"Só quem não leu o saquinho de rebuçados que o ME tinha, ontem, para oferecer à plataforma de sindicatos é que podia pensar que desta reunião madrugada adentro não sairia um grande "acerto de opiniões". Algum dos rebuçados responde às reivindicações de fundo que distorceram a profissão e a escola pública, a essência da avaliação, a fractura da carreira entre titulares e professores, a guilhotina na progressão, o director? Não.
Então, podem todos clamar vitória? Cada um canta a sua, e é legítimo que, nesta dura batalha contra a prepotência e a ausência de senso, papo-secos tenham o sabor de searas ao vento.
A ministra mente quando diz que não há suspensão nem adiamento. Esta é uma das vitórias do 8 de Março: há adiamento. Mas há mais: manter a tranquilidade do final do ano, permitir que professores cumpram a sua obrigação, e consagrar a uniformidade de critérios mínimos são pedras no sapato desta espécie de feudalismo selvagem, que se instalou, e em que cada escola, consoante os poderes, fazia o que queria e lhe dava na real gana. Ganharam sindicatos (e professores, claro) por se sentarem na futura comissão paritária e pela introdução de uma fatia de bom senso no horário de trabalho.
Ganhámos, pois, dois meses e meio e temos uma equipa autocrática e completamente desacreditada a recuar, fingindo que não recua.
Ganhámos os próximos anos? Não. O novo modelo de gestão foi ontem promulgado. Daqui a dois anos este modelo de avaliação não vale nada e vale tudo. O director da escola reúne os seus apaniguados e diz: este ano vamos dar excelente ao Manuel e à Maria. Porquê? Porque ela teve tuberculose e veio trabalhar, porque ele teve o filho no hospital e veio trabalhar, porque têm umas fichas muito bonitas e fazem tudo o que lhes pedimos. E continuará: vamos é chamar o presidente da câmara e o presidente da junta, fazer o festim, distribuir as medalhinhas, a ver se eles nos fazem mais uns favorzinhos.
Se a avaliação de professores vingar intacta para 2008 é um ganho certo para Sócrates. Ele precisa desesperadamente de dizer em 2009 que, pela primeira vez na história, os professores foram avaliados e que isto lhe confere o grau "zen" da modernidade. Vale qualquer coisa, desde que se faça. É uma vitória, mesmo que desesperada e à custa da fantochização do que o Ministério queria para este ano.
Há quem, na entrevista à SIC, tenha procurado a "pessoa" Sócrates no Zangão, ou na irritação pela mulher de António Costa ter estado na rua a 8 de Março, mas pouco se comentou o seu amor aos dias cinzentos e ao nevoeiro.
Nevoeiro e talha dourada. O nevoeiro, segundo José Gil, é essa espécie de entorpecimento colectivo onde se instala a dificuldade de pensar, a impossibilidade de agir, uma certa "estupidez reinante", o burgessismo. Eles querem lá saber se o modelo de avaliação é burocraticamente infernal, se não contribui para a qualificação da escola pública, se a avaliação é feita por quem possa não saber fazer melhor nem tenha formação para isso, que não tenha uma componente externa e salvaguarde a independência, que não preserve e valorize o trabalho em equipa, das escolas aos conselhos de turma. Eles querem lá saber, se o único sinal que deram até hoje do que é um "bom professor" foi o de que o bom professor é aquele que ocupou cargos durante os últimos sete anos de uma carreira de vinte ou trinta, independentemente das circunstâncias e da qualidade com que os ocupou.
O modelo é barato, reforça as dependências e a cadeia de obediência e, sobretudo, poderão clamar que o aplicaram e que isso é que é muito moderno, "o passo mais importante na reforma da educação" como garantia hoje a Ministra. É o que lhes interessa.
O que interessa aos professores e professoras é outra coisa. É o que aprofunda a sua missão de servidores da causa pública, da escola pública, do futuro das crianças e jovens, contra o nevoeiro e os burgessos. A Ministra diz que "não há mais acertos". Ou ela mente ou ganhámos rebuçados, ou o primeiro-ministro e o presidente suspiram de alívio ou conseguimos manter a luta e a qualidade das exigências. A escolha é, como a 8 de Março, nossa".
