"É preciso estar ATENTO. Muito ATENTO…
A presente opinião vem a propósito da notícia do Jornal «O Público» publicada no dia 2 de Maio de 2008 com o título «Professores podem pedir até oito dias úteis por ano para formação» Curioso como a informação é reinterpretada e difundida em forma de notícia.
O jornal Público (para facilidade de análise comparativa, optei por colocar em minúsculas o que o jornal escreve, e em maiúsculas o que está escrito na Portaria 345/2008 de 30 de Abril) noticia:
«Os professores do ensino pré-escolar, básico e secundário podem pedir até oito dias úteis de dispensa por ano escolar para fazer formação, de acordo com uma portaria publicada hoje em Diário da República. "As dispensas podem ser concedidas até ao limite de cinco dias úteis seguidos ou oito interpolados por ano escolar", refere o diploma que regulamenta o regime jurídico da formação contínua de professores alterado no âmbito do Estatuto da Carreira Docente (ECD).» (cit. do Público)
O «diploma» tem escrito:
ARTIGO 2.º
FORMAÇÃO DE INICIATIVA DA ADMINISTRAÇÃO EDUCATIVA
1 — AS DISPENSAS PARA FORMAÇÃO DA INICIATIVA DOS SERVIÇOS CENTRAIS, REGIONAIS OU DO AGRUPAMENTO DE ESCOLAS OU ESCOLA NÃO AGRUPADA A QUE O DOCENTE PERTENCE SÃO CONCEDIDAS PREFERENCIALMENTE NA COMPONENTE NÃO LECTIVA DO HORÁRIO DO DOCENTE.
2 — SEM PREJUÍZO DO DISPOSTO DO NÚMERO ANTERIOR, TAIS DISPENSAS SÃO CONCEDIDAS NA COMPONENTE LECTIVA DO HORÁRIO DO DOCENTE SEMPRE QUE AS REFERIDAS ACTIVIDADES DE FORMAÇÃO NÃO POSSAM, COMPROVADAMENTE, REALIZAR -SE NA COMPONENTE NÃO LECTIVA.
3 — A FORMAÇÃO PREVISTA NO PRESENTE ARTIGO SÓ PODE SER AUTORIZADA DESDE QUE O AGRUPAMENTO DE ESCOLAS OU ESCOLA NÃO AGRUPADA ASSEGURE A LECCIONAÇÃO DAS AULAS CONSTANTES DA COMPONENTE LECTIVA DO DOCENTE EM CAUSA.
ARTIGO 3.º
FORMAÇÃO DE INICIATIVA DO DOCENTE
1 — AS DISPENSAS PARA FORMAÇÃO DA INICIATIVA DO DOCENTE SÃO AUTORIZADAS APENAS DURANTE OS PERÍODOS DE INTERRUPÇÃO DA ACTIVIDADE LECTIVA.
2 — A FORMAÇÃO A QUE SE REFERE O PRESENTE ARTIGO PODE REALIZAR -SE NA COMPONENTE NÃO LECTIVA DO DOCENTE, QUANDO SEJA COMPROVADAMENTE INVIÁVEL OU INSUFICIENTE A UTILIZAÇÃO DAS INTERRUPÇÕES LECTIVAS.
3 — A FORMAÇÃO AUTORIZADA NOS TERMOS DO NÚMERO ANTERIOR PODE SER REALIZADA NAS SEGUINTES CONDIÇÕES: A) TRATANDO -SE DE EDUCADORES DE INFÂNCIA, SEM LIMITAÇÃO DE HORAS; B) TRATANDO -SE DE DOCENTES DOS 1.º, 2.º E 3.º CICLOS DO ENSINO BÁSICO E DO ENSINO SECUNDÁRIO, ATÉ AO LIMITE DE DEZ HORAS POR ANO ESCOLAR.
4 — A UTILIZAÇÃO DA COMPONENTE NÃO LECTIVA DO DOCENTE PARA A REALIZAÇÃO DA FORMAÇÃO REFERIDA NO ARTIGO 2.º NÃO PREJUDICA O USO DESSA MESMA COMPONENTE NOS TERMOS PREVISTOS NO NÚMERO ANTERIOR.
Analisemos rapidamente esta portaria em meia dúzia de pontos:
1) Em termos práticos, como é que uma Entidade Formadora poderá compatibilizar a componente não lectiva do horário dos diferentes docentes de uma determinada área curricular, que, em regra, são de agrupamentos diferentes?
Claro que não é possível! Obviamente, a benesse fica sem efeitos práticos.
2) O que é isto da FORMAÇÃO DE INICIATIVA DA ADMINISTRAÇÃO EDUCATIVA e FORMAÇÃO DE INICIATIVA DO DOCENTE?
Então o docente já pode ter iniciativa de formação?
A formação contínua, não é toda ela, da iniciativa de Entidades Formadoras creditadas? Então, se a iniciativa for da administração educativa as dispensas já podem ser «concedidas na componente lectiva do horário do docente sempre que as referidas actividades de formação não possam, comprovadamente, realizar -se na componente não lectiva»?
Porquê?
3) De que forma é que o docente comprova que «sempre que as referidas actividades de formação não possam, comprovadamente, realizar -se na componente não lectiva»?
É a entidade formadora é que tem que comprovar que não pode realizar a formação na componente não lectiva do professor x da escola y? Este comprovativo é a multiplicar por vinte formandos de diferentes escolas? E depois, multiplica-se estes vinte comprovativos por formandos por quinze ou vinte acções de formação?
Lá se vai mais uma benesse!
4) Todos sabemos que um agrupamento raramente tem número suficiente de docentes numa determinada área curricular (por exemplo, Educação Física) para organizar «actividades de formação que incidam sobre conteúdos de natureza científico-didáctica relacionadas com as áreas curriculares leccionadas». Por isso, terão que, imperativamente, recorrer a formação de Entidades Externas (por exemplo, Associações Profissionais ou Universidades).
Cá esta a «formação de iniciativa do docente». Malandrice…, porque a esmagadora oferta de formação nas áreas da especialidade são de estas instituições.
Esta benesse é simpática. Tem é que se «ver» sempre o outro lado do espelho!
5) A FORMAÇÃO DA INICIATIVA (…) DO AGRUPAMENTO DE ESCOLAS OU ESCOLA NÃO AGRUPADA não está condicionada ao Centro de Formação da Associação de Escolas (CFAE) a que pertence? E se os professores de um determinado agrupamento que teve uma determinada iniciativa de formação tiver o «azar» da sua proposta não ser acolhida pelo CFAE a que pertence? Lá terá que o Docente ir buscar formação da sua iniciativa….
Uma vez mais o legislador estava distraído com as benesses.
6) Como é que se faz com o «TRATANDO -SE DE DOCENTES DOS 1.º, 2.º E 3.º CICLOS DO ENSINO BÁSICO E DO ENSINO SECUNDÁRIO, ATÉ AO LIMITE DE DEZ HORAS POR ANO ESCOLAR.»? Todos sabemos que as acções de formação têm, no mínimo, quinze horas de formação (0,6 créditos nos cursos de formação) e que, na generalidade, têm vinte e cinco horas de formação (1 crédito nos cursos de formação).
O que se faz com dez horas de formação em termos de formação contínua?
Caramba! Mais uma benesse por água abaixo…
TUDO ISTO É TRISTE, TUDO ISTO É FADO…"
Carlos Fernando Borges de Matos Esculcas
Professor
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