quarta-feira, março 12, 2008

Entrevista a Maria Filomena Mónica

A actual contestação resulta de uma governação “áspera”, como diz Sócrates, ou da desistência face ao Governo?
Nem uma coisa nem outra: a governação não é nem particularmente áspera nem particularmente doce. Estes adjectivos não se aplicam à política, a não ser por gente que, como o primeiro-ministro, pensa que a forma equivale à substância. Os portugueses não desistiram: simplesmente não encontraram, no mercado político, quem possa substituir com vantagem este Executivo.
O descontentamento é localizado ou está generalizado?
É um desencanto submisso e fatalista.
Como acompanha a contestação dos professores?
Com atenção, não só por ser docente – do Ensino Superior – como por a minha primeira especialidade ter sido nesta área.
O que falhou na reforma?
Devo dizer que a ministra fez coisas boas: destaco a abertura das escolas das 9 da manhã às 5 da tarde, o encerramento das escolas pequenas e a tentativa de, em vez de um conselho directivo, as escolas passarem a ter um director. O que estragou tudo foi o esquema de avaliação que propôs. Avaliar professores é diferente de emitir juízos sobre empregados de empresa, funcionários públicos ou gestores de topo. Nestes casos, há objectivos definidos – vender sapatos, endereçar sobrescritos ou aumentar os lucros – o que não se passa no caso das escolas. É fácil conferir se os docentes faltam, se chegam atrasados ou se corrigem os testes. O mesmo se não pode dizer da capacidade para ensinar, que as faculdades de Ciência da Educação – uma das pragas dos tempos modernos – são supostas transmitir. Aqui, a cabecinha tecnocrática da ministra levou-a ao abismo.
O ensino tal como o conhecemos é inviável?
Nada é inviável: se fosse esse o caso, Portugal há muito que teria deixado de existir. Claro que tenho pena do caos que se vive na Educação, até porque, sendo de esquerda, me preocupam o destino dos filhos dos pobres e a forma como a escola impede os melhores de subir na vida.
O que falha na relação do Estado com os professores?
Muita coisa: da forma como se abriram, em 1974, as portas do ensino superior, sem o número de professores para ensinar os alunos que foram entrando, à maneira como os docentes são colocados nas escolas forçando-os a uma itinerância que destrói a sua vida pessoal, os desmotiva e impede a sua ligação aos alunos.
Quais as soluções para contornar a situação?
Não posso responder numa linha, nem sequer numa página.A ministra tem condições para se manter no cargo?O assunto interessa-me pouco: se ela sair, virá um ministro igual ou pior.
Que consequências podem advir do mau momento na rua que o Governo atravessa?
Sem oposição no parlamento, poucas ou nenhumas. Sócrates limitar-se-á a remendos, a fim de tentar apaziguar alguns professores, mas nada disto resolverá o problema de base, até porque ele próprio não faz a mínima ideia do que seja aprender ou ensinar: basta olhar a universidade que frequentou.
Faz sentido o ‘contra-comício’ que o Governo marcou para o próximo sábado?
É tão surrealista que pensei ser uma mentira divulgada pela oposição.
Porque é que a contestação não se nota nas sondagens?
Por não haver alternativa.
Menezes é alternativa a Sócrates?
Não. Aliás, quanto mais tempo se passar, mais claro isso se tornará.
Os portugueses têm opção de escolha?
Têm – emigrar – e é isso que estão a fazer em número crescente.
Há alguma possibilidade do PS não governar após 2009?
Só se o PSD mudar de cabo a raso. Como não votarei neste partido, o assunto só me interessa porque desejaria ter um PS melhor. Por nenhum dos maiores partidos terem feito o que haviam prometido – mudar o sistema eleitoral para as legislativas.

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