quarta-feira, abril 02, 2008

Avaliar a fingir?

"Todos sabemos que não há qualidade sem avaliação, mas nem todos percebemos como é difícil controlar interesses e critérios nem que tempo é preciso para definir objectivos, para desenvolver e testar meios de avaliação rigorosos.
Os professores e educadores são avaliadores experimentados, sensíveis às características de uma avaliação séria tempo, instrumentos seguros, avaliadores qualificados, imparcialidade.
Ora, essa experiência diz-lhes que a avaliação proposta pelo Ministério da Educação não oferece nenhuma destas garantias e que, portanto, deveria ser suspensa e substituída.
O seu calendário trapalhão diz tudo sobre a ignorância do tempo definir objectivos individuais agora, a pouco mais de um mês do final do ano avaliado? Vale tudo para salvar uma meta política?
Em segundo lugar, o Ministério propôs instrumentos nunca testados ou afinados e, ao usar a autonomia das escolas como escudo humano para este erro crasso, gerou uma anomalia ainda maior enorme diversidade e disparidade de instrumentos. Afinal de contas, quer uma avaliação ou quer muitas avaliações diferentes? E o mérito que quer avaliar será assim tão díspar?
A qualificação dos avaliadores também é a fingir só mais anos de serviço e mais cargos chegarão para avaliar bem quem possua maior qualificação científica, melhor formação pedagógica e didáctica ou maior experiência de tecnologias educativas que o avaliador?
O grande fingimento é, porém, o da imparcialidade. O n.º 4.º do artigo 22.º e o artigo 38.º do Decreto Regulamentar 2/2008 são claros o avaliador deve, sob pena de cessar funções e de procedimento disciplinar, ajustar a avaliação que fizer dos colegas aos valores que a Comissão de Coordenação da Avaliação da Escola considerar conformes à percentagem máxima ditada pelo divino olhar da tutela.
Veja-se o absurdo. Em Braga, por exemplo, há uma escola cujos alunos e professores obtiveram, no exame nacional de Matemática, mais notas entre os 18 e os 20 valores que o total de examinandos das melhores escolas privadas.
Pode ser imparcial a avaliação dos seus vários professores se a lei ordena à Comissão que force o avaliador a inventar falhas no desempenho deles para, em coro com o Ministério, proclamar que só um é muito bom ou excelente?
Bem lidos os factos, esta avaliação é mais que um mau acto de engenharia social, é um perverso exercício de darwinismo social prefere a magia do poder ao benefício da razão, desumaniza coercivamente a imparcialidade, reabre ao serviço público o caminho antigo e perverso do antes matar que ser morto, selecciona artificialmente a retaguarda vantajosa das elites.
Sedentos, os acólitos das figuras de autoridade aplaudem com prazer não é a conflitualidade o seu território natural? Os espíritos autónomos, esses estão de luto: há pelo menos quatro graves razões para gritar na rua e na escola que esta não é só uma avaliação de faz-de-conta, é uma avaliação perversa que não serve as pessoas, serve-se delas".

António Mendes
JN

4 comentários:

Anónimo disse...

Muitíssimo bem dito. De todo.
Solidariedade,
M.

Unknown disse...

Por favor respeitem a autoria do texto: é de António Mendes e foi publicado no Jornal de Notícias de 2 de Abril: http://jn.sapo.pt/2008/04/02/opiniao/avaliar_a_fingir.html

Anónimo disse...

Parabéns pelo texto, António Mendes. Tb gostei imenso de ler 20080319 - António Mendes/JN - A dignidade já tem um preço.
Se quiser escrever para a sinistra (bem sei que não se compara ao JN ou outros blogues) disponha, ok?
abraço,
M.

Anónimo disse...

Consultando o D.L. 15/2007 de 19/01, Transição para a nova estrutura da carreira Docente – artº 10º, chego a uma triste conclusão. Pois como exemplo, segundo a antiga Estrutura da Carreira, estaria se não tivesse havido congelamento, no ano de 2015 no 9º escalão no índice 299.
Com a nova estrutura da carreira (roubo), para chegar ao equivalente ao 9º escalão na melhore das hipóteses, necessito de mais 13 anos, sim mais 13 anos de trabalho.
Conclusão: Estamos a assistir a um grande roubo a todos os Professores, e nem Sindicatos nem da Oposição parecem interessados em resolver tão grave problema.
Façam também as vossas contas…
Precisamos de ajuda.


Obrigado.