Cecília Honório
Então, podem todos clamar vitória? Cada um canta a sua, e é legítimo que, nesta dura batalha contra a prepotência e a ausência de senso, papo-secos tenham o sabor de searas ao vento.
A ministra mente quando diz que não há suspensão nem adiamento. Esta é uma das vitórias do 8 de Março: há adiamento. Mas há mais: manter a tranquilidade do final do ano, permitir que professores cumpram a sua obrigação, e consagrar a uniformidade de critérios mínimos são pedras no sapato desta espécie de feudalismo selvagem, que se instalou, e em que cada escola, consoante os poderes, fazia o que queria e lhe dava na real gana. Ganharam sindicatos (e professores, claro) por se sentarem na futura comissão paritária e pela introdução de uma fatia de bom senso no horário de trabalho.
Ganhámos, pois, dois meses e meio e temos uma equipa autocrática e completamente desacreditada a recuar, fingindo que não recua.
Ganhámos os próximos anos? Não. O novo modelo de gestão foi ontem promulgado. Daqui a dois anos este modelo de avaliação não vale nada e vale tudo. O director da escola reúne os seus apaniguados e diz: este ano vamos dar excelente ao Manuel e à Maria. Porquê? Porque ela teve tuberculose e veio trabalhar, porque ele teve o filho no hospital e veio trabalhar, porque têm umas fichas muito bonitas e fazem tudo o que lhes pedimos. E continuará: vamos é chamar o presidente da câmara e o presidente da junta, fazer o festim, distribuir as medalhinhas, a ver se eles nos fazem mais uns favorzinhos.
Se a avaliação de professores vingar intacta para 2008 é um ganho certo para Sócrates. Ele precisa desesperadamente de dizer em 2009 que, pela primeira vez na história, os professores foram avaliados e que isto lhe confere o grau "zen" da modernidade. Vale qualquer coisa, desde que se faça. É uma vitória, mesmo que desesperada e à custa da fantochização do que o Ministério queria para este ano.
Há quem, na entrevista à SIC, tenha procurado a "pessoa" Sócrates no Zangão, ou na irritação pela mulher de António Costa ter estado na rua a 8 de Março, mas pouco se comentou o seu amor aos dias cinzentos e ao nevoeiro.
Nevoeiro e talha dourada. O nevoeiro, segundo José Gil, é essa espécie de entorpecimento colectivo onde se instala a dificuldade de pensar, a impossibilidade de agir, uma certa "estupidez reinante", o burgessismo. Eles querem lá saber se o modelo de avaliação é burocraticamente infernal, se não contribui para a qualificação da escola pública, se a avaliação é feita por quem possa não saber fazer melhor nem tenha formação para isso, que não tenha uma componente externa e salvaguarde a independência, que não preserve e valorize o trabalho em equipa, das escolas aos conselhos de turma. Eles querem lá saber, se o único sinal que deram até hoje do que é um "bom professor" foi o de que o bom professor é aquele que ocupou cargos durante os últimos sete anos de uma carreira de vinte ou trinta, independentemente das circunstâncias e da qualidade com que os ocupou.
O modelo é barato, reforça as dependências e a cadeia de obediência e, sobretudo, poderão clamar que o aplicaram e que isso é que é muito moderno, "o passo mais importante na reforma da educação" como garantia hoje a Ministra. É o que lhes interessa.
O que interessa aos professores e professoras é outra coisa. É o que aprofunda a sua missão de servidores da causa pública, da escola pública, do futuro das crianças e jovens, contra o nevoeiro e os burgessos. A Ministra diz que "não há mais acertos". Ou ela mente ou ganhámos rebuçados, ou o primeiro-ministro e o presidente suspiram de alívio ou conseguimos manter a luta e a qualidade das exigências. A escolha é, como a 8 de Março, nossa".
Cecília Honório
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