nós não concordamos.
NVR – Quais?
PA - Esta avaliação sobrepõe-se à lei geral que está devidamente regulamentada na Constituição da República. Uma mãe que acabe de ter um filho fica penalizada por o ter. Se nos morre um familiar, o professor é penalizado porque faltou para ir ao funeral. Se nasce um filho, o pai não pode usufruir da licença de paternidade. Como se verifica, há, aqui, um conjunto de factores que são penalizadores para o professor. Isto jamais se poderá aceitar. Todo o modelo tem a função de penalizar e não de melhorar!
JA – Uma pessoa tem o direito de faltar 5 dias por falecimento do pai, mas é-se penalizado se se faltar. Já se sofre pelo falecimento de um familiar e depois ainda se vai ser penalizado?! Isto é extremamente desumano.
NVR – Esta é uma questão da assiduidade…
JA – É. Mas este modelo tem outros aspectos de uma grande subjectividade…
OG - O modelo de avaliação não pode permitir o favorecimento pessoal. Este modelo assenta, em grande medida, na avaliação feita por um único professor. A avaliação é, diga-se, complexa. Incluem-na as tecnologias de informação, os conteúdos científicos, as técnicas pedagógicas etc. Ora, um só professor não está em condições de avaliar com objectividade todos estes aspectos. Nós sabemos que em muitas escolas há relações de amizade, como as há de inimizade e isso pode interferir na avaliação (…)"
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