"(...) Fechei-me em casa, tentando reflectir sobre o que vira. Aqui vão, a quente, as minhas conclusões. A Educação é o maior falhanço do actual regime. Os responsáveis pelo desastre são os ministros, que se sucederam na 5 de Outubro, os quais, sob uma retórica progressista, adoptaram políticas românticas, cobardes e ineficazes. Foram eles, e não os professores, que se recusaram a enfrentar o problema da massificação da escola; foram eles, e não os professores, que elaboraram os programas; foram eles, e não os professores, que levaram as classes médias a retirar os filhos do ensino público. Tenho autoridade para falar porque, desde o primeiro momento, defendi que as reforamas educativas deveriam começar pelo topo, introduzindo-se o numerus clausus nas universidades. Não o declarei por ser "reaccionária", como alguns proclamaram, mas por estar consciente que, diante da pressão das classes médias, o Estado corria o risco de abrir demasiado as portas do ensino superior.
Foi o que aconteceu. As faculdades passaram a receber mais alunos do que os professores doutorados (os únicos competentes para ensinar) tinham capacidade para leccionar. Os resultados viram-se: todos os anos foram lançados no mercado licenciados analfabetos. Entre a multidão reunida no Terreiro do Paço havia provavelmente quem (como a ministra) tivesse sido meu aluno. Apesar do meu esforço em preparam bem as aulas, tenho consciência de que muitos acabaram sem competência para ensinar.
Por ter vindo no fim de uma série de erros cuja autoria lhe não pertence, Maria de Lurdes Rodrigues é, de todos, a menos culpada. De início, procurou corrigir desvios, mas, a certa altura, optou por atacar os professores, julgando que assim ganhava o aopoio da população. Enganava-se: independentemente de comportamentos pontuais, os portugueses sentem que aqueles são vítimas dos "especialistas" que se sentam na Av. 5 de Outubro. Como em todas as profissões, haverá ovelhas ranhosas, mas o problema só pode ser resolvido por uma direcção empenhada, ou seja, por alguém que dê a cara pela sua escola. perdido entre medidas avulsas, Maria de Lurdes Rodrigues nem isto conseguiu pôr em prática.
É preciso notar que as escolas não são ilhas. Há 30 anos, quando os meus filhos entraram para o Ciclo Preparatório (actuais 5º e 6º anos), numa escola pública (a Manuel da Maia), curiosamente situada ao lado do Casal Ventoso, os alunos pertenciam, quase todos, à burguesia. O ambiente que ali se respirava reflectia a cultura que as crianças traziam de casa: mesmo quando não livresco, o ethos era hierárquico. Tudo isto mudou. Agora, os docentes têm de ensinar crianças cujos pais e avós não sabem ler nem escrever: os 10% de alunos que reprovam na primeira classe são um sintoma do ancestral analfabetismo português.
Chegou o momento de abordar o pomo central da discórdia, a avaliação. A ideia parece tão simples que até os sindicatos têm medo de a recusar, mas, na prática, nada há de mais complexo. A competência pedagógica é uma qualidade que nenhuma grelha pode captar. Basta ler a peça The History Boys, do premiado Alan Bennett, para se ver quão arbitrária é a avaliação dos professores. A agravar o problema, o organigrama proposto pelo Ministério, inspirado nos disparates que Valter Lemos apresentou no seu livro O Critério de Sucesso, é uma aberração.
O que nasce torto tarde ou nunca se endireita. Era pouco provável que um país que teve a sua génese no assassinato da mãe pelo filho viesse gerar uma autoridade legitimada. Enquanto o povo acreditou que o poder tinha origem divina, o edifício ainda se aguentou, mas, a partir do momento em que Deus morreu, tornou-se cada vez mais difícil aceitar o veredicto dos dirigentes. A 8 de Março de 2008, 100 mil docentes (dois em cada três) saíram de casa para declarar que não reconhecem à ministra da Educação legitimidade para os julgar. para mal dos nossos pecados, têm razao".
Maria Filomena Mónica
Sábado
